Bagunça fundiária Xico Graziano Ponto causador da insegurança no campo está sendo provocado nas vistorias do Incra. Crescem as denúncias sobre a manipulação dos laudos oficiais. Com dificuldades para desapropriar os verdadeiros latifúndios, que se tornaram produtivos, técnicos do Incra taxam, no papel, fazendas exemplares como improdutivas. Cria-se um pânico no setor
|
Uma verdadeira anarquia jurídica atrapalha o ambiente da produção rural. Como se não bastassem as dificuldades inerentes ao agro, o direito de propriedade sobre a terra, no Brasil, é incerto e discutível. Coisa medieval. A Lei de Terras, de 1850, estabeleceu os marcos do capitalismo no campo, regulamentando a compra e a venda da propriedade. Os domínios privados sobre o território puderam ser registrados, denominando-se, por exclusão, de "devolutas" as terras de ninguém. Um século e meio depois, em plena era pós-capitalista, imensas porções do território nacional continuam sem dono. Ou, pior, com vários donos! A precariedade da estrutura agrária é o nascedouro da violência no campo. Existem oito grandes fragilidades a serem enfrentadas imediatamente pelo poder público. Primeiro, a discriminação das terras devolutas. A esquerda agrarista sempre lutou contra a regularização fundiária. Argumenta que na ocupação da Amazônia, ocorrida durante o período militar, privilegiou interesses oligárquicos. Deve ser verdade. Quantos pecados, afinal, não se escondem na História? Reparem-se os erros, mas que haja um final para esse processo. Senão, continua a barbárie. O segundo item da agenda se refere às áreas indígenas. O grande problema, criado recentemente, reside na tentativa de arrecadação de terras, como em Mato Grosso do Sul, onde se pratica a agropecuária há décadas. O argumento dos antropólogos oficiais é de que, no passado, foram territórios indígenas. Ora, se for assim, tudo será deles. Em terceiro lugar, encontram-se as áreas dos remanescentes de quilombos. A Constituição de 88 assegura, aos quilombolas, o direito às terras que ocupam. Nada contra. Em várias partes do país, entretanto, grupos negros passaram a reivindicar terrenos de supostos antepassados, entrando em conflito com produtores rurais já estabelecidos. Em quarto, legislação do período autoritário estabelece uma faixa de 150 quilômetros, nas fronteiras, na qual se exige retificação do Incra para garantir, acima de 2.500 hectares, a escritura da propriedade. Nunca cumprida, a exigência ameaça tornar fora-da-lei milhões de hectares. Um mar para novas tormentas. Ainda os militares, sob o bordão da integração nacional, criaram o quinto problema. Uma faixa de 100 quilômetros, adjacente às rodovias federais na Amazônia, são de domínio público. A idéia inicial era a da colonização em agrovilas, tentativa que se mostrou um fracasso absoluto. Caducou a proposta, restou a confusão. Em sexto lugar, contam-se 500 mil posseiros, gente que cultiva sem nunca ter regularizado sua posse. Esses produtores precários poderiam se beneficiar do direito de usucapião especial, mas nem sabem o que isso significa. O sétimo ponto causador da insegurança no campo está sendo provocado nas vistorias do Incra. Crescem as denúncias sobre a manipulação dos laudos oficiais. Com dificuldades para desapropriar os verdadeiros latifúndios, que se tornaram produtivos, técnicos do Incra taxam, no papel, fazendas exemplares como improdutivas. Cria-se um pânico no setor. Por fim, para firmar corretamente a estrutura agrária, há que se titular também os beneficiários da reforma agrária. Uma multidão de 700 mil famílias de novos agricultores continua dependente do poder público, constituindo uma inusitada espécie de funcionários públicos. Falha do governo? Certamente, mas pasmem. Quem impede a titulação dos assentados é o próprio MST, que não admite vê-los progredir, tornando-se senhores de seu destino. É lamentável. Crise política se agravando, ninguém arrisca o futuro. O fato é que por detrás do sucesso da agropecuária se esconde um barril de pólvora. Começa
a corrida presidencial. Poderia vencê-la um mandatário com coragem
para botar ordem nessa bagunça fundiária. Enfrentar os invasores de
terras e os grileiros, titular os posseiros e assentados. Demarcar, de
vez, as terras quilombolas e os territórios indígenas. Acabar com a
fragilidade jurídica da propriedade rural. Se conseguir, vira herói. Xico Graziano, agrônomo, foi secretário da Agricultura do Estado de São Paulo, presidente do Incra, e atualmente é deputado federal (Transcrito do jornal O Globo, de 30 de agosto de 2005) |
|
Boletim Informativo nº
880, semana de 5 a 11 de setembro de 2005 | VOLTAR |