|
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO |
APELAÇÃO CIVIL Nº 159.966.4/8-00 APELANTE: P. M. APELADA: Confederação Nacional da Agricultura - CNA RELATOR:
marcus andrade |
CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL -Cobrança pela Confederação Nacional da Agricultura - Exigência em face de pessoa física - Parâmetros do enquadramento sindical previstos no artigo 1º do Decreto-lei 1.166/71 - Produção probatória dispensável -Apelação provida - -Constitucionalidade -Desnecessidade de previsão em lei complementar -Legislação recepcionada pela nova ordem constitucional -Inexistência de afronta ao princípio da liberdade sindical - Contribuinte, pessoa física - Base de cálculo - Valor da Terra Nua -Identidade com a do Imposto Territorial Rural- Norma recepcionada pela CF/88 - Cobrança -Legalidade -Multa imposta em conformidade com o artigo 600 da C.L.T. - Apelação improvida. Trata-se de ação de monitória ajuizada pela Confederação Nacional da Agricultura - CNA, visando o recebimento da contribuição sindical rural, exigida com base no artigo 24, inciso I da Lei 8.847, de 28 de janeiro de 1.994 e materializada em Guia de Recolhimento de Contribuição Sindical, emitida em nome de proprietário rural. Julgados procedentes os embargos e extinto o processo sem julgamento do mérito, a sentença foi desconstituída por esta Quinta Câmara de Direito Privado, determinado o prosseguimento do feito. Em seguida, convertida a ação para cobrança, pelo rito sumário, foi proferida nova sentença, cujo relatório é adotado, julgando-a procedente, condenando P. M. a pagar o débito constante de petição inicial, acrescido de juros a partir da citação e correção monetária, bem como, ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor total da condenação. Apelou o demandado, alegando, preliminarmente: a) ofensa ao inciso IV, do artigo 267, do Código de Processo Civil; b) inépcia da inicial; c) ilegitimidade para figurar no pólo passivo da ação; d) impossibilidade jurídica do pedido, e, no mérito, propugnando pela reforma, na íntegra. Preparo anotado. Recurso respondido. É o relatório. As preliminares confundem-se com o mérito e serão com ele decididas. A contribuição objeto da presente ação é aquela com previsão legal, mencionada na parte final do inciso IV, do artigo 8º, da Constituição Federal, e que está disciplinada nos artigos 578 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho, recebendo a denominação de "sindical". A contribuição sindical, ao contrário da confederativa, recai sobre toda uma categoria, independentemente de filiação a sindicato. Na hipótese importante ter presente que, na realidade, os parâmetros do enquadramento sindical são fornecidos pelo artigo 1º, inciso II, do Decreto-lei 1.166/71, que considera: II empresário ou empregador rural: a) a pessoa física ou jurídica que, tendo empregado, empreende, a qualquer título, atividade econômica rural; b) quem, proprietário ou não e mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência e progresso social e econômico, em área igual ou superior à dimensão do módulo rural da respectiva região; e c) os proprietários de mais de um imóvel rural, desde que a soma de suas áreas seja igual ou superior à dimensão do módulo rural da respectiva região. Assim, também estão sujeitos à cobrança da contribuição, os proprietários de mais de um imóvel rural, desde que a soma da área de seus imóveis seja superior a um módulo rural, circunstância não afastada pelo recorrente. A par disso, os documentos trazidos pela autora mostram-se suficientes à comprovação do enquadramento, pois o cadastro dos imóveis é feito junto à Secretaria da Receita Federal, que administra o Cadastro de Imóveis Rurais - CAFIR, cujos dados são atualizados, anualmente, pelo contribuinte do Imposto Territorial Rural, que está obrigado a entregar o Documento de Informação e Apuração do ITR - DIAT, que conterá a declaração do Valor da Terra Nua (VTN), utilizado como base de cálculo, tanto do ITR, quanto da contribuição sindical (artigos 6º, parágrafo segundo e 8º, parágrafo primeiro, da Lei 9.393, de 19 de dezembro de 1.996). Estas informações chegam até a autora, Confederação Nacional da Agricultura, mediante convênio de cooperação celebrado com a Secretaria da Receita Federal, que tem por finalidade o fornecimento dos dados cadastrais de imóveis rurais que possibilitem a cobrança de contribuição sindical devida à entidade, tudo conforme expressamente autorizado no artigo 17, inciso II, da Lei 9.393/96. A União instituiu a contribuição sindical rural ao editar o Decreto-lei nº 1.166, de 15 de abril de 1.971. Diz o artigo 4º: "Caberá ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), proceder ao lançamento e cobrança da contribuição sindical devida pelos integrantes das categorias profissionais e econômicas da agricultura, na conformidade do disposto no presente Decreto-lei". Posteriormente, com a alteração da administração de receitas federais, introduzida pela Lei nº 8.022, de 12 de abril de 1.990, transferiu-se à Secretaria da Receita Federal a competência para administração das receitas arrecadadas pelo INCRA, compreendidas as atividades de tributação, arrecadação, fiscalização e cadastramento (artigo 1º, "caput" e parágrafo 1º). Mais recentemente, em 28 de janeiro de 1.994, com a edição da Lei nº 8.847, que dita normas sobre o Imposto Territorial Rural e dá outras providências, estabeleceu-se a cessação da competência prevista no artigo 1º da Lei 8.022/90, fixando-se como data limite 31/12/96. Assim, o artigo 24, inciso I, da Lei 8.847/94, fez cessar a competência da Secretaria da Receita Federal, para arrecadar a "Contribuição Sindical Rural, devida à Confederação Nacional da Agricultura - CNA e à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG, de acordo com o artigo 4º do Decreto-lei nº 1.166, de 15 de abril de 1.971, e artigo 580 da Consolidação das Leis do Trabalho - C.L.T.", Entretanto, o apelante entende ser inconstitucional a cobrança, posto não embasada em lei complementar, a legitimá-Ia, invocando as disposições dos artigos 149 e 146, inciso III, da Constituição de 1.988, que exigem esta modalidade de norma para instituição de contribuições sociais. Na espécie, contudo, aplica-se o príncípio da recepção, consagrado pelo ordenamento jurídico pátrio. Conforme lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em sua obra "Comentários a Constituição Brasileira de 1.988", Editora Saraiva, 2ª edição, vol. I págs. 7 e 8, a doutrina da recepção teve origem em Hobbes, segundo o qual "o legislador não é apenas aquele por cuja autoridade as leis foram por primeiro feitas, mas também aqueles por cuja autoridade essas leis posteriormente continuam como leis" (Leviatã, Parte 2, Cap. 26). A partir dessa idéia, desenvolveu-se a doutrina da recepção, que evita o refazimento da ordem jurídica, sustentando o "recebimento" do direito anterior pela nova Constituição. A recepção, porém, tem um limite, prossegue o autor. É o da compatibilidade. Esta compatibilidade é de conteúdo, não de forma. A forma é irrelevante para a recepção. O que importa é a compatibilidade com as disposições de fundo da nova ordem constitucional, para que possa a norma anterior ser recebida e mantida em vigor. E, neste aspecto, a contribuição sindical rural, instituída pelo Decreto-lei nº 1.166/71, está em sintonia com os incisos IV, "in fine" e V, do artigo 8º, da Constituição Federal vigente, que adotou um sistema sindical híbrido, em que convivem as liberdades coletivas de associação e de administração, com algumas restrições mantidas, integrantes da estrutura do corporativismo. Não colidem, mas foram recepcionados pela Constituição da República de 1.988, os artigos 578 e 606 da Consolidação das Leis do Trabalho. Não se há falar em inconstitucionalidade da cobrança, por ter a contribuição sindical rural a mesma base de cálculo que o Imposto Territorial Rural. O artigo 217 do Código Tributário Nacional excepciona as regras limitadoras constantes dos artigos 17, 74, § 2º e 77, parágrafo único, dispondo, expressamente, que tais dispositivos não excluem a incidência e exigibilidade das contribuições parafiscais, dentre elas a contribuição sindical (inciso I). No caso, não se pode negar que a Constituição da República, promulgada em 1.988, recepcionou o bis in idem representado pela incidência da mesma base de cálculo, o Valor da Terra Nua, tanto na imposição do Imposto Territorial Rural, quanto na cobrança da contribuição sindical rural devida pelo produtor rural pessoa física. Com efeito, assim estabelece o artigo 10, § 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Tributárias: "Até ulterior disposição legal, a cobrança das contribuições para o custeio das atividades dos sindicatos rurais será feita juntamente com a do imposto territorial rural, pelo mesmo órgão arrecadador". Quanto ao artigo 592, da Consolidação das Leis do Trabalho, cabe observar, de início, que o elenco nele previsto diz respeito a objetivos a serem perseguidos na aplicação da contribuição sindical, pelos sindicatos, na conformidade dos seus respectivos estatutos, não estando as entidades de grau superior, como é a autora, a eles vinculada, conforme se depreende do disposto no artigo 593. Por outro lado, convém lembrar que a legitimidade para cobrar a contribuição sindical rural, em caso de inadimplemento, é da Confederação Nacional da Agricultura - CNA (artigo 24, inciso I, da Lei 8.847/94), mas não se pode afirmar o mesmo em relação à prestação de contas da destinação da receita, uma vez que ela é distribuída entre confederação, federação e sindicato, nos percentuais previstos no artigo 589 da Consolidação das Leis do Trabalho, ficando o último, diga-se de passagem, com a maior parte do montante arrecadado (60%). O controle sobre o patrimônio e a gestão dos bens e recursos das organizações sindicais era exercido diretamente pelo Ministério do Trabalho. Todavia, com o advento da Constituição de 1988, que concedeu às entidades sindicais liberdade de administração, ao Estado não é mais possível intervir na atividade sindical. Atualmente, a fiscalização é realizada internamente, pelos próprios integrantes das entidades e na forma definida em assembléia geral e prevista nos seus estatutos. O controle externo possível é o exercido em relação às pessoa jurídicas de direito privado que exercem atividade econômica. De qualquer maneira, o questionamento da inexistência de contraprestação não isenta o devedor do pagamento da contribuição sindical, que é compulsória e é devida pelos que integram uma determinada categoria econômica, quer sejam trabalhadores, empregadores ou profissionais liberais, para custeio do sistema confederativo a que pertencem. Não procede, outrossim, a afirmação de que a cobrança deveria ocorrer pela via executiva, primeiro porque a Confederação-autora não se apresenta munida de título executivo judicial ou extrajudicial. Em segundo lugar, porque a Constituição de 1.988, ao vedar a interferência e a intervenção do Poder Público na organização sindical (artigo 8º, inciso I), fez cessar ao Ministério do Trabalho a atribuição de expedir as certidões de dívida que serviam de título para a execução da dívida; e, em terceiro, porque a autora não tem a mesma natureza jurídica dos entes elencados no artigo 1º da Lei 6.830/80, não sendo também aplicável o disposto no Decreto 82.935/78, restando-lhe, portanto, as vias possíveis de utilização por pessoas jurídicas de direito privado. Quanto à multa imposta, ressalte-se que o artigo 600, da Consolidação das Leis do Trabalho, aplicável nos casos de inadimplemento da contribuição sindical rural, disciplinada pelo Decreto-lei 1.166/71, dispõe que o recolhimento intempestivo da contribuição será acrescido de multa de 10% nos trinta primeiros dias, com o adicional de 2% por mês subseqüente de atraso, além de juros de mora de 1% ao mês e correção monetária. Esse, justamente o caso dos autos, correta, assim, sua aplicação. Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL nº 159.966.4/8-00, da Comarca de PACAEMBU, em que é apelante P. M. e apelada CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA-CNA. Acordam em Quinta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça, por votação unânime, negar provimento à apelação. Por todo o exposto, a Turma Julgadora nega provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Desembargadores RODRIGUES DE CARVALHO e CARLOS RENATO, com votos vencedores. São Paulo, 18 de fevereiro de 2004. Marcus Andrade Relator |
|
Boletim Informativo nº
879, semana de 29 de agosto a 4 de setembro de 2005 | VOLTAR |