PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE ALÇADA DE MINAS GERAIS

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 390.450-3, COMARCA DE SETE LAGOAS
APELANTE: V.B.M.
APELADO: CNA
RELATOR: JUIZ MAURO SOARES DE FREITAS

 

EMENTA:

COBRANÇA – GUIAS DE RECOLHIMENTO - CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL – PROCEDIMENTO – ADEQUAÇÃO – DÉBITO DE NATUREZA TRIBUTÁRIA – INCIDÊNCIA DE JUROS E MULTA – CABIMENTO E PERTINÊNCIA – CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADO – QUESTÃO DE DIREITO QUE INDEPENDE DE PROVA.

A guia de recolhimento da Contribuição Sindical Rural, acompanhada do demonstrativo da constituição do crédito por imóvel, porque atende a essas exigências e exterioriza obrigação contida em lei, é prova escrita apta a ensejar a cobrança do valor total nela consubstanciado.
As normas pertinentes à execução fiscal não se aplicam às entidades sindicais, cuja natureza jurídica é de direito privado.

A contribuição sindical “prevista em lei”, a que se refere a parte final do inciso IV, do art. 8º da Constituição da República – a mesma que compete à União Federal instituir no “interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”, de que trata o art. 149 do texto constitucional – por ter natureza tributária, é compulsória para os que integram as respectivas categorias econômicas e profissionais, independentemente de filiação a sindicato, restando inaplicável a restrição do art. 154, I, da Carta Magna, porquanto não há falar em bi-tributação com o Imposto Territorial Rural, por se tratarem de tributos de natureza distinta.

Se os demonstrativos de débito de contribuição sindical obedeceram ao disposto no art. 600 da CLT, que trata das penalidades em caso de atraso no pagamento da contribuição, aplicando corretamente a multa, juros de mora e correção monetária, nenhuma redução há de ser feita no cálculo, se os valores cobrados estão de acordo com a legislação vigente e dentro dos índices próprios.

V O T O S

O SR. JUIZ MAURO SOARES DE FREITAS:

Cuida-se de recurso de apelação interposto por Valter Bastos Martins, que se diz inconformado com a r. sentença de f. 65-72, proferida nos autos da “ação de cobrança em procedimento sumário” ajuizada pela Confederação Nacional da Agricultura – CNA, ora apelada, na qual o douto Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Sete Lagoas julgou procedente o pedido aviado na peça vestibular e condenou o recorrente no pagamento das contribuições sindicais rurais dos exercícios de 1998 e 1999, nos valores de R$358,30 (trezentos e cinqüenta e oito reais e trinta centavos) e R$294,49 (duzentos e noventa e quatro reais e quarenta e nove centavos), respectivamente, acrescidos de juros moratórios à taxa mensal de 1% e multa de 10%, além de correção monetária desde os respectivos vencimentos, até a data do efetivo pagamento.

Em suas razões de inconformismo, o recorrente argúi preliminar na qual questiona a validade dos documentos que instruem a petição inicial, sobretudo a suposta exigibilidade de “Certidão expedida pelas autoridades Regionais do Ministério do Trabalho” (sic) e a imprestabilidade do “boleto bancário” (sic) para firmar a exação da qual se diz vítima.

No mérito, sustenta que “o artigo 606 de CLT exige que seja ação executiva, não se pode mover ação de cobrança, ainda mais com boleto bancário” (sic).

Noutro norte, alega que a exação não atinge pecuaristas, havendo, outrossim, excesso de cobrança com encargos ilegais e juros exorbitantes, tratando-se de verba inconstitucional, mormente por não ser filiado a nenhum sindicato.

No mais, impugna os lançamentos efetuados pela apelada e se diz vítima de cerceamento de defesa, porquanto protestou em audiência pelo depoimento pessoal de um dos diretores da apelada, silenciando-se, contudo, o douto Juízo de origem.

Ao final, ressalta a existência de decisões contrárias proferidas por outros juízes daquela comarca, pelo que pugna seja reformada in totum a r. sentença hostilizada, senão com o indeferimento da petição inicial.

Intimida, a apelada apresentou resposta às f. 91-100, festejando o acerto do r. decisum, pugnando por sua manutenção.

Vieram-me os autos conclusos, ocasião na qual determinei o sobrestamento do feito até ulterior decisão do incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 0328878-2/01, cuja controvérsia era justamente a legitimidade ativa da CNA. Decidido o incidente em 20 de setembro de 2004, vieram-me os autos novamente conclusos em 13 de outubro daquele ano.

Inicialmente, observo que o recurso foi interposto desprovido do respectivo preparo prévio, fato que se justifica pela gratuidade judiciária deferida ao contribuinte pelo douto Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Sete Lagoas. Assim, presentes os demais pressupostos processuais, conheço do apelo.

Antes de apreciar a preliminar relativa aos documentos que instruem a exordial, mister esclarecer alguns pontos controvertidos acerca da cobrança da chamada contribuição sindical rural.

Como visto, trata-se, a espécie, de ação ordinária de cobrança, não se podendo confundir tal procedimento com aquele próprio à execução fiscal, regulamentado na forma da Lei 6.830/80, reservado à cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, dos Municípios e respectivas autarquias.

Acontece que a pretensa confusão decorre do fato de se discutir um encargo de natureza tributária, o que leva o apelante a forcejar pela aplicação das regras de lançamento e cobrança da dívida ativa dos entes estatais e requerer, ainda, a aplicação estrita do art. 606 da CLT para a execução do crédito objeto dessa demanda.

Ora, desde que os órgãos sindicais foram desatrelados da tutela estatal (art. 8º da CR/1988), os dispositivos infraconstitucionais referentes a essas entidades, e que se revelem incompatíveis com a Lei Maior, não podem ser aplicados em sua literalidade, mas segundo a normatividade suprema instaurada.

Assim, preceitos como o do art. 606 da CLT, que estabelece a cobrança da contribuição sindical “mediante ação executiva, valendo como título de dívida a certidão expedida pelas autoridades regionais do Ministério do Trabalho”, hão de ser compreendidos dentro da sistemática constitucional vigente. Abolida que foi a interferência daquele Ministério na constituição do crédito tributário em apreço, suspendeu, ele mesmo, a expedição da respectiva certidão da dívida, título básico para a execução judicial (art. 585, VI, do CPC). Em lugar disso, a própria entidade arrecadadora passou a expedir a Guia de Recolhimento (f. 17 e 19), segundo modelo autorizado pelo Ministério do Trabalho, por meio da Portaria nº 3.233, de 29.12.83.

Não se pode desconhecer a especificidade da contribuição em comento, nem sua natureza de tributo parafiscal, ou seja:

“… aquele em que o sujeito ativo (CTN, art. 119) é outra pessoa jurídica diferente do Estado, normalmente uma entidade pública ou privada, da administração descentralizada (autarquia, por exemplo), designada por lei para arrecadar o tributo em proveito de suas próprias finalidades” (Vicente Kléber de Melo Oliveira. Direito tributário, sistema tributário nacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 135).

Vale dizer que o fato de tal contribuição se enquadrar no sistema tributário nacional não impediu que o legislador lhe desse contornos específicos quanto ao lançamento e cobrança, desde a época em que estes competiam ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), pelo art. 6º do Decreto-lei 1.166/71, verbis:

“Art. 6º As guias de lançamento da contribuição sindical, emitidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), na forma deste Decreto-lei, constituem documento hábil para a cobrança judicial da dívida, nos termos do art. 606, da Consolidação das Leis do Trabalho”.

Portanto, sempre se atribuiu força executiva às certidões ou guias de lançamento dessa contribuição, situação que veio persistindo por meio da legislação subseqüente que indicou os novos titulares da cobrança, qual seja, a Secretaria da Receita Federal (Lei 8.022, de 12.4.90), cuja competência cessou em 31.12.96 por força da Lei 8.847, de 28.01.94 (art. 24), passando à Confederação Nacional da Agricultura a partir de 01.01.97, pela Lei 9.393, de 19.12.96, art. 17, II.

Tratando-se, porém, de entidade de direito privado, não é possível à CNA valer-se do procedimento administrativo-fiscal privativo dos entes públicos, únicos titulados a lançar e executar a dívida ativa que lhes cabe, conforme o disposto na Lei 6.830/80 (arts. 1º e 2º). Daí a pertinência da lição de Araken de Assis, verbis:

“Não é todo crédito da Fazenda Pública que comporta execução pelo procedimento da Lei n.º 6.830/90. Somente a chamada dívida ativa, aquela inscrita e expressa no título executivo contemplado no art. 585, VI, cuja principal característica reside na unilateralidade da sua formação (…) Além disso, os legitimados ativos se encontram arrolados no art. 1º da Lei 6.830/80, que há de ser interpretado restritivamente” (Manual do processo de execução, 5ª ed. São Paulo: RT, 1998, p. 711).

É verdade que o § 2º do art. 606 da CLT estendia, às entidades sindicais, “com exceção do foro especial, os privilégios da Fazenda Pública, para cobrança da dívida ativa”. Mas isso quando vigia, na íntegra, o caput do mesmo art. 606, ou seja, quando o Ministério do Trabalho, órgão público, expedia certidão com validade de título de dívida, para a cobrança judicial. Como o Ministério do Trabalho deixou de inscrever os débitos da contribuição sindical e de expedir as respectivas certidões, com força de título executivo, é intuitivo que os órgãos sindicais, embora continuem titulares desses créditos e de sua cobrança, perderam a possibilidade de exercitar a via executiva para esse fim. Daí a opção pela via ordinária, sumária ou monitória, que vem sendo utilizada pela CNA, com pacífica aceitação pelos tribunais pátrios, a partir do colendo STJ, como a seguir transcrevo:

“(…) A Guia de recolhimento da Contribuição Sindical Rural, acompanhada do “Demonstrativo da Constituição do Crédito por Imóvel”, porque atende a estas exigências e exterioriza obrigação contida em lei, é prova escrita apta a ensejar a cobrança do valor total nela consubstanciado, pela via especial, do procedimento monitório. Recurso especial não conhecido” (STJ, 3ª T., REsp. 244.491/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 10.4.2001, DJ 13.8.2001, p. 146; grifos deste voto).

Por isso, não se justifica a pretensão do apelante, de que entidades sindicais, pessoas jurídicas de direito privado, percorram o iter dos entes públicos, aplicando o procedimento administrativo-fiscal exclusivo destes, para lançar e cobrar a contribuição social que a lei lhes destinou, juntamente com a delegação para arrecadá-la e fiscalizá-la. Restaria inviabilizada a cobrança desses créditos, se fosse exigido que entes privados a fizessem por meio de procedimentos de direito público, sem estarem instrumentalizados para tanto, e se lhes fossem negadas, de outro lado, as vias ordinárias judiciais, onde os devedores têm as garantias do contraditório e da ampla defesa.

Merece respaldo a decisão hostilizada, pois soube ajustar a legislação disponível à realidade dos autos. As guias de recolhimento e os demonstrativos do débito revelam-se instrumentos hábeis a descrever e justificar o valor nelas estampado, cujo cálculo se fez a partir de informações do próprio contribuinte à Receita Federal. Nota-se que o apelante não desmentiu sua condição de proprietário rural, muito embora se diga pecuarista, sendo certo, todavia, que tal condição não lhe exime da exação em tela, até porque, hodiernamente, a CNA é designada como Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.

Noutro norte, não cabe também a preliminar acerca do suposto cerceamento de defesa, porquanto a questão controvertida é tão-somente de direito, restando totalmente descabida a prova oral pretendida pelo contribuinte que, com certeza, seria de todo inócua.

Quanto ao mérito recursal, entendo que melhor sorte não assiste ao recorrente. É que, de fato, a contribuição sindical “prevista em lei”, a que se refere a parte final do inciso IV, do art. 8º da Constituição da República – a mesma que compete à União Federal instituir no “interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”, de que trata o art. 149 do texto constitucional – por ter natureza tributária, é compulsória para os que integram as respectivas categorias econômicas e profissionais, independentemente de filiação a sindicato.

Assim, tem-se que a contribuição sindical rural foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 (art. 34, § 5º ADCT), tendo natureza tributária de contribuição de interesse de categoria econômica (art. 149 da CF/88), restando inaplicável a restrição do art. 154, I, da Carta Magna, não havendo falar em bi-tributação com o Imposto Territorial Rural, por se tratarem de tributos de natureza distinta.

Ademais, ainda que parte dos valores cobrados não pertença à CNA, cumpre-lhe arrecadá-los, por inteiro, administrá-los e repassá-los, como prevê a Lei 8.847/94.

Finalmente, cabe afastar a suposta abusividade e ilegalidade dos encargos incidentes sobre a contribuição sindical exigida do apelante. Nesse particular, entendo que se reputam corretos os dados informados pelo próprio contribuinte à Receita Federal, e que servem de base para o cálculo da contribuição sindical rural, por força do convênio entre a Receita Federal e a Confederação Nacional da Agricultura - CNA, conforme previsão do art. 17, II da Lei 9.393/96.

Não bastasse, tem-se como inaplicável a Lei 8.078/90 ao caso concreto, porquanto não há, sequer, traços de ralação de consumo a justificar a incidência da norma especial invocada pelo apelante.

Quanto aos juros de mora e multa previstos no art. 600 da CLT, entendo que os mesmos devem ser cobrados a partir da citação, quando não há prova da data da publicação dos editais previstos em lei, suficientes à constituição da mora do contribuinte.

Assim, com tais razões de decidir, conheço do recurso para rejeitar as preliminares e, no mérito, negar-lhe provimento, mantendo incólume a r. sentença objurgada, à exceção dos juros de mora e da multa, cujo silêncio em relação ao termo de incidência haverá de ser compreendido como a partir da citação, assim como também deverá a correção monetária incidir a partir do ajuizamento da ação.

Custas recursais, pelo apelante, mas cuja exigibilidade por ora se suspende, nos termos da lei de regência.

A SRª JUÍZA ALBERGARIA COSTA:

Rejeito as preliminares e nego provimento ao recurso com os mesmos fundamentos do eminente Relator.

A SRª JUÍZA SELMA MARQUES:

De acordo com o Relator.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 390.450-3, da Comarca de SETE LAGOAS, sendo Apelante (s): V.B.N. e Apelado (a) (os) (as): CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA - CNA,

ACORDA, em Turma, a Terceira Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, REJEITAR AS PRELIMINARES E NEGAR PROVIMENTO.

Presidiu o julgamento a Juíza TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO e dele participaram os Juízes MAURO SOARES DE FREITAS (Relator), ALBERGARIA COSTA (1ª Vogal) e SELMA MARQUES (2ª Vogal).

Belo Horizonte, 16 de março de 2005.
JUIZ MAURO SOARES DE FREITAS
Relator.


Boletim Informativo nº 877, semana de 15 a 21 de agosto de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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