A reforma da Política Agrícola Comum
(PAC) no âmbito da União Européia
  Francesco Giubelli
Engenheiro Agrônomo
AGEA – Agencia per le Erogazioni in Agricoltura
 

1) Introdução - A Política Agrícola Comum é historicamente a principal política comunitária e visa estimular a agricultura e a pecuária por meio de subsídios e incentivos, à produção e à exportação.

Em junho de 2003, os quinze ministros da Agricultura da União Européia decidiram reformar definitivamente a PAC, haja vista dois grandes motivos:

  • A forte pressão internacional, especialmente dos Estados Unidos, mas também por parte do Grupo de Cairns (do qual o Brasil faz parte), pela retirada dos subsídios agrícolas europeus; e

  • Os fortes gastos oficiais que o sistema PAC vinha provocando junto ao orçamento da União, com tendência a aumentar na medida em que a União Européia amplia o número de países membros.

É importante salientar que a decisão de reformar a PAC não implica exatamente em redução dos subsídios aos produtores rurais europeus. Representa uma realocação destes subsídios, com o propósito de gastar melhor o dinheiro público e não necessariamente gastar menos. Ao mesmo tempo, de forma engenhosa, responder às pressões internacionais para a redução, e mesmo eliminação de subsídios embutidos nos preços dos produtos exportados.

O orçamento total da PAC deve parar de crescer por volta de 2013, após acordo estabelecido em Bruxelas (capital administrativa da União Européia) em 2002. O orçamento anual é de 45 bilhões de euros (R$ 134 bilhões) para o conjunto da PAC, sendo 9,2 bilhões de euros para a França (R$ 27,4 bilhões). Uma redução das ajudas diretas será decidida a partir de 2007, caso o teto das despesas de apoio agrícola corra o risco de ser ultrapassado.

2) A Reforma da Política Agrícola Comum (PAC) no âmbito da União Européia - O Doutor Francesco Giubelli, engenheiro agrônomo, da Agencia per le Erogazioni in Agricoltura (AGEA), elaborou um material bastante esclarecedor sobre os principais pontos da Reforma da Política Agrícola Comum, o qual transcrevemos a seguir:

“A Política Agrícola Comum (PAC) se sustenta sobre dois pilares:

Intrumentos de Sustentação do Mercado Instrumentos para o Desenvolvimento Rural
Pagamentos Diretos (área, rebalho). Investimentos empresariais
Ajuda á produção Investimentos em tranformação e comercialização do produto
Preço de intervenção(garantia) (*) Diversificação
Sistema de Cotas Medidas agro-ambientais(biodiversidade e paisagem entre outros)
Proteção de Fronteira (impostos e restituição da exportação Reflorestamento, indenização compensatória
(*) Preço abaixo do qual são concedidas compensações financeiras aos produtores. Na prática, a redução do preço de intervenção sobre os principais cereais produzidos na Europa (trigo, cevada e milho) não será aplicada. As tarifas também não serão reduzidas para o leite em pó, mas serão para a manteiga em menos 25% e as cotas leiteiras foram prolongadas até 2014.

1º Pilar: Sustentação do mercado

2º Pilar: Desenvolvimento Rural

Os recursos não estão distribuídos equilibradamente, sendo:

  • 40 bilhões de euros (R$ 119 bilhões) para sustentação do mercado e

  • 4 bilhões de euros (R$ 12 bilhões) para o desenvolvimento rural.

Os principais motivos que conduziram à reforma da PAC são:

  • Avaliar a necessidade de financiar o desenvolvimento agrícola dos novos países que ingressaram na União Européia, formando 25 países membros;

  • Manter sob controle a despesa da PAC que absorve cerca de 50% dos recursos da União Européia;

  • Tornar a PAC compatível com os acordos sobre comércio mundial;

  • Criar maior consenso junto à opinião pública sobre os gastos da União Européia direcionados para uma agricultura sustentável;

  • Adequação às exigências do mercado;

  • Maior competitividade;

  • Qualidade e segurança alimentar;

  • Estabilização da renda agrícola;

  • Atenção aos problemas ambientais no âmbito da política agrícola;

  • Conceder maior vitalidade à zona rural;

Os instrumentos da PAC obedecem à seguinte distribuição:

A reforma compreende:

  • Medidas horizontais;

  • Medidas setoriais; e

  • Modificação da sistemática de desenvolvimento rural.

Medidas Horizontais

  • Desacoplamento: as ajudas diretas passam a ser independente dos volumes de produção; isto é, os produtores não serão mais incentivados a produzir para terem acesso aos subsídios;

  • Flexibilidade dos Pagamentos;

  • Sistemática de auditoria nas propriedades rurais; e

Modulação (taxa obrigatória sobre as ajudas diretas recebidas pelas principais propriedades rurais, a fim de financiar o chamado “segundo pilar” da PAC, consagrado ao desenvolvimento rural (subsídios destinados, por exemplo, a manter a agricultura nas montanhas, compensando os custos adicionais ligados à altitude e aos terrenos íngremes). A modulação obrigatória iniciará em 2005, com uma retenção de 3%, passando para 5% no período 2008-2013. Serão obrigadas a contribuir as propriedades rurais que recebem mais de 5.000 euros (equivalente a R$ 14.890,00) de subsídios anuais.

Medidas Setoriais

  • Cereais (grão duro)

  • Leite

  • Arroz

  • Plantas protéicas

  • Forragem seca

  • Cultivo energético (crédito carbono)

  • Azeite de oliva

Modificação da Sistemática de Desenvolvimento Rural

  •  Novos incentivos para a qualidade dos alimentos (segurança alimentar), respeito às normas do meio-ambiente e o bem estar dos animais;

  • Formação de jovens agricultores

  • Agro-ambiente

O desacoplamento significa separar a situação de sustentação do volume produzido e do tipo de produção; a sustentação não é mais ligada ao cultivo ou à produção de uma espécie animal ou vegetal, mas será ligada aos prêmios médios recebidos no período de referência, triênio 2000-2002.

Os dois Modelos

MODELO HISTÓRICO(*) MODELO REGIONAL
PCálculo dos títulos sobre a base do período de referência (2000-2002) Cálculo dos títulos sobre a base territorial
AManutenção do "status quo" Efeito redistributivo
Gestão do mercado dos títulos Ausência de mercado (todos os títulos são iguais)
Riscos de distorções da concorrência Desequilíbrio nas relações entre proprietários e locatários
  • Regime clássico (proposta individual – histórico)

  • Regionalização

Regime de Pagamento Único (**)

(*) Exemplo do Modelo Histórico:

  • o produtor rural recebe pagamento direto (média trienal) equivalente ao valor de referência de 7.500 euros (R$22.335,00);

  • o produtor declarou 36 hectares de área total, dos quais 25 hectares geraram ajuda direta (área de referência);

  • o valor de referência de 7.500 euros é subdividido com base na área de 25 hectares, originando 25 títulos de ajuda, com valor de 300 euros (r$893, 00) cada;

  • o produtor recebe os pagamentos de seus 25 títulos de ajuda desde que disponha de pelo menos 25 hectares de área total;

  • este produtor poderá vender até 11 hectares sem prejuízo de seu prêmio único de 7.500 euros (r$ 22.335,00).

  • se o produtor perde mais de 11 hectares e por exemplo outros cinco hectares ao final de seu contrato de arrendamento, terá somente 20 hectares de área total. Isto quer dizer que cinco títulos de ajuda não serão pagos.

  • o produtor tem duas opções para seus títulos inutilizados:

  • Vender os títulos inutilizados para outros agricultores ou

  • Poderá arrendar ou comprar área

(**) Pagamento Único substituirá os subsídios diversos e variados recebidos até agora, calculado em função do que foi destinado para cada propriedade rural durante o triênio 2000-2002.

Modelo Regional

  • Possível redistribuição entre regiões

  • Definições regionais

  • Para o restante: igual ao modelo histórico

Regionalização do regime de  pagamento único

  • Definição dos títulos de ajuda mediante a divisão do limite regional pela área nominal;

  • Comercialização no mercado entre produtores dos títulos de ajuda sobre os hectares totais;

Implicações

  • Redistribuição dos pagamentos diretos entre os agricultores;

  • Nenhum espaço para comercialização dos títulos sem terra, dado que cada hectare declarado já possui o correspondente título de ajuda

Opções

  • Combinação da proposta regional com a proposta histórica;

  • Possibilidade de excluir parcialmente ou totalmente alguma ajuda da redistribuição regional e comercialização dos limites relativos sobre a base individual;

  • Títulos de ajuda regionais e individuais agrupados em um único título individual;

  • Como resultado, por valor unitário, os títulos de ajuda poderão diferir entre as fazendas.

Crédito Carbono

A partir de 2004 foi instituído um prêmio de 45 euros/hectare/cultivo (R$ 134,00/hectare/cultivo) destinado à produção de:

  • Bioetanol, biometanol e bio-ETBE

  • Biodiesel e bio-óleo

  • Biogás

  • Bio-dimetileno

  • Biomassa para energia térmica e elétrica

Até um máximo de 1,5 milhão de hectares para toda a União Européia;

  • O cultivo de espécies para fins energéticos é permitido set-a-side (deixar inativo), mas não concede direito ao pagamento do “crédito de carbono”; e

  • Qualquer que seja a matéria-prima cultivada é aceitável o regime de “crédito de carbono” com a exclusão do açúcar de beterraba.

A matéria-prima pode ser:

  • Entregue para “primeira transformação; e”.

  • Transformada automaticamente na propriedade para fins energéticos. No primeiro caso, é necessária a celebração de um contrato de transformação. Já no segundo caso o beneficiário deveapresentar uma declaração.

Leite

Com a reforma em médio prazo foi confirmado o sistema de cota até 2015, com redução do preço de intervenção de:

Manteiga

  • -7% em 2004

  • -7% em 2005

  • -7% em 2006

  • -4% em 2007

Leite em pó

  • -5% em 2004

  • -5% em 2005

  • -5% em 2006

Estão previstos pagamentos diretos por tonelada de cota reservada em 31 de março de cada ano para compensar a redução dos preços institucionais. Os pagamentos compensatórios de base serão pagos, para todos os países membros, de acordo com o critério a seguir:

  • 8,15 euros/t (R$ 24,27/t) para 2004

  • 16,31 euros/t (R$ 48,57/t) para 2005

  • 24,49 euros/t (R$ 72,93/t) para 2006 e 2007

Os pagamentos diretos serão:

  • No primeiro momento pagos automaticamente (a partir de 2004);

  • Sucessivamente (a partir 2007), integrados no sistema de desacoplamento; e;

  • O desacoplamento para os prêmios do setor leiteiro poderá ser antecipado para 2005 ou 2006 à escolha dos países membros da União Européia.

Os pagamentos diretos de base e suplementar serão liberados após a apresentação de uma solicitação. O prêmio é proporcional à cota disponível em 31 de março de qualquer ano e não à produção efetiva. As cotas transferidas após uma transferência temporária serão consideradas propriedade do produtor que as adquiriu em arrendamento. Os produtores que deixarem de produzir por um período de doze meses, serão excluídos do regime em igual período, com exceção de:

  • tal fato não seja devido à causa de força maior; e

  • o produtor não demonstre que a produção foi retomada “.

Conclusão

As colocações do Doutor Giubelli possibilitam inferir que a reforma da PAC foi efetuada com o propósito de minimizar os efeitos da globalização e a União Européia está dando uma satisfação à Organização Mundial do Comércio (OMC).

As tentativas da Comissão Européia, órgão executor, em colocar em prática um sistema progressivo de redução de subsídios não figuraram no acordo final.

O crescimento de 15 para 25 países membros da União Européia levado a efeito em maio de 2004 foi sem sombra de dúvida um grande acontecimento. Pela primeira vez em sua história, a União Européia aumentou em dez países membros e passa a ter 458 milhões de habitantes, isto é, cerca de 55% a mais que os Estados Unidos.

A área agrícola útil da União Européia aumentou 29%, ao passo que o PIB agrícola dos novos países da Europa Central e Oriental não representa mais de 5% dos 15 países mais antigos.

Por isso a ajuda direta prevista pela Política Agrícola Comum (PAC) não lhes concedeu a totalidade de imediato, estas serão progressivas partindo de 25% em 2004 até 100% em 2013.

A mais importante alteração proposta está em garantir os preços para os produtores e a estabilização da renda do produtor rural.

Tal ocorre porquanto a União Européia se dá conta que a agricultura fortemente subsidiada implica em perda de competitividade, haja vista que sem as “ajudas” o produtor europeu não tem condições de sobreviver e mais além, não detém competitividade. Não há como garantir competitividade aos produtos europeus em função dos elevados custos. No ano passado a Espanha perdeu 25 mil postos de trabalho na agricultura. De uma forma ou de outra, sejam denominadas ajudas diretas acopladas ou desacopladas, a verdade é que os produtores e pecuaristas europeus necessitam das mesmas para cobrir seus custos de produção, haja vista que o preço de mercado não é suficiente.

O que vai diferenciar para o produtor europeu o novo sistema? As sinalizações apontam para menor renda, perda que poderá ser atenuada com o exercício da multifuncionalidade do produtor, mediante a diversificação de sua atividade (turismo rural, artesanato, etc) ao mesmo tempo em que se torna imprescindível ao produtor europeu adquirir maior eficiência.

E para o Brasil, onde estará o novo mercado? Como fazer para “buy the market” (comprar mercado)? Na hipótese de:

  • Manutenção constante e/ou redução da oferta de alimentos; e

  • aumento da demanda

No caso de oferta constante de alimentos na União Européia, o Brasil poderá ganhar fatias de mercado, considerando as suas vantagens competitivas e a participação no mercado mundial. Por outro lado, se houver redução da oferta, o Brasil poderá “comprar mercado” atuando com maior agressividade, adotando uma postura mais firme nas negociações internacionais, ampliando a inserção do Brasil no comércio mundial e avançando na participação do mercado mundial. O Brasil tem capacidade de compensar com competitividade (produção, produtividade e mercado) os subsídios concedidos à agricultura pela União Européia, e seu avanço no mercado internacional já preocupa, e muito, a concorrência. Existe uma conscientização que o Brasil é um dos poucos países que reúne melhores condições de suprir o mercado global.


Gilda Bozza Borges
Economista - DTE / FAEP

Boletim Informativo nº 872, semana de 11 a 17 de julho de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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