Peculiaridades da dívida
rural securitizada ou não

Existe uma singular diferença entre o financiamento rural e o financiamento comum. O rural se finca fundamentalmente no Decreto-lei nº 167/67, sancionado em momento posterior à Lei nº 4.595/64 (de caráter geral), específico para as cédulas de crédito rural e outros títulos assemelhados, oriundos do mesmo substrato. Contudo, alguns anos atrás a matéria não se achava esclarecida o suficiente, porquanto foi a jurisprudência, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, quem apascentou-a. E, nesse diapasão, em tempos anteriores à Lei nº 9.138/95 (lei da securitização) alguns institutos do crédito comum eram aplicados, por erronia, no cálculo matemático evolutivo da formação do saldo devedor das cédulas rurais e afins. Na realidade somente os encargos pertinentes ao artigo 5º, do Decreto-lei nº 167/67 podem servir de base para os cálculos das dívidas rurais, estejam elas alongadas, securitizadas ou em carteira.

De início, por ser o encargo de maior prestígio, ante a sua repercussão de valor monetário, examine-se a questão dos juros remuneratórios, que deram ensejo e forma aos saldos ditos devedores, pertinentes aos pactos contratuais rurais. Estes, somente podem ser cobrados acima da limitação de 12% (doze por cento ao ano), em caso do Conselho Monetário Nacional ter fixado de forma específica para aquele financiamento a exceção no que concerne ao excesso. Na realidade, trata-se aqui da incidência do artigo 5º, do Decreto-lei nº 167/67, específico para as cédulas rurais, não se tratando da antiga e revogada disposição constitucional. Havendo a omissão do CMN, os juros remuneratórios não podem ultrapassar a limitação dos doze por cento ao ano. Trata-se, ao que se vê, de tipicidade e característica própria e pertinente ao financiamento rural, posto que aqui não se aplicam as disposições da Súmula nº 596/STF. O financiamento rural é crédito especial, explicitado como tal inclusive na Constituição de 1.988.
Daí, vingarem nessas relações contratuais os elementos basilares que lhe deram forma e substância, constituindo-se ele, em capítulo creditício à parte dos demais, inclusive em certos casos, sustentado nos princípios de ordem pública, comuns àqueles institutos jurídicos nascidos na própria Carta (art. 187).

Assim, os negócios do financiamento rural, dependem, para incidência de juros superiores aos previstos na Lei da Usura (Decreto nº 22.626/33), estes não excedíveis de doze por cento ao ano, de autorização expressa e específica do CMN, sem o que quedam-se sem amparo jurídico. Vários outros encargos financeiros comuns aos contratos de crédito em geral, não se aplicam ao financiamento rural, ante a limitação imposta pelo artigo 5º, do Decreto-lei nº 167/67.

Prevalecente na espécie, possibilitando a rediscussão do débito rural, é o acórdão a seguir, que se reproduz parcialmente, no que tange a revisão de cláusulas contratuais, este do STJ, Quarta Turma, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, REsp nº 132.565/RS: “Possível a revisão de cláusulas contratuais celebradas antes da novação por instrumento de confissão de dívida, se há uma seqüência na relação negocial e a discussão não se refere meramente ao acordo sobre prazos maiores ou menores, descontos, carências, taxas compatíveis e legítimas, limitado ao campo da discricionariedade das partes, mas à verificação da própria legalidade do repactuado, tornando necessária a retroação da análise do acordado desde a origem, para que seja apreciada a legitimidade do procedimento bancário durante o tempo anterior em que por atos sucessivos for constituída a dívida novada”.

Ao que se vê, o reexame dos encargos, sejam os remuneratórios ou moratórios, são alcançados pela revisão.

Djalma Sigwalt
é advogado, professor e consultor da Federação da Agricultura do Paraná
juridicodimm@uol.com.br

Boletim Informativo nº 872, semana de 11 a 17 de julho de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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