Revisão de saldo devedor

.A Constituição de 1988 garante ao cidadão o acesso ao Judiciário, conforme disposição do artigo 5º, inciso XXXV. Nesse passo, qualquer contrato ou dívida de caráter financeiro pode ser examinado pelo Judiciário, eis que relativizado o princípio tradicional do “pacta sunt servanda”, outrora impeditivo do exame de evolução de certas dívidas alongadas no tempo. Assim é nos contratos bancários, segundo a moderna jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme se constata dos julgados da Segunda Seção.

Nesse exato sentido o Resp nº450.968-RS, da relatoria do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: “ A jurisprudência das Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte já pacificou que a renegociação de contratos bancários não afasta a possibilidade de discussão judicial de eventuais ilegalidades”. Ademais, inocorre novação em repactuação de dívidas financeiras pois, o pacto posterior (confissão ou qualquer outro) tem o intuito de renegociar saldo devedor, prolongando-se o vencimento.

Emesmo que haja corrente doutrinária que entenda pelo surgimento da novação em tais casos, esta não pode estipular encargos não previstos no contrato ou na legislação de regência, ou ainda, disciplinar cálculo evolutivo da dívida ascendente, constituidora do futuro saldo devedor, sem amparo fático/jurídico, conforme, por exemplo a sistemática financeira exponencial. Esta gera distorção flagrante do valor de saldo do débito. É o que ocorre no método “hamburguês” e outros, às vezes, utilizados pelo credor.

Acompreensão do tema é que a renegociação financeira, seja qual for a sua forma e conteúdo, define sempre a revisão de relação jurídica primitiva, algumas vezes complexas, conforme a natureza do pacto originário. Mas, trata-se sempre de relação jurídica continuada, mediante nova indumentária, pois, às vezes, travestida de novação, confissão de dívida, instrumento de repactuação, etc. Todavia, o “nomem juris” da avença não importa para o seu deslinde.

Oque interessa na espécie é a sua revisão, através de meio próprio, pois, sendo dívida alongada apontará saldo, o qual por sua vez poderá ser examinado e visto à luz da legislação (Novo Código Civil, Código do Consumidor, e principalmente a jurisprudência nacional, capitaneada pelo STJ, cujas lindes e limites apontam em desfavor de certos encargos utilizados pelo credor ao formatar a dívida.

Ainda, vê-se a posição do STJ, na decisão contida no Resp nº 598.695/RS, DJ de 6.4.04, rel. Ministro Castro Filho, assim dispondo: “A renegociação de contratos bancários não afasta a possibilidade de discussão judicial, pois não se pode validar obrigações nulas ou extintas”. Mais adiante, constata-se: “Contudo, no que diz respeito à possibilidade de revisão dos contratos anteriores, com razão o recorrente, porquanto o acesso ao Judiciário para discutir a validade das cláusulas constantes da avença, especialmente as que possam significar cobrança de taxas excessivas ou ilegais, constitui direito dos contratantes”. Em outro julgado: “Tratando-se de renegociação de débitos financeiros é válida a apreciação judicial do negócio desde a sua origem”. (Resp nº 285.827/RS, 3ª Turma, DJ de 08.10.2001).

Arremate-se, mesmo que se admita a ocorrência de novação na repactuação, esta não tem o efeito de convalidar cláusulas nulas (art. 1007 do antigo Código Civil) e artigo 367 do Novo Código Civil).

Djalma Sigwalt
é advogado, professor e consultor da Federação da Agricultura do Paraná

Boletim Informativo nº 867, semana de 6 a 12 de junho de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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