Securitização, saldo devedor e cessão do crédito A Lei nº 9.138/95 alongou as dívidas rurais, conforme o seu artigo 5º, relativas às operações que explicita e define, conforme se constata do § 3º. Da mesma forma, o parágrafo 5º disciplina que os “ saldos devedores apurados, que se enquadram no limite de alongamento previsto no § 3º, terão seus vencimentos alongados pelo prazo mínimo de sete anos, observadas as seguintes condições: “ E, aí, vê-se, no inciso III, a fixação da “ taxa de juros de três por cento ao ano, com capitalização anual”. Seguem nos incisos e alíneas posteriores as demais normas a serem atendidas pelas partes, mutuário e mutuante, a fim de adequarem a dívida (saldo devedor) de origem rural ao alongamento e securitização, eis que, no artigo 6º fica o Tesouro Nacional autorizado a emitir títulos até o montante de sete bilhões de reais. Também, relevante na legislação sob exame, o fato de que o artigo 10 outorga ao Conselho Monetário Nacional a deliberação sobre “normas, condições e procedimentos a serem observados na formalização das operações de alongamento referidas neste Lei”. Decorre daí uma transferência de função legislativa ao Conselho, outorgando valor institucional às suas Resoluções e demais éditos. Sem embargo do enfoque da eventual vedação constitucional pertinente a certos temas e matérias, de âmbito restrito ao legislativo (Poder da República); aquelas meramente administrativas, emanadas no Conselho sustentaram-se nesse dispositivo do artigo 10. E, foram muitas. Ocorre que o “saldo devedor” é o elemento basilar para lastreio da Cédula Rural securitizável ou mesmo qualquer outro instrumento de confissão de dívida, que eventualmente tenha ensejado o alongamento, inclusive termo simples de repactuação. Na realidade não houve uniformização de procedimento no país, no que concerne à formatação contratual submetida à nova norma (Lei 9.138/95, art. 4º, parágrafo único). No pertinente a esse saldo dito “devedor”, prevaleceu a unilateralidade (art. 4º), em que a norma legal considerou simplesmente “líquido e certo o saldo devedor apresentado no extrato ou demonstrativo da conta vinculada à operação.” Ora, o preceito do artigo 4º mostra-se unilateral, não resistindo ao exame do Judiciário, conforme os termos do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Ademais, acha-se modernamente consagrado na jurisprudência iterativa do Superior Tribunal de Justiça (STJ) o direito da parte (financiado) examinar os valores e cálculos que geraram o saldo devedor formado em sua conta vinculada, porquanto tratam-se de relações negociais continuadas. O esteio legal, além do pretoriano, escuda-se no Código do Consumidor e no Novo Código Civil, que impedem a onerosidade excessiva e a submissão ao arbítrio de uma das partes, mesmo que a lei assim disponha, ante a inconstitucionalidade parcial que assoma. Examine-se o julgado a seguir: “Contratos Bancários. Contrato de adesão. Revisão. Continuidade negocial. Contratos pagos. O fato de o obrigado cumprir com a sua prestação prevista em contrato de adesão não o impede de vir a Juízo discutir a legalidade da exigência feita e que ele, diante das circunstâncias, julgou mais conveniente cumprir. Se proibida a sua iniciativa, estará sendo instituída, como condição da ação no direito contratual, a de ser inadimplente, o que serviria de incentivo ao descumprimento dos contratos. Além disso, submeteria o devedor á alternativa de pagar e perder qualquer possibilidade de revisão, ou não pagar e se submeter às dificuldades que sabidamente decorrem da inadimplência. Recurso conhecido e provido.” (Resp nº 293.778-RS, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU 20/08/2001, p. 474). Ainda outro: “A renovação dos contratos bancários com elaboração de confissão de dívida, com ou sem renegociações, não significa a perda do direito de ir e vir a juízo discutir eventual ilegalidade do que foi contratado.” (Resp. 231.032-RS). Ajurisprudência do STJ até hoje admite plenamente a revisão desde a origem do débito contido em “saldo devedor”. Nesse caso, o direito constitucional de invocar a prestação jurisdicional envolve o credor originário da dívida ou eventual cessionário, pois a simples transferência do crédito não tem o condão de consolidá-lo no que concerne ao saldo transferido.
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Djalma Sigwalt é advogado, professor e consultor da Federação da Agricultura do Paraná |
Boletim Informativo nº 866, semana de 30 de maio a 5 de junho de 2005 | VOLTAR |