PODER JUDICIÁRIO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL Nº 647.770 - RS
(2004/0042432-6)
RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA - CNA
ADVOGADO : LUIZ CARLOS RUBIN E OUTROS
RECORRIDO : A.D.F.
ADVOGADO : PEDRO ANSELMO SANTINI
EMENTA
AÇÃO MONITÓRIA. PROVA ESCRITA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL.
PROPOSITURA REGULAR.
1. É assente no STJ que a guia da contribuição sindical rural é
documento hábil para a instrução de ação monitória.
2. Isto porque o documento escrito a que se refere o legislador não
precisa ser obrigatoriamente emanado do devedor, sendo suficiente, para
a admissibilidade da ação monitória, a prova escrita que revele
razoavelmente a existência da obrigação.
3. Consequentemente, “A emissão do boleto bancário concernente à
contribuição em apreço, emitido pela CNA, apesar de não possuir a
anuência da parte devedora, constitui prova escrita suficiente para
ensejar a propositura do procedimento monitório, tendo em vista que,
gozando de valor probante, torna possível deduzir do título o
conhecimento da dívida e a condição do devedor como contribuinte, por
ostentar a qualificação cartular de proprietário rural.” (RESP
423.131/SP, Rel. Min.José Delgado, DJ de 02/12/2002).
4. A ação monitória, a teor do art. 1.102, “a”, do CPC, tem base em
prova escrita sem eficácia de titulo executivo. A prova escrita consiste
em documento, que embora não prove diretamente o fato constitutivo do
direito, possibilite ao juiz presumir a existência desse direito
alegado.
5. O procedimento injuntivo tem por objetivo obviar a formação do título
executivo por meio da simplificação do processo de conhecimento e da
concessão de executoriedade ao título executivo, ou seja, dar-lhe a
certeza, a liqüidez e a exigibilidade de que é destituído.
6. Multifários precedentes da Corte: REsp 309.741/SP, Relatora Min.
Eliana Calmon, DJU 12/04/2004; REsp 423.131/SP, Relator Min. José
Delgado, DJU 02/12/2002.
7. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e José
Delgado votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o
Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 03 de fevereiro de 2005
MINISTRO LUIZ FUX
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA
AGRICULTURA interpôs recurso especial, amparado no art. 105, III, “a”,
da Constituição Federal, visando reformar acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa merece
transcrição:
“AÇÃO MONITÓRIA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL. GUIA DE RECOLHIMENTO
DE CONTRIBUIÇÃO. NOTIFICAÇÃO. ART. 605 DA CLT. OBSERVÂNCIA. PROVA. VIA
PROCESSUAL INADEQUADA.
Resta impossibilitada a utilização do procedimento monitório quando as
guias emitidas pela Confederação Nacional da Agricultura vêm
desacompanhadas da prova de notificação do devedor para o pagamento da
contribuição sindical rural, quer mediante a remessa das guias, quer da
publicação dos editais exigidos pela CLT.
Precedentes do STJ e desse Egrégio Tribunal de Justiça.
APELO PROVIDO.”
Depreende-se dos autos que a Recorrente propôs Ação Monitória, em face
de A.D.F., pretendendo compeli-lo ao pagamento da contribuição sindical
rural patronal referente ao ano de 1.997, exigida com base no art. 24,
da Lei nº 8.847/94, emitida em nome da proprietário. A ação monitória
foi julgada procedente pelo Juízo de 1º grau, sobrevindo recurso de
apelação, que restou provido, nos termos da ementa supra transcrita.
Em sede de recurso especial, interposto com fundamento nas alíneas “a” e
“c”, do permissivo constitucional, sustenta a CNA violação dos arts.
149, da CF/88; 578 e 610 da CLT e art. 24,I, da Lei 8.847/94, bem como
divergência jurisprudencial com arestos do Eg. TJPR.
Não foram apresentadas contra-razões (certidão de fl. 206).
Resultando o juízo de admissibilidade positivo (fls. 214/216),
ascenderam os autos do recurso especial interposto.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Preliminarmente, conheço do
recurso pelas alíneas “a” e “c”, uma vez que prequestionada a matéria
federal suscitada, bem como a divergência restou devidamente demonstrada
nos moldes exigidos pelo art. 255 do RISTJ.
A controvérsia consiste em verificar se a guia da contribuição sindical
rural é documento hábil para a instrução de ação monitória.
Deveras, a ação monitória, a teor do art. 1.102, “a”, do CPC, tem base
em prova escrita sem eficácia de titulo executivo. A prova escrita
consiste em documento, que embora não prove diretamente o fato
constitutivo do direito, possibilite ao juiz presumir a existência desse
direito alegado.
É cediço que o procedimento injuntivo tem por objetivo obviar a formação
do título executivo por meio da simplificação do processo de
conhecimento e da concessão de executoriedade ao título executivo, ou
seja, dar-lhe a certeza, a liqüidez e a exigibilidade de que é
destituído.
Nesse mesmo sentido:
“AÇÃO MONITÓRIA. PROVA ESCRITA. ADQUIRENTE DE IMÓVEL QUE SE OBRIGA
A PAGAR AS DESPESAS DE CONSERVAÇÃO DO EMPREENDIMENTO. EXORDIAL INSTRUÍDA
COM A PROMESSA DE VENDA E COMPRA, A ESCRITURA PADRÃO DECLARATÓRIA E A
PLANILHA DE CUSTOS. VIA IDÔNEA.
- Para a propositura da ação monitória, não é preciso que o autor
disponha de prova literal do quantum. A “prova escrita” é todo e
qualquer documento que autorize o Juiz a entender que há direito à
cobrança de determinada dívida.
- Em relação à discussão sobre valores, à forma de cálculo e à própria
legitimidade do débito, assegura a lei ao devedor a via dos embargos
(art. 1.102c do Código de Processo Civil).
- Precedentes do STJ. Recurso especial conhecido e provido.”
(RESP 331662/SP, Min. Rel. BARROS MONTEIRO, DJ: 11/03/2002) (grifo
nosso)
Assim, a emissão do boleto referente à contribuição sindical rural, do
ano de 1997, emitido pela Confederação Nacional de Agricultura - CNA,
apesar de não possuir a anuência da devedora, constitui prova escrita
suficiente para ensejar a propositura de ação monitória, já que, gozando
de valor probante, torna possível deduzir do título o conhecimento da
dívida e a condição do devedor como contribuinte, haja vista que esta
ostenta a qualificação cartular de proprietária rural.
Sob esse enfoque concluiu a Ministra Nancy Andrighi, no RESP 244491/SP,
DJ: 13/08/2001:
“Se o documento que aparelha a ação monitória, não emana do devedor, mas
goza de valor probante, revelando o convencimento plausível da
obrigação, é título hábil a viabilizar o processamento da ação
monitória.”
Especificamente no que concerne à contribuição sindical rural o E. S.T.J
no RESP 423.131/SP, de relatoria do e. Ministro José Delgado, publicado
do DJ de 02/12/2002, assim concluiu:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL.
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA - CNA. PROVA ESCRITA. BOLETO
BANCÁRIO. DOCUMENTO HÁBIL À PROPOSITURA DA AÇÃO. PRECEDENTES.
1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que, reconhecendo a
desnecessidade de filiação a sindicato e fazendo distinção entre
contribuição sindical e confederativa, acolheu a guia de recolhimento
expedida como documento hábil à caracterização de prova escrita, com
base no art. 1.102 “a”, do CPC.
2. O art. 1.102 “a”, do CPC, dispõe que “A ação monitória compete a quem
pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo,
pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de
determinado bem móvel”.
3. A ação monitória tem base em prova escrita sem eficácia de título
executivo. Tal prova consiste em documento que, mesmo não provando
diretamente o fato constitutivo do direito, possibilite ao juiz presumir
a existência do direito alegado. Em regra, a incidência da aludida norma
legal há de se limitar aos casos em que a prova escrita da dívida
comprove, de forma indiscutível, a existência da obrigação de entregar
ou pagar, que é estabelecida pela vontade do devedor. A obrigação deve
ser extraída de documento escrito, esteja expressamente nele a
manifestação da vontade, ou deduzida dele por um juízo da experiência.
4. A lei, ao não distinguir e exigir apenas a prova escrita, autoriza a
utilização de qualquer documento, passível de impulsionar a ação
monitória, cuja validade, no entanto, estaria presa à eficácia do mesmo.
A documentação que deve acompanhar a petição inicial não precisa
refletir apenas a posição do devedor, que emane verdadeira confissão da
dívida ou da relação obrigacional. Tal documento, quando oriundo do
credor, é também válido - ao ajuizamento da monitória – como qualquer
outro, desde que sustentado por obrigação entre as partes e guarde os
requisitos indispensáveis.
5. In casu, a cobrança de contribuição sindical rural encontra-se
prevista em lei e a ela todos estão vinculados ao se encontrarem na
hipótese descrita na norma, sendo devida em prol da entidade sindical
correspondente à categoria. Para tanto, a entidade lança a cobrança da
dívida a partir de dados que permitam o enquadramento do devedor na
condição de integrante da categoria sobre a qual incide a contribuição
obrigatória, emitindo documento de dívida, o qual é a guia de
recolhimento acompanhada de demonstrativo da constituição de crédito.
Tem-se, pois, a prova escrita da existência da dívida (contribuição
sindical rural), perfazendo, assim, o documento hábil para a instrução
da ação monitória.
6. A emissão do boleto bancário concernente à contribuição em apreço,
emitido pela CNA, apesar de não possuir a anuência da parte devedora,
constitui prova escrita suficiente para ensejar a propositura do
procedimento monitório, tendo em vista que, gozando de valor probante,
torna possível deduzir do título o conhecimento da dívida e a condição
do devedor como contribuinte, por ostentar a qualificação cartular de
proprietário rural.
7. Mesmo não havendo a assinatura do devedor, a contribuição sindical
rural é título apto à propositura da ação monitória.
8. As guias de recolhimento da contribuição sindical e a notificação do
devedor que instruem a petição inicial da ação monitória estão aptas à
demonstração da presença da relação jurídica entre credor e devedor,
denotando, portanto, a existência de débito, ajustando-se ao conceito de
“prova escrita sem eficácia de título executivo”.
9. Precedentes das egrégias 1ª, 3ª e 4ª Turmas desta Corte Superior.
10. Recurso não provido.”
Saliente-se que, com o advento da ação monitória, os títulos carentes de
seus requisitos formais executivos passaram a ser passíveis de embasar
esse novel procedimento monitório (art. 1.102, a, do CPC) como, v.g., a
duplicata sem aceite, a nota promissória em branco sem data da emissão e
não preenchida até o ajuizamento.
Nesse sentido, colacionam-se os seguintes acórdãos:
“PROCESSO CIVIL - AÇÃO MONITÓRIA - TÍTULO IMPUGNADO.
1. Se o título foi emitido por força de obrigação ex vilege, não há
necessidade de levar a assinatura do devedor para valer como título
executivo.
2. Doutrina e jurisprudência, inclusive do STJ, têm entendido que é
título hábil para cobrança, documento escrito que prove, de forma
razoável, a obrigação.
3. Cobrança de contribuição sindical da categoria patronal rural, por
ocasião do pagamento do ITR - legalidade.
4. Recurso especial improvido” (REsp 309.741/SP, Relatora Min. Eliana
Calmon, DJU 12/04/2004).
“AÇÃO MONITÓRIA - PROVA ESCRITA - DUPLICATAS PROTESTADAS, SEM
ACEITE E SEM O RECIBO DE ENTREGA DAS MERCADORIAS - DOCUMENTOS HÁBEIS À
INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO MONITÓRIO - PRECEDENTES DO STJ.
I - O documento escrito a que se refere o legislador não precisa ser
obrigatoriamente emanado do devedor, sendo suficiente, para a
admissibilidade da ação monitória, a prova escrita que revele
razoavelmente a existência da obrigação.
II - Assentando o Tribunal de origem estar a duplicata despida de força
executiva por ausência de aceite, é ela documento hábil à instrução do
procedimento monitório.
III - Recurso não conhecido.”
(RESP 204894/MG, Min. Rel. WALDEMAR ZVEITER, DJ: 02/04/2001) (grifos
nossos) Ex positis, DOU PROVIMENTO ao presente recurso especial.
É como voto. |