Análise |
Perigos das carnes e outros perigos
Washington Novaes |
Em certos momentos, o Brasil parece um país que só dá atenção a certas notícias e se mantém cego e surdo a outras. Em geral, o preço é alto. Este momento é típico em certas áreas, entre elas a produção e exportação de carnes. A Organização Mundial de Saúde continua a emitir seguidos alertas para a possibilidade de uma pandemia de gripe do frango, pois já houve dezenas de mortes de seres humanos na Ásia, não se descobriu uma vacina, teme-se que o vírus da gripe possa sofrer uma mutação e passar de um ser humano para outro. Nesse caso, o risco seria brutal para todo o mundo, já que hoje mais de 500 milhões de pessoas atravessam as fronteiras de seus países a cada ano. Não bastasse isso, ainda não cessaram os temores quanto à propagação da doença da vaca louca, que já chegou aos Estados Unidos e ao Canadá. E acabamos de enfrentar sério problema nas exportações, em razão de um único caso de aftosa no Estado do Amazonas. Pois neste exato momento - em que o país comemora recordes na exportação de carnes - se fica sabendo que o orçamento da área sanitária do Ministério da Agricultura, que tem de cuidar desse problema de sanidade dos rebanhos em todo o País, foi reduzido de R$ 135 milhões para R$ 37 milhões. Com que visão se fez isso? Que se espera? Não bastasse, frigoríficos e produtores de carne bovina estão empenhados numa queda-de-braço em que os pecuaristas acusam os compradores de cartelizar o mercado e impor preços com os quais se apropriam de todos os ganhos mais recentes nas exportações, deixando aos pecuaristas os ônus do aumento de preços dos insumos (importados e nacionais) e dos custos de implantação de sistemas de rastreabilidade exigidos pelos importadores. Muitos já abandonaram o sistema, com altos riscos para a exportação. Não é só. Em janeiro de 2006 a União Européia oficializará o banimento do uso de antibióticos como promotores de crescimento animal. E, se esse banimento entrasse em vigor hoje - escreveu Guilherme Minozzo, diretor da Alltech do Brasil (O Popular, 2/4) -, "menos da metade das empresas que atuam neste mercado estariam realmente preparadas para atender às exigências". E, acrescenta, "substituir ou não antibióticos promotores de crescimento pode ser a diferença entre exportar ou não os produtos de origem animal". Pesquisa publicada em julho/agosto de 2003 pela revista Ciência Rural mostrou que 58% dos suplementos bovinos apresentavam teores de chumbo acima dos padrões admitidos internacionalmente. Algumas das amostras estavam 15 vezes acima do limite. E essa adição pode afetar a reprodução dos animais e atingir o consumidor humano. Mais recentemente, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) informou haver o Ministério da Agricultura encontrado, em amostras do Paraná e em Santa Catarina, contaminação em adubos à base de esterco de frango por pentaclorofenol (pó da China), cancerígeno. O Idec pediu a proibição total no País do uso do pentaclorofenol, já banido em muitos países. Não faz sentido continuarmos a nos fazermos de cegos ou surdos. O mundo todo cuida cada vez mais da segurança alimentar e impõe a cada dia novas medidas para se defender - ora porque as autoridades sanitárias o exigem, ora porque o consumidor pede. Agora mesmo, até a maior cadeia de fast food do mundo acaba de banir de seu cardápio na Grã-Bretanha batatas transgênicas, por exigência de seus freqüentadores. Nesse mesmo país, o leite orgânico vai tomando conta do mercado. A China anunciou que fará acompanhamento rigoroso de todas as importações de alimentos europeus, por haverem sido descobertos casos de contaminação pelo corante Sudan 1, acusado de provocar câncer. Aqui, foi pedido registro de um agroveneno para combater a ferrugem da soja, apontado nos controles da Comunidade Européia como portador de riscos para fetos e de efeitos cancerígenos. Deveríamos mudar nossas visões e procedimentos. Até já estamos avançando um pouco: as notícias mais recentes dizem que já temos a segunda maior área de produção de alimentos orgânicos no mundo (6,5 milhões de hectares), menor apenas que a da Austrália. Na recente feira internacional de produtos orgânicos, a Biofach, realizada na Alemanha, os 87 expositores brasileiros venderam 31,4 milhões de euros, o dobro do ano anterior. O crescimento brasileiro no setor é o dobro da média mundial. Ao todo, calcula-se que tenha movimentado R$ 115 milhões em 2004. Não surpreende, com tantos estudos apontando vantagens. Surpreende é ver certo descaso diante de fatores problemáticos que estão diante dos olhos. Ainda mais quando os setores que responderam pelo aumento recente das exportações de alimentos podem haver chegado a limites, como advertiu o artigo As exportações não se sustentam, de Alberto Tamer, publicado na edição do último dia 31 deste jornal. Os avanços, diz ele, se deveram a "ganhos de qualidade e preços baixos em decorrência de anos de investimento". Que podem não se repetir, em função da eterna gangorra dos preços externos (sempre desfavorável, em termos de séries históricas), do câmbio e da alta dos insumos, internamente. Talvez esse contexto ajude a explicar a insistência em avançar a fronteira agropecuária nas últimas reservas da biodiversidade no cerrado e nas frágeis terras amazônicas. É a forma de usar o solo como "capital natural" barato. Ainda que se exaura em curto tempo, já terá assegurado rentabilidade. Como diz em anúncio na televisão um produtor de feijão que se arvora no maior do Brasil, "nós temos todos os equipamentos e insumos; terra, não, que não é fundamental: arrendamos". Washington Novaes
éjornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br |
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Boletim Informativo nº 860,
semana de 18 a 24 de abril de 2005 |
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