ENCARTE ESPECIAL

CPI quer mudança nas regras
da reforma agrária no Paraná

Após praticamente um ano do início das atividades, a Comissão Parlamentar de Inquérito da Reforma Agrária da Assembléia Legislativa finaliza os trabalhos recomendando uma profunda alteração nas políticas de assentamento fundiário do Paraná. O relatório final inicia as conclusões solicitando providências ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no sentido de "redefinir o objetivo prioritário da reforma agrária como o de promover a emancipação dos projetos de assentamento já instalados".

O relatório está dividido em cinco capítulos

de recomendações, endereçadas ao INCRA, ao Governo Federal, ao Governo do Estado, ao Ministério Público e à própria Assembléia Legislativa. Se as políticas e a sistemática de tratamento ao problema fundiário permanecerem inalteradas, os deputados advertem para o agravamento da questão e o surgimento de um processo de pressão que, se não bem administrado, pode levar ao loteamento rural "por conta de um método semelhante a rosca sem fim".

Ao Governo do Estado que vem pecando pela conivência e atitudes contemplativas, recomenda-se que se imponha a política de "tolerância zero" em relação aos conflitos agrários, em vista do comportamento altamente lesivo a agropecuária que os sem-terra adotaram no Estado.

A proposta ressalta a necessidade de procurar integrar ao agronegócio, os assentamentos, principalmente os que funcionam em regime de associativismo e cooperativismo e realizar um censo sócio-econômico para conhecer o universo dos assentados. Também é sugerido acelerar a emancipação das áreas regularizadas mediante a cobrança de um valor simbólico pela titulação definitiva, reaparelhar e contratar mais funcionários para o Incra e fazer um novo levantamento das terras não tituladas e ocupadas irregularmente para fins de desapropriação.

Para o Governo Federal, a CPI recomenda um conjunto de ações em comum acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).


CPI da Reforma A
grária no Paraná

Conclusões e Recomendações

Atendendo requerimento do deputado Plauto Miró Guimarães, em 03 de março de 2004 o presidente da Assembléia Legislativa, deputado Hermas Brandão, constituiu a Comissão Parlamentar de Inquérito da Reforma Agrária.

A CPI definiu que a abordagem prioritária seria limitada ao conhecimento do andamento da reforma agrária no Paraná, tendo em vista "a complexidade do tema e o tempo disponível para a execução da Comissão, de 120 dias". A partir de seis de abril de 2004, em sessão semanal, a CPI passou a ouvir os depoimentos dos seguintes convocados:

Em complemento aos depoimentos, os deputados foram conhecer, por amostragem, as realidades de alguns assentamentos, áreas invadidas e acampamentos de sem- terra, promovendo entrevistas com assentados, líderes do MST e políticos locais, nos municípios de Rio Bonito do Iguaçu, Cantagalo, Mirador, Amaporã, Santa Cruz do Monte Castelo e Querência do Norte.

Em 01 de março de 2005, por unanimidade, a CPI aprovou o relatório final que, também por unanimidade, foi aprovado pelo plenário da Assembléia Legislativa nos dias 14 e 15 de março.

Do extenso e circunstanciado relatório da CPI, a título de sua síntese, são expostas, a seguir, as conclusões a que chegaram os deputados sobre a reforma agrária no Paraná, conclusões essas que orientaram as recomendações dirigidas aos diversos setores do Poder Público.

DATA

DEPOENTE

ENTIDADE/EMPRESA

CARGO/FUNÇÃO

06/04

José Guilherme L. Cavagnari
Lindsley S. Rasca Rodrigues

Consultoria Agrária
IAP

Consultor
Diretor-Presidente

14/04

Eraldo C. do Nascimento
Vanderley H. de Lucca

Faz. Santa Amélia
Faz. Água da Prata

Ex-Gerente
Arrendatário

20/04

Marcos H. Marangoni

Faz. Porangaba II

Representante

28/04

Nelson Luiz L. de Lacerda
Antônio (...)

Faz. Três Marias
-

Procurador
Assentado

05/05

Darci Frigo

ONG Terra de Direitos

Coord. Executivo

12/05

Alexandre Y. Maehara

Faz. Santa Terezinha

Proprietário

05/06

Roberto Baggio
Pedro Alves Cabral

MST
Coana

Coord. Estadual
Diretor

09/06

Delfino José Becker
Marli Brambilla

Coana
Coana

Diretor
Diretora

16/06

Marcos M. Prochet

UDR-PR

Presidente

11/08

Albari S. Lejambre

SEMA

Assuntos Fundiários

26/10

Paulo C. do Bomfim
Pedro Paulo Pamplona

Agrop. Marcosanto
Faz. S. Rafael

Proprietário
Proprietário

11/11

Celso L. de Lacerda

Incra

Sup. Regional

17/11

Padre Roque Zimmermann

Governo do Estado

Sec. Estado

18/11

Tarcísio B. de Souza

Faep

Representante


São CONCLUSÕES da CPI da Reforma Agrária:

1. Pelos debates, questionamentos e manifestações dos deputados, é unânime o apoio para a execução da reforma agrária no Paraná como instrumento de justiça e desenvolvimento social e para a necessidade de que se faça no estrito limite do respeito à lei.

2. Pela forma como o MST conduziu, e conduz as suas demandas, a reforma agrária tem sido uma busca de resultados estatísticos; as metas perseguidas sempre foram o número crescente de famílias assentadas, sem apresentar nenhuma perspectiva a partir daí.

3. Foi afirmação unânime de todos aqueles que prestaram depoimento à CPI, inclusive do próprio superintendente regional do Incra, que o Instituto vem sofrendo, progressivamente, um desmonte no quadro de pessoal, o que o torna incompetente, quantitativa e qualitativamente, para conduzir a reforma agrária no Paraná, desconhecendo de fato os assentamentos e perdendo paulatinamente a necessária liderança sobre o processo.

4. Os assentamentos formam um "mundo" à parte, e são verdadeiras "caixas pretas" sendo desconhecidas e confusas as relações, formais e informais, de assentados, líderes, INCRA e sociedade.

5. Nos assentamentos, principalmente em regiões de alta concentração deles, como é o caso da região noroeste, os líderes mantêm um poder para o bem e para o mal; decidem quem pode ser parceleiro, quando e onde; influenciam a formação de acampamentos e comandam invasões de terras.

6. Nos assentamentos, por conta da ausência do INCRA, são constantes os desmandos na compra, venda e arrendamento de parcelas.

7. O montante dos recursos estimados, já empregados na reforma agrária, exige que se redimensione e se redirecione o que já existe; a premissa é a de que é hora dos assentamentos terem, por objetivo, dar um retorno à sociedade, mediante a concessão de suas sucessivas emancipações.

8. O Governo do Estado, em suas diversas gestões, com relação às invasões oscilou seu comportamento entre a passividade contemplativa, passando pela conivência e o rigor no cumprimento das reintegrações de posse.

9. A partir de determinado momento, o governo do estado reservou para si somente o papel de polícia na reforma agrária. Seu papel de co- executor de ações desenvolvidas no estado foi nulo, o seu papel político de mediador de conflitos foi parcial.

10. Fechou os olhos (o Governo do Estado) para uma série de desmandos e ilegalidades. O desrespeito à lei, e a conseqüente impunidade dos infratores, está presente de forma pronunciada na reforma agrária no estado, tais como: o desmatamento de mais de 10 mil hectares de matas de araucária na Araupel; o caso dos sucessivos roubos e intimidações, e a inoperância proposital da polícia, em Antonina; os inquéritos policiais que não progridem ou são sumariamente arquivados; a timidez policial em fazer cumprir mandados judiciais de busca e apreensão. Enfim, é como houvesse no âmbito do Executivo Estadual um entendimento tácito de que "quem tem carteirinha de sem-terra é inimputável".

11. É entendimento comum, também, que os índices de produtividade das explorações agrícolas estão defasados e constituem obstáculo para a execução da reforma agrária. É também obstáculo não ser exigido, da propriedade rural, o integral cumprimento de sua função social, sob pena de estar sujeita ao processo desapropriatório.

12. Os produtores rurais demonstram insegurança em ter qualquer participação de apoio à reforma agrária. Eles poderiam ser mais ativos ofertando terras, para venda, ao INCRA ou participando de um amplo programa de arrendamento rural.

13. O que eles demonstram é que tal participação seria possível, desde que o governo federal, mediante instrumentos legais, lhes assegurassem garantias de domínio e posse de suas propriedades. A preocupação deriva do passado recente, quando certos proprietários, ao iniciar a negociação com o INCRA, e por conta disto, tiveram suas fazendas invadidas. Ou no caso em que sofreram invasões porque parte das terras estavam arrendadas.

14. As organizações dos produtores rurais desconhecem como seu "representado" o assentado, que fica à margem desta representação política aumentando sua dificuldade de inserção no segmento produtivo.

15. O Governo do Estado desmontou seu órgão de terras e deixou de integrar contingentes de posseiros ao processo de benefícios governamentais, como o crédito rural, por conta de não conferir-lhes o domínio da terra em que trabalham. No Estado ainda há, segundo seus próprios representantes, terras a regularizar a posse, grilos a serem arrecadados e documentos de origem duvidosa a serem anulados.

16. Conforme depoimento do superintendente do INCRA, mediante vistorias realizadas esgotou-se o estoque de terras disponíveis para desapropriação; a compra, pelo mercado de terras aquecido, tem sido dificultada, limitando enormemente a implantação de novos assentamentos, devendo os poderes políticos trabalhar com cautela o estímulo a novas demandas.

17. Vinte anos se passaram de execução da reforma agrária. Uma nova geração, filhos de assentados, começa a se intitular sem- terra e passa a demandar áreas. Vamos começar a viver, ou estamos vivendo, um processo de pressão que, se não bem administrado, nos levará ao loteamento rural, por conta de um método semelhante ao da "rosca sem fim".


São RECOMENDAÇÕES da CPI

1. Recomendações ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA

1.1 Redefinir o objetivo prioritário da reforma agrária como o de promover a emancipação dos projetos de assentamento já instalados. Explicitar tal prioridade de forma clara, levando todas as partes envolvidas na reforma agrária a entendê-la como as novas regras do jogo.

1.2 A atuação junto aos assentamentos tem que se dar de forma planejada, consignando assentamentos prioritários, metas, tempo e ações, valorizando as que promovam e se utilizem do associativismo em seus formatos mais adequados às peculiaridades de cada assentamento, em especial do cooperativismo e em particular das cooperativas já existentes no Paraná, buscando a integração ao agronegócio.

1.3 Estabelecer ação organizada de um censo junto ao universo dos assentamentos no Paraná, buscando conhecer de forma plena sua realidade.

1.4 A fim de dar maior celeridade ao processo de emancipação dos assentamentos, cobrar dos parceleiros na outorga do título definitivo de domínio, um preço simbólico fixado pelo Conselho Diretor do INCRA, nos termos do artigo 4º, da Medida Provisória nº 2.183/56, de 24 de agosto de 2001, que altera o artigo 18, da Lei nº 8.629/93.

1.5 Em termos institucionais, promover o reaparelhamento do INCRA, notadamente nos aspectos qualitativos de sua estrutura de pessoal, treinando técnicos e habilitando-os para gerenciar e promover as ações de emancipação dos assentamentos.

1.6 Realização de um levantamento das terras não tituladas e ocupadas irregularmente, para fins de desapropriação.


2 Recomendações ao Executivo Federal

2.1 Em convênio com a Embrapa, promover estudos e encaminhar, ao Conselho Nacional de Política Agrícola, proposta de atualização dos índices de rendimento dos produtos agrícolas, índices de lotação da pecuária, redefinição dos critérios de cálculo da unidade animal e redistribuição das zonas de pecuária.

2.2 Criar mecanismos legais e salvaguardas que permitam ao produtor rural o engajamento no programa de reforma agrária, pela fixação, em conjunto com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), de plano de arrendamento de terras rurais a pequenos arrendatários.

2.3 Definir a participação do município como responsável pelo processo de identificação e seleção de beneficiários para a reforma agrária, bem como pelo processo de acompanhamento dos assentamentos, cabendo à União suprir as necessidades físico-financeiras que tais atividades importem.

2.4 Que os Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário e o INCRA gestionem junto ao Conselho Nacional de Política Agrícola a revisão e a atualização dos índices de produtividade da terra para efeitos de desapropriação de áreas improdutivas.


3 Recomendações ao Executivo Estadual

3.1 Tendo em vista que a reforma agrária deve, no Paraná, ter como prioridade a emancipação dos assentamentos; considerando que, por constatação do próprio INCRA, não há praticamente mais terras a desapropriar, portanto o assentamento de novas famílias se dará de forma pontual, recomendamos:

Que o governo do estado imponha a política de "tolerância zero" nos conflitos agrários, promovendo o total desarmamento das partes envolvidas nos mesmos.

3.2 Tendo em vista a necessidade de o Governo do Estado se integrar ao INCRA, dando apoio e qualidade técnica nos processos de emancipação dos assentamentos.

Tendo em vista a necessidade de no âmbito sócio- econômico o Governo do Estado voltar a promover ações sistemáticas de regularização fundiária, no deslinde das terras devolutas e legitimação das posses.

Recomendamos a criação de um órgão fundiário estadual, com vistas a atender as necessidades consideradas, sob o formato institucional que melhor entender o Executivo.

3.3 Que sejam realizadas diligências com o fim de resolver a situação dos posseiros no Município de Pinhão, dos remanescentes de quilombos da Fazenda Invernada Paiol de Telhas e dos índios e colonos no Município de Laranjeiras do Sul.


4 Recomendação à Assembléia Legislativa

Criar uma Comissão Permanente, com vistas a inserir a Assembléia Legislativa no processo de reforma agrária, possibilitando o acompanhamento, junto aos órgãos executores, dos trabalhos de emancipação dos assentamentos e das ações de regularização fundiária.


5 Recomendações ao Ministério Público

Promover diligências e averiguações e, se for o caso, instaurar processos de apuração de responsabilidades para os seguintes principais casos, levantados como denúncias nesta CPI:

5.1 No território estadual, as questões relacionadas com roubo de gado, invasões orquestradas e intimidação de parceleiros.

5.2 Buscar celeridade e exemplaridade nos inquéritos instaurados sobre as mortes ocorridas nos conflitos agrários e demais crimes denunciados junto ao Ministério Público.

5.3 Nos assentamentos Ireno Alves e Marcos Freire, em Rio Bonito do Iguaçu, averiguar e apurar responsabilidades sobre o desmatamento de mais de 10 mil hectares de matas de araucária com comercialização de madeira.

5.4 Promover em conjunto com a Controladoria Geral da União, a exemplo da efetivada na COAGRI, auditoria nas organizações dos assentamentos, particularmente na COANA, esclarecendo os investimentos públicos lá realizados, fidelidade no atendimento ao objeto de tais recursos, resultados de sua aplicação, efetividade da ação da cooperativa junto aos cooperados e ao seu Estatuto Social.

5.5 No município de Antonina, as denúncias que envolvem as ações de roubo nas propriedades rurais, cerceamento do livre ir e vir e intimidação; também as questões de "ordens superiores", impedindo o cumprimento da lei por parte das polícias militar e civil.


Boletim Informativo nº 859, semana de 11 a 17 de abril de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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