Negociações de royalties na Argentina

Os produtores paranaenses tiveram a oportunidade de ouvir na Argentina praticamente todos os representantes dos setores que participam do debate sobre os royalties (regalías). Este artigo reúne os principais aspectos e posições de cada organização para compreensão da atual situação argentina

As tentativas de negociação do Governo da Argentina


 
O Governo já apresentou algumas propostas, a primeira delas criava uma Lei de regalías globais, que por sua vez instituía um Fundo de Compensação Tecnológica. Este fundo seria administrado pela Secretaria de Agricultura (SAGPyA) e consistiria numa alíquota paga pelos agricultores no momento de venda aos exportadores de soja (entre 0,35 a 0,95% do preço de venda) que se destinaria às empresas de sementes.

Este sistema foi criticado por todos os setores, em maior ou menor grau. Em 2004, o titular da pasta da Secretaria da Agricultura, Miguel Campos, apresentou uma nova proposta: um sistema de cobrança de "regalías extendidas". Os principais pontos deste projeto, que está atualmente em debate, são:



Bernardo Laurel e Javier Patiño da Confederação Rural Argentina (CRA) receberam a Comissão da FAEP


* O sistema proposto permite aos criadores de variedades cobrar, além do preço de venda da bolsa, um "valor" cada vez que o produtor voltar a semear o produto desta semente. Este valor não poderá superar à 70% do valor da regalía que se paga na bolsa para a primeira multiplicação;

* Classifica o direito ao uso próprio da semente em uso próprio gratuito e uso próprio oneroso. Se fixa em 65 hectares a superfície máxima para que os agricultores possam realizar uso próprio gratuito. A condição é ser agricultor e que a semente seja de origem adquirida legalmente;

* Os agricultores que na safra 2005/06 comprarem semente legal fiscalizada ou compraram semente legal até no máximo de três safras anteriores a 2005/06, não estão obrigados a comprar semente legal fiscalizada até a campanha 2009/10 inclusive;

* Para o uso próprio oneroso, a superfície tem que superar os 65 hectares. O agricultor que se enquadra dentro desta opção deverá comprar a semente legal e poderá semear durante até 3 anos com uso próprio. Depois deverá comprar novamente a bolsa;

* Toda pessoa física ou jurídica deverá apresentar anualmente ao Instituto Nacional de Sementes (INASE) uma declaração jurada e obrigatória com dados das sementes utilizadas, como variedade e categoria;

* As multas pelo uso da chamada "bolsa branca" serão de cinco vezes o valor da variedade em questão, multiplicado pelos hectares não declarados ou falseados.


A visão da Confederação Rural Argentina (CRA)

A CRA representa produtores de todos os extratos e apresentou o cenário do mercado de soja na Argentina para a Comissão Técnica de Grãos com o intuito de mostrar os principais pontos:

* Baixa utilização de sementes fiscalizadas:

Enquanto a área plantada na safra 2003/2004 foi de 14 milhões de ha, o que daria um mercado potencial de US$500 milhões na venda de sementes, a Argentina registrou no lado real apenas 20% disso, ou US$100 milhões.

* Baixa implementação da regalía extendida:

A proposta feita inicialmente pelo Governo de regalía extendida, já foi aceita por alguns produtores (veja matéria sobre a Cazenave), que aderiram ao sistema, mas em pequeno número e que representam apenas 3% da superfície plantada.

* Com o baixo poder de fiscalização, apareceu o mercado de sementes ilegal. A proposta do setor sementeiro encampada pelo Governo Nacional trouxe à tona uma disparidade de interesses:

* A Monsanto, diante das indefinições, demora nas negociações e não recebimento de 80% /ano de regalías sobre as sementes, advertiu o mercado que irá cobrar o uso da tecnologia RR via desconto na exportação, ou seja, nos países destinos/importadores em que tenha a patente e a lei de propriedade intelectual a seu favor. Neste caso, seriam cinco países: Espanha, Itália, Holanda, Bélgica e Dinamarca. O Agrônomo Javier Preciado Patiño, da CRA, desdenhou a pretensão da Monsanto em cobrar nos países importadores e explica que "o desgaste com a Argentina traria um alto custo político" e que "os países que a Monsanto têm a legislação a seu favor são pouco representativos na importação de soja, o que limitaria sua arrecadação, além da instrumentalização complexa para efetivar essa cobrança".

Apesar de já ter avisado em setembro de 2004 sua pretensão, a Monsanto voltou à carga em meados de março de 2005, fazendo novo comunicado aos exportadores sobre sua intenção de cobrar os royalties. O Secretario da Agricultura da Argentina, Miguel Campos, atacou a atitude da empresa, corroborando a tese de Patiño.

* Para a CRA, as regalías globais tem uma diversidade de problemas, mas o principal argumento usado para rechaçar este tipo de cobrança de regalía se sustenta no fato de que incidiria via comercialização sobre todos os produtores que utilizam a tecnologia da soja transgênica. Desta forma, aquele produtor que é mais eficiente, tecnificado e tem custos maiores para aplicar outras tecnologias, além da transgênica, seria penalizado. Parte de sua produção, obtida por outras tecnologias, ou seja, aquilo que não foi resultado apenas da tecnologia RR, teria que pagar regalía.

* O ponto principal na regalía global é a forma como seriam retidos estes recursos, pois os produtores já estão muito ressabiados com as retenções nas exportações feitas pelo Governo Nacional, que se tornou praticamente um "sócio" da produção agrícola, fato que

"Regalías extendidas": Cazenave adere

Dentre as empresas e produtores que aderiram ao sistema de regalías extendidas como forma de pagamento de propriedade intelectual, está a consultoria Cazenave e Associados, empresa agropecuária visitada pelos produtores da Comissão Técnica de Grãos.

A Cazenave é composta por 30 agrônomos, que produzem em mais de 60 mil hectares em torno de 140 mil toneladas por safra. A soja corresponde por 40%, milho 15%, trigo 10% e girassol 25% e 10% com outras culturas do total da superfície plantada pelo grupo em 5 províncias da Argentina. Todo o sistema da empresa é baseado em arrendamento de terras, contratação de máquinas e de trabalhadores, além de contar com investidores que participam da sociedade. Desta forma, a Cazenave entra com um pouco de recursos e com toda a parte de administração, organização e até a venda para exportação do produto. A empresa não tem propriedades, pois os valores de terra são considerados altos nas regiões onde atuam, algo em torno de US$ 5 mil a US$ 6 mil por hectare.

Segundo o sócio-diretor e agrônomo, Santiago Casares (foto), a empresa paga aos sementeiros entre US$ 15,00 a US$18,00 pela bolsa de sementes de 50kg de soja. Se for uma semente altamente produtiva, a Cazenave volta a semear e multiplicar essas sementes e por cada bolsa multiplicada paga US$3,00 como forma de regalía extendida. No trigo se faz o mesmo, mas pagam a metade do preço da soja ou US$1,5.

A Cazenave entende que este é o melhor sistema para pagar os criadores de sementes, pois acreditam que "a propriedade intelectual tem que ser reconhecida" e ainda "que se não reconhecemos a propriedade, o criador das sementes não estará motivado a criar novas variedades de sementes", explicou Santiago. Por outro lado, Santiago se diz contra a regalía global, pois é uma forma injusta de cobrança, em que o criador participa dos investimentos que os produtores fazem para ter uma melhor produção.

os produtores não querem ver se repetir em outras situações, como seria o caso das regalías, pois ficaria a percepção de que está se aumentando as retenções sobre as exportações, que já oneram os produtores em 23,5%, no caso da soja.


A posição da Sociedade Rural Argentina (SRA)

A SRA representa os grandes produtores e os pecuaristas:

* A SRA reconhece que se deve pagar pela propriedade intelectual e a inovação tecnológica. É contra a cobrança sobre a comercialização, mas a favor da cobrança sobre as sementes.

* O pagamento das regalías deve ser feita na compra de bolsa de semente fiscalizada e pelo uso próprio que se acordará livremente entre as partes. Não deve se praticar nenhuma retenção na venda de grãos.

* As novas variedades a serem registradas no INASE (Instituto Nacional de Sementes) a partir de 2005 poderão ter uso próprio oneroso, respeitando


Fazenda "El Desafio": produtores paranaenses
verificam a qualidade da soja

os contratos vigentes.

Duração do período da cobrança das regalías:

* Prazo de até seis anos de vigência para a cobrança de regalías, a partir da inscrição da variedade no INASE. Os valores iniciais são livres, mas decrescentes até o último ano.

* As variedades que cumpram o período de 6 anos, passarão a ser de uso gratuito, tanto o germoplasma quanto o evento.


A posição da Federação
Agrária Argentina (FAA)

A Federação Agrária Argentina (FAA) representa os pequenos produtores e é certamente a entidade com a posição mais dura e ideológica em relação ao pagamento das regalías, conforme os pontos destacados abaixo:

* Deve manter-se o atual sistema pelo qual a empresa obtentora titular adquire direitos temporais exclusivos de produção para a comercialização do material de reprodução da variedade vegetal, entretanto, que o agricultor conserve a faculdade de reservar sua própria semente obtida da plantação da variedade protegida para sua nova plantação.

* Deve manter-se o atual sistema de proteção à propriedade intelectual de sementes, reconhecido pela lei de sementes e criações fitogenéticas 20.247/1973 e que se enquadra nos traços gerais do Convênio da União Internacional para a Proteção de Obtenções Vegetais (UPOV) de 1978, ao qual a Argentina aderiu via lei 24.374/94.

* Não aceita a proposta que cria a "regalía global", a qual criaria um novo tributo, um percentual sobre a venda da produção primária, com destino ao pagamento das "regalías" ao sementeiros pelo uso próprio. Neste caso o Estado se converteria em arrecadador e executor de interesses privados.


As justificativas da Associação Argentina de Proteção das Obtenções Vegetais (ARPOV) e Associação dos Sementeiros Argentinos (ASA)

Estas duas associações representam mais de 33 empresas de biotecnologia da agricultura e sementeiras na Argentina. Suas principais considerações foram:

* Não se opõe a nenhum sistema, desde que possa reverter os investimentos, seja via regalías globais, extendida ou outro sistema. O que querem é um mercado efetivo de sementes fiscalizadas.

* Quanto as regalías globais, se paga o mesmo para todas as variedades, mas há as melhores, que investiram mais, como também existem variedades inferiores. O produtor paga o mesmo para todas, o que criaria uma distorção no mercado.

* Durante 8 anos a Monsanto não recebeu boa parte das regalías, apesar do direito que lhe assiste. Da atual safra de 14 milhões de hectares, 11 milhões foram plantadas com sementes da "bolsa branca", sem pagamento de regalías, e outras quatro empresas também não estão recebendo o que seria de direito.

* Quanto à proposta de se pagar regalías no máximo durante oito anos ou menos, questionam se as empresas não vão preferir investir em outros países mais seguros e que podem receber por 20 anos.

Marco legal e conceitos da discussão de royalties na Argentina

UPOV de 1978 - Convênio da União Internacional para a Proteção de Obtenções Vegetais. Baseado no melhoramento genético tradicional e não coloca restrições ao uso próprio de sementes;

UPOV de 1991 - baseado nas possibilidades da moderna biotecnologia e que condiciona o uso de semente própria;

Lei 20.247 (1973) - Lei de sementes e criações fitogenéticas. Permite aos agricultores reservarem e multiplicarem sementes para uso próprio, mas não autoriza a sua comercialização para terceiros;

Lei 24.376 (1994) - adere ao convênio internacional UPOV 78;

SAGPyA – Secretaria da Agricultura, Pecuária, Pesca e Alimentos;

Resolução SAGPyA 35/1996 - estabelece as condições para ter direito ao uso próprio;

Resolução SAGPyA 52/2003 - Estabelece a obrigação de informar a origem da semente, através de requerimento;

Lei 25.845 - Restitui a hierarquia do Instituto Nacional de Sementes (INASE), dissolvido no fim de 2000.

Royalty - pagamento feito pelo uso autorizado de determinada tecnologia desenvolvida e patenteada por uma empresa com a finalidade de compensar financeiramente os investimentos realizados e servir como fonte de recursos para retroalimentar a pesquisa;

Bolsa branca - mercado ilegal de sementes;

Regalía individual - equivalente ao royalty sobre uma nova tecnologia, seu valor é incluso na compra da bolsa de sementes legais e fiscalizadas;

Regalías extendidas – forma de regalía em que se pagaria por mais de um ano. Uma na aquisição das sementes legais e outra regalía sobre a reserva e multiplicação desta sementes para uso próprio nos anos seguintes;

Regalías globais - forma de regalía que, em vez de cobrar na aquisição de sementes, cobra na comercialização dos produtos vendidos pelos produtores;

Uso próprio gratuito: referente as sementes multiplicadas após a compra da primeira bolsa de sementes legais e que são para uso próprio, não visando a comercialização;

Uso próprio oneroso: após a primeira compra de sementes legais, se o produtor multiplicar essas sementes, ele pagaria um valor equivalente à uma porcentagem da primeira regalía;

Retenções: prática adotada pelo Governo que retém, como se fosse um imposto, 23,5% do valor pago nas exportações de soja por exemplo. Incide ainda sobre outros produtos da pauta de exportações como trigo, milho e girassol;

Biotecnologia - é o ramo da ciência que pesquisa a utilização de técnicas envolvendo materiais biológicos em benefício da sociedade. Uma dessas técnicas trata da transferência de genes de uma espécie para outra, a fim de atribuir a esta última características naturais da primeira. A utilização da biotecnologia tem possibilitado o surgimento de produtos de ponta em todas as áreas: plantas geneticamente modificadas, vacinas, medicamentos, anticorpos, enzimas, hormônios, entre outros;

Genótipo e germoplasma – o genótipo é o conjunto de genes que formam o indivíduo. Já o germoplasma é a soma de vários genótipos. É a base física que reúne o conjunto de materiais hereditários de uma espécie, representando a variabilidade genética da mesma;

OGM (organismo geneticamente modificado) ou transgênico - é o organismo que recebeu genes de outra espécie por meio da engenharia genética, uma técnica da moderna biotecnologia. Um exemplo é a soja RR (Round-up Ready), tolerante ao herbicida glifosato;

Transgenia - É a inserção de um gene no genoma de um organismo, utilizando um veículo (carreador) de clonagem, uma técnica da engenharia genética, resultando em organismos transgênicos, também chamados de geneticamente modificados. Pela transgenia, tem sido possível obter plantas com melhor desempenho no sentido de produzir mais vitamina, resistir mais ao ataque de insetos, ser imune a viroses, resistir mais às condições adversas do meio ambiente, além de outros atributos desejáveis.


Boletim Informativo nº 858, semana de 4 a 10 de abril de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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