Royalties na Argentina

Divergência de interesses
prejudica pesquisa de sementes

Em visita aos diversos setores da cadeia agro-industrial entre os dias 1º e 5 de março, os produtores paranaenses se depararam com um quadro de total controvérsia em relação à cobrança de royalties, ou regalías como é denominado no nosso parceiro do Mercosul, a cobrança sobre os direitos de propriedade intelectual das novas tecnologias de variedades de sementes.

Apesar de a idéia de royalties estar tradicionalmente associada à soja transgênica, a questão em si é muito anterior à implementação dos transgênicos, via Monsanto, em 1996 e

atinge outras variedades de sementes, como o trigo.

Para contextualizar o debate, é necessário entender que o marco legal do uso próprio de sementes foi criado pela lei 20.487, datada de 1973 e vigente até hoje na Argentina. Na década de 70, a soja não representava mais que 0,4% da superfície plantada no país vizinho e o mundo mal conhecia as tecnologias tradicionais na área agrícola. Com esta lei, os produtores rurais têm proteção legal para comprar sementes com alta tecnologia num ano e nos outros anos podem fazer uso próprio destas sementes para multiplicação e reserva, ficando vedado porém, o comércio dessas sementes.

Para compreender essa situação, serve como exemplo o caso do comércio de sementes de 1997/98, safra na qual os produtores tiveram acesso à tecnologia da soja RR via compra maciça de variedades desta semente. Foi um ponto de inflexão na venda de sementes legalizadas, destoando totalmente da média da década de 90, mas nos anos seguintes, as vendas via "bolsa branca" voltam aos patamares anteriores e ano a ano se observa a deterioração do mercado de venda legal de sementes.

De alguma maneira, essa lei aliada à total falta de fiscalização, pelo Governo Nacional, abre espaço para que durante toda a década de 90 a Argentina assista ao vertiginoso crescimento do mercado ilegal de sementes, que toma conta do comércio de forma avassaladora e os números demonstram isso: atualmente mais de 50% de tudo que é comercializado tem origem na denominada "bolsa branca", ou seja, é semente vendida ilegalmente.

Desta forma, se instaura um quadro em que as sementes legais representam algo em torno de 16% a 18% de tudo que é comercializado anualmente, as sementes de uso próprio (legal) outros 30% e em torno de 54% com procedência ilegal, ou a máxima "bolsa branca".

Sem fazer juízo sobre o direito de propriedade intelectual, pode-se constatar que está instalado um cenário de total degradação no que diz respeito à criação de novas tecnologias e de melhoramento genético de sementes na Argentina. O agravante é que a situação se arrasta por mais de uma década e a soma dos diferentes interesses em jogo já resulta num retrocesso do que foi conquistado nos últimos oito anos, pois criou um círculo vicioso da "bolsa branca", quando o quadro deveria ser o inverso.

Se já não existem atrativos nesse mercado para que se façam novos investimentos, devido à concorrência com as sementes ilegais da "bolsa branca", que termina na prática por afastar a criação de novas pesquisas, o Governo também tem sua parcela de culpa. Até agora, como mediador ou condutor das negociações com os setores interessados, tem fracassado em definir a questão, seja com consenso ou não, relegando a um segundo plano o papel estratégico da biotecnologia.

O mais impressionante neste debate o tempo de duração. O problema é antigo e remonta ao começo da década de 90, senão antes, e apesar da tentativa de negociação ter sido colocada à mesa em diversas oportunidades, nunca se chegou ao consenso.

O baixo retorno de investimentos gerado pela venda de sementes legais já está refletindo na redução de empresas que desenvolvem biotecnologia para a Argentina, conforme relatou Eduardo Trigo: "Enquanto existem 212 empresas criadoras nos Estados Unidos, na Argentina sobraram apenas quatro".

A Argentina beneficiou-se com a rápida disseminação da soja transgênica entre 1996 e 2004, mas essa soja representa apenas a primeira geração de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), que trouxe excelentes resultados econômicos, sociais e ambientais. Nos próximos anos os ensaios de melhoria genética de sementes trarão benefícios diretos para o consumidor, pois a 2a. geração de OGMs fará com que os produtos tenham mais nutrientes, proteínas e até propriedades medicinais. A pergunta que fica no ar é se as empresas que criam essas inovações terão interesse em desenvolver novas variedades para a Argentina. No contexto atual, a resposta é não.

É muito difícil analisar o que vai acontecer com o país vizinho no futuro, mas reverter o quadro da indústria de sementes do país é o remédio amargo que os argentinos terão que tomar para ascender às novas tecnologias, pois agora existem outros países que tratam como estratégia política a biotecnologia da agricultura, e os investidores, leia-se empresas criadoras de tecnologia, vão canalizar as pesquisas para os países onde tenham certeza que seus investimentos serão premiados.

O Brasil se vê diante de uma oportunidade única de se inserir como um dos grandes atores do mercado de biotecnologia na agricultura:

A aprovação definitiva da Lei de Biossegurança dá agora condições de fazer funcionar efetivamente os processos de aprovação de novos eventos de OGMs e a CTNBio está qualificada para tal. Com isso é preciso desenvolver e apoiar as instituições de pesquisa nacionais e trazer os investimentos que se requerem nas áreas onde não temos capacidade tecnológica ou econômica para desenvolver novas variedades de sementes adaptadas para as necessidades de nossos agricultores. Num segundo momento, o país poderá atender à demanda que o mundo terá pelas tecnologias de segunda geração de OGMs.

Já existe uma grande demanda reprimida por sementes transgênicas nas grandes regiões produtoras do Brasil, e exemplos quanto a isso não faltam. Para se ater apenas ao Paraná, registre-se o abaixo-assinado entregue no Ministério da Agricultura pela FAEP no ano passado com mais de 35.000 assinaturas de agricultores paranaenses que querem plantar transgênicos.


Boletim Informativo nº 858, semana de 4 a 10 de abril de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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