Sindicato autônomo
e Constituição

As Constituições de índole democrática e republicana, ao contrário daquelas outorgadas, dependem primordialmente para sua plena existência de alguns requisitos básicos, não limitando-se apenas à organização do Estado ao nível dos três Poderes. Aqui, se trata da indispensabilidade de instituições privadas, onde se inclui dentre elas, o sindicato autônomo, capaz de livremente defender e representar as categorias respectivas, sejam econômicas ou profissionais, posto que dependente do Estado não poderia fazê-lo legitimamente. A importância do sindicalismo livre se equipara à existência da imprensa livre. Ambos, em conjunto, contribuem para a existência das democracias no mundo.

A Constituição brasileira vigente, promulgada em 1988, buscou dar ao país um Estado Democrático, o que se observa do próprio preâmbulo da Carta, em que os representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte formalizaram esse desejo e vontade. Não foi à toa que redigiram o Capítulo II, dos Direitos Sociais, elencando ali uma vasta sistemática de freios e garantias do cidadão ou instituições privadas, prevalecentes " erga omnes", inclusive contra o Poder Público. Preferiram os contribuintes trazer para o corpo da Carta temas inclusive de natureza trabalhista ou assemelhados, que anteriormente constavam de legislação ordinária, mas que a partir de 1.988, eram cercados e protegidos pelos cânones constitucionais, cujas modificações tem liturgia própria e complexa, desde o quorum de votações, mormente, quando se envolvem tais direitos e prerrogativas com os " Direitos e Garantias Fundamentais", de que trata o Título II. Quis, a Assembléia Constituinte que tais direitos não fossem facilmente suprimíveis ou modificáveis.

Daí a articulação do artigo 8º, I, da Carta Política, que desejou estabelecer como primado constitucional a "liberdade de associação profissional ou sindical", mandando atender a exigência do inciso I, ao dispor, que são "vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical". Decorre disso a chamada autonomia sindical.

Não se perca de vista que nem sempre foi assim, pois, a Constituição de 1.988 mostra-se marcadamente democrática, preceituando de forma incisiva a não integração do sindicato à órbita estatal, mediante estipulação proibitiva, pois veda ao Poder Público qualquer interferência na organização das entidades sindicais. O princípio acha-se consonante com a Convenção nº 87, da OIT, acatada pela maior parte das nações. As Constituições de 1.946 e 1.967 asseguravam a liberdade da associação sindical, mas não apresentavam essa garantia com a clareza do texto do inciso I, do artigo 8º, em que o legislador-constituinte livra definitivamente o sindicato das peias do Poder Público, outorgando à representação a prerrogativa plena de invocar a defesa dos interesses de seus filiados.

E a defesa desses direitos coletivos não permanece unicamente na órbita entre capital e trabalho, pois vai muito além, envolvendo questões de toda ordem, referindo-se o inciso III, do artigo 8º, à "defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas". Vê-se que o leque de opções da defesa sindical é amplo, e para isso, a autonomia perante o Poder Público mostra-se fundamental. Sem essa liberdade preconizada na Carta de 1.988 a atividade sindical torna-se um simulacro.

O legislador-constituinte de 1.988 desejou e conseguiu garantir a liberdade sindical, principalmente porque alocou-a no corpo da Carta, pois, acaso deixasse o tema para regulamentação oportuna na legislação infraconstitucional teria, por certo, frustrado o objetivo do sindicato autônomo. Não fosse a percepção sábia da Assembléia Nacional Constituinte a sociedade perderia essa magnífica oportunidade de reivindicar, através de seus sindicatos, às vezes, contra o próprio Poder Público, e mais, amparada nos Direitos Fundamentais da Carta, o que permite ao sindicato livre permanecer infenso às investidas de alterações, pois somente outro poder soberano, de natureza Constituinte, poderia legitimamente revisar o primado.


Djalma Sigwalt
é advogado, professor universitário e consultor jurídico da FAEP


Boletim Informativo nº 856, semana de 28 de março a 3 de abril de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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