Como resolver a questão? |
*Rubens Ernesto Niederheitmann Na semana
passada, chamamos a atenção dos pecuaristas Atualmente, a maior parte - 80% da produção nacional- é consumida pelo mercado interno, enquanto os 20% restantes são exportados. O preço da arroba do boi é ditado por algumas praças tradicionais, como referência para o boi gordo. Atualmente, os frigoríficos colocam deságios para animais com menos de 16 arrobas de peso. Não há pagamento por qualidade e nem a tipificação ou a classificação de carcaças são praticadas. Muitos produtores entregam sua produção a intermediários, que também ficam com parte do lucro. Todos estes fatores desmotivam e contribuem para que não se produza qualidade. A dificuldade é histórica e, por vários fatores (que não vêm ao caso agora), nunca foi tratada no conjunto das questões que a envolvem. Na produção, embora esteja aumentando, ainda são poucas as propriedades que exploram as pastagens de maneira moderna, apesar de haver clima e tecnologia para isto no Paraná. É comum, já no início de março, produtores saírem à procura de silagem, feno e outras alternativas para alimentar seus animais, pois as pastagens, por falta de manejo correto, ou em alguns casos pela ausência de chuvas, começam a rarear e com isto apressam a venda. Como conseqüência, há excesso de oferta e, com ela, a dificuldade da venda. Como mudar isto? 1. Mudar a mentalidade: em vez de criar boi, produzir carne. Em primeiro lugar, é preciso entender que a comercialização não acontece só na hora da venda; ela começa antes da produção. Envolve uma série de segmentos e atividades, como prospeção de mercado, produção de pastagens, alternativas de suplementação em determinadas épocas do ano; e vai terminar bem ou mal , dependendo de como estas etapas forem vencidas. A boa comercialização começa na definição de qual produto (carne) o mercado quer, qual o padrão esperado. Isto não era assim no passado, mas agora será fundamental porque, a cada dia, mais e mais pessoas estão entrando no negócio e buscando informações. Além disso, as exigências dos consumidores por qualidade estão aumentando. Não dá mais para produzir e depois sair vendendo. Esta nova visão deve ser a preocupação constante do produtor, porque ele é o maior interessado em vender seu produto, enquanto o comprador tem uma gama enorme de opções de escolha. Em vez de criar boi é preciso produzir carne. Ao invés de ter seu produto comprado, o pecuarista precisa aprender a vender e não esquecer que quem define hoje o que deve ser produzido- e como- é o mercado.
2. Primar pela qualidade Cada dia o consumidor tem mais informações e busca qualidade. Ele sabe que esta qualidade existe e vai atrás. O preço também interfere, mas se ele puder escolher, escolherá a melhor qualidade. Quando falamos em qualidade, não estamos falando de coisas sofisticadas, inatingíveis, elitistas etc. No caso da carne, o que o consumidor quer é maciez, sabor, boa apresentação em termos de coloração e mais ou menos gordura, variando entre os diversos consumidores que existem. Esta qualidade depende, no setor produtivo, de três pontos: genética, alimentação e manejo dos animais. Para isso, o produtor precisa usar as tecnologias existentes e que são muitas, embora algumas sejam desconhecidas até pelos técnicos que atuam no setor. O que precisa é reciclagem de conhecimentos. Além disso, existe um círculo vicioso, onde o produtor não investe em qualidade porque não recebe a mais por isto. Como conseqüência, produz muitas vezes fora de padrão. O frigorífico, por sua vez, não paga mais porque a qualidade não é boa e assim vai. Nesta situação quem perde é o produtor, e se ele não quebrar o círculo vicioso, não será o frigorífico o fará.
3. Gestão da propriedade Desde o início da globalização (início dos anos 90), o produtor brasileiro só ficou com um caminho: melhorar a sua competitividade. É preciso enxergar que as regras do mercado mudaram. Se antes não havia competição, hoje há. E muita. A verdade é que o a competição aumenta a cada dia e não parece que isto vá mudar tão cedo. Atualmente o produtor que não administrar sua propriedade como uma empresa, que não tiver preocupação com a viabilidade econômica, com aspectos ambientais, sanitários e sociais, poderá num futuro próximo ficar sem mercado. É preciso ter um controle financeiro de sua propriedade, saber o seu custo de produção, se está ganhando ou perdendo dinheiro. Conhecer os indicadores zootécnicos que são as ferramentas indispensáveis para a tomada de decisão. Existem atualmente muitas informações sobre gestão (Curso do SENAR, planilhas da EMATER, da EMBRAPA, planilhas de empresas privadas) que ainda são pouco conhecidas e menos ainda utilizadas pelos produtores. Mas estão aí e a boa notícia é que a cada dia mais e mais produtores estão se interessando por isto.
4. Melhorar o uso de tecnologia. A bovinocultura de corte talvez seja uma das últimas atividades cuja utilização de tecnologia de maneira geral é baixa. Por questões culturais, deficiências técnicas, desconhecimento, etc, não houve ainda na pecuária de corte a mesma evolução que houve nos cereais, no leite, na avicultura, suinocultura, etc. Existem bons técnicos no campo prestando assistência técnica, mas são poucos para o número de produtores que precisam dessas tecnologias. A preocupação com a alimentação dos animais no outono é um exemplo. Isso porque falta um planejamento anterior. Outro ponto que evolui muito rapidamente é o manejo dos animais, fator decisivo na qualidade da carne. O desconhecimento nesta área atinge trabalhadores, produtores e técnicos, e há muito conhecimento a ser adquirido e colocado em prática. A utilização de genética talvez tenha sido a maior preocupação dos produtores ao longo do tempo. Porém, colocar um animal de excelente qualidade num pasto ruim ou tratá-lo de forma inadequada é jogar dinheiro fora. É preciso cuidar da genética, da alimentação, da sanidade e do manejo, de maneira proporcional, senão não se chega a lugar algum.
5. A união dos produtores. Enquanto os frigoríficos estão se unindo, os milhares de pecuaristas continuam cada um por si. É unanimidade em reuniões, palestras e seminários, quando se discute o problema da comercialização da carne, o reconhecimento pelos próprios produtores do individualismo e da falta de união no setor produtivo. Está aí uma coisa que ninguém acaba por decreto, nem com fórmulas milagrosas. É preciso atitude. É preciso sair do discurso e passar à prática. A participação e a união de qualquer categoria implica no abandono de interesses individuais, na definição de prioridades e em assumir o interesse coletivo para fazer frente a um problema maior e comum a todos. As cooperativas são um exemplo a ser seguido. Hoje estão fortalecidas. São um ponto de apoio na comercialização e fundamentais para o desenvolvimento da agricultura. Mas no começo não foi assim. Havia problemas iguais aos da carne hoje. Havia a desconfiança que precisou ser vencida, os caminhos da comercialização que precisaram ser descobertos ou construídos. Muitas sucumbiram por problemas de ordem administrativa ou gestão deficitária, problemas esses hoje superados. É o mesmo caminho que deverá ser percorrido pelo produtor de carne. A vantagem é que temos exemplos a serem seguidos o que pode diminuir o tempo e encurtar o caminho.
6. O conhecimento dos demais elos da cadeia produtiva O pecuarista precisa conhecer os demais elos da cadeia, suas necessidades, suas dificuldades e como podemos nos relacionar senão como parceiros pelo menos como aliados. Da mesma forma os demais elos precisam conhecer o setor produtivo. O foco conforme citamos na semana passada têm sido os frigoríficos. Os supermercados, contudo, estão acima dos frigoríficos. E qual a sua contribuição? O exercício das alianças mercadológicas tem sido muito importante, no sentido de conhecimento de todos os elos da cadeia produtiva da carne bovina. O conhecimento dos demais elos nos facilitará na definição de estratégias para aperfeiçoar a relação "ganha/ganha" que precisamos implantar.
7. O envolvimento da sociedade Não é só o produtor que precisa mudar. É preciso que haja mudança também nos órgãos e entidades e dos técnicos que atuam junto com o produtor. Via de regra, os técnicos não são devidamente capacitados para aspectos como organização e comercialização. São treinados para produzir mais e melhor, porém a comercialização tem sido responsabilidade do produtor. A nosso ver, a mudança de mentalidade necessária deve ser assumida pelos vários setores que atuam em conjunto, quais sejam: o governo, através de suas entidades de ensino, pesquisa e extensão, as cooperativas através de seus departamentos técnicos e as entidades representativas dos profissionais (agrônomos, médicos veterinários, zootecnistas e técnicos agrícolas). Todos precisam enxergar a atividade em seu conjunto e não apenas em aspectos técnicos pontuais, de produção ou de fiscalização ou de pesquisa, etc. A atuação de cada profissional deve contemplar o objetivo final que é a comercialização ou a renda do produtor, tendo a visão de que o uso do insumo correto, da tecnologia de ponta, o aumento da produtividade, entre outros, devem estar voltados para um foco maior que é a qualidade do produto e a sua colocação no mercado, de acordo com a exigência do consumidor, com ganhos para o produtor. Esses são alguns pontos que colocamos para discussão. Não pretendemos ser conclusivos, apenas levantar uma discussão diferente do tradicional para encontrar juntos uma saída. Na próxima semana trataremos, especificamente, a questão qualidade, com o objetivo de aprofundar a análise.
Rubens Ernesto
Niederheitmann, engenheiro-agrônomo progcarneleite@faep.com.br |
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Boletim Informativo nº 856,
semana de 21 a 27 de março de 2005 |
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