A logística e os prejuízos
do setor rural

Luiz Antonio Fayet

Durante os três últimos anos quando os preços internacionais dos principais produtos do agronegócio estavam elevados ou quando o câmbio estava favorável, os produtores rurais ignoraram a importância da tributação, do câmbio, da logística e nem perceberam o imenso prejuízo que sofreram. Com a reversão do quadro de preços espera-se que essas questões fiquem mais visíveis, permitindo identificar os maiores obstáculos e inimigos e, reajam ordenadamente contra os reais problemas existentes da porteira pra fora.

Tratando de forma simplificada os problemas e os custos de logística que enfrenta nosso agronegócio, vale registrar inicialmente o desequilíbrio entre a produção e a capacidade de armazenagem. A CONAB indica que temos uma capacidade estática da ordem de 100 milhões de toneladas, quando deveríamos ter 150 milhões. Entretanto, como nossa agricultura avançou geograficamente, no Centro-Oeste a situação é mais grave. Produzimos competitivamente mas não temos como guardar os resultados, correndo o risco de perder os produtos. Este problema se agrava quando a comercialização fica mais lenta e/ou quando a malha viária apresenta precariedades como atualmente ocorre, ora impossibilitando as remoções ora tornando-as mais caras.

A decisão de construir armazéns é dos produtores, que não priorizaram tais investimentos, mas manter e construir estradas é obrigação dos governos federal e estaduais, que para isso contam com os recursos da CIDE, contribuição tributária que tem sido desviada para cobrir dispêndios fora de sua finalidade ou, na maior parte, os recursos são contingenciados para gerar superávites fiscais e pagar juros da dívida interna.

Segundo os dados disponíveis, existem mais de 10 bilhões de reais contingenciados, sendo que com a metade desses valores revitalizaríamos toda a malha rodoviária. No ano de 2004, o valor dos fretes Goiás-Paranaguá em média passaram de uns 20 para 40 dólares por tonelada. Quem pagou a conta?

A privatização do setor ferroviário vista como grande esperança para este segmento e para a mudança da matriz de transportes também é uma grande frustração. A participação do transporte ferroviário no transporte de soja para Paranaguá caiu. As necessidades de investimento são de vários bilhões de reais e o governo federal, pasmo, não sabe para onde fugir.

Chegamos aos portos, onde a Lei Federal 8630/93 provocou uma fantástica revolução, fazendo com que os custos operacionais caíssem para menos da metade e, também, mostrando que as PPP (Parcerias Público Privadas) quando adequadamente geridas solucionam problemas. Os portos brasileiros conseguiram substanciais melhorias no atendimento aos usuários, mas a reforma não está completa. Há a necessidade de se concluir o ajuste das relações trabalhistas e consolidar os "marcos regulatórios" - conjunto de leis e regulamentos - que normatizem com inteligência os investimentos e as operações.

Diferentemente do que ocorre com as rodovias, os investimentos governamentais nos portos é o problema menor, as dificuldades estão na deficiência de gestão. Vejamos o caso do Porto de Paranaguá. Os recursos disponíveis, soma do caixa próprio e dos fundos de investimentos, são suficientes para a manutenção, melhoria e ampliação das instalações. Entretanto, nos últimos dois anos a Administradora não realizou as aplicações determinadas pelo Conselho, desorganizou as operações de atracação, do corredor de exportação e da recepção de mercadorias, determinando que os "prêmios positivos" de sua classificação internacional passassem a negativos, gerando somente na exportação do "complexo soja" no ano de 2004 um prejuízo de mais de 1,6 bilhão de reais de perdas para os produtores paranaenses, segundo estudos FAEP/OCEPAR (site da FAEP – Boletim Informativo nº 808).

Para o conjunto brasileiro, a avaliação é de um bilhão de DÓLARES de prejuízo. É a partir dos preços da Bolsa de Chicago que são definidos os "prêmios" e os preços FOB nos diversos portos. A partir daí vão sendo abatidos os dispêndios com frete marítimo, transbordos, taxas portuárias, armazenagem, fretes terrestres, seguros, etc. O que sobra é o preço recebido pelo agricultor. Quem pagou a conta?

Esta não é uma questão paroquial, pois Paranaguá atende a oito estados brasileiros e ao Paraguai (acordo bilateral), o agronegócio da soja é o mais importante do País e Paranaguá é referência para o estabelecimento de "prêmios" nas exportações brasileiras.

Mas as desventuras ultrapassam os portos e chegam na "navegação de cabotagem" - entre portos brasileiros. Temos registros de que os fretes entre Rosário/Argentina e Recife, com aproximadamente 5.200 quilômetros de distância, custa menos do que o frete Paranaguá/Recife, que só tem uns 2.800 quilômetros. Isto ocorre principalmente porque o transporte tem de ser feito por empresas de navegação nacionais, que são oneradas fortemente por tributos, questões trabalhistas, dentre outros. Esta é uma das razões pelas quais o trigo, o milho e o arroz do Sul não conseguem competir com o importado. Daí vem o choro dos produtores pedindo esmolas do governo federal, quando se deveria exigir justiça.

A reserva de mercado do cartel da navegação de cabotagem e os ônus que eles sofrem precisam ser revistos, embora o Brasil deva adotar políticas de proteção à armação nacional. Mas quem está pagando a conta ?

Neste quadro adverso da gestão de portos e da navegação, entra em cena a omissão e o protecionismo da ANTAQ (agência reguladora) e do Ministério dos Transportes, que não vêm cumprindo integralmente suas responsabilidades institucionais, por razões políticas conforme declaram. Em dois anos de desmandos e desrespeito à lei em Paranaguá não houve a intervenção federal, que seria a providência legalmente correta. Enquanto a lei não "pega", os prejuízos vão se acumulando, a capacidade competitiva se esvaindo e, além disso, o clima de confiança nas instituições afasta os empreendedores e conspira contra o importante projeto governamental das PPPs. Quem está pagando a conta?

A preços de hoje, estima-se que as deficiências logísticas rodoviárias estão tirando em média um mínimo de R$ 5 por saca de soja dos produtores do Centro-Oeste, vendida por R$ 20 em Sorriso-MT. Se forem repetidas as perdas provocadas pelas confusões ocorridas em Paranaguá em 2004, serão outros tantos reais para descontar dos produtores. É muito dinheiro. Imagine-se o quanto representa na soma dos produtos brasileiros e quanto significa em perda da capacidade de melhoria de vida econômica da população brasileira.

O agronegócio é a nossa vocação natural, a base do emprego e do mercado interno. É a vida do País e o mundo está a cada dia mais dependente dos alimentos, madeiras e energia que ele produz. Temos que pressionar os parlamentares e fazer uma mobilização pelo cumprimento da lei e pelo expurgo dos administradores despreparados, estaduais ou federais. Chega de pagar contas expúrias!

Luiz Antonio Fayet, economista,
foi presidente do Banco do Brasil e deputado federal


Boletim Informativo nº 854, semana de 7 a 13 de março de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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