FGV alerta para sinais preocupantes
para o agronegócio brasileiro

Na edição de janeiro da revista "Conjuntura Econômica", a Fundação Getúlio Vargas, através de seu Instituto Brasileiro de Economia, faz uma análise do desempenho do agronegócio no País. O allerta é de que o setor não está predestinado ao sucesso, mas precisa, entre outras coisas, de políticas menos ambíguas do Governo em relação às novas tecnologias (transgênicos), investimentos na vigilância sanitária e na infra-estrutura logística de escoamento da produção.

Veja alguns trechos da análise, que reproduzimos neste Boletim Informativo da FAEP:

"Em um país que durante boa parte do século passado buscou a industrialização para livrar-se do fantasma da dependência de produtos primários, não deixa de ser irônico que o grande milagre brasileiro das últimas décadas seja a explosão do agronegócio. Os números são impressionantes. O Brasil saiu de 57,1 milhões de toneladas de grãos na safra de 1990/91 para 119,4 milhões na de 2003/04. O sucesso do agronegócio brasileiro, hoje responsável pelo saldo comercial de mais de US$ 30 bilhões, é uma lição sobre a validade da teoria das vantagens comparativas: o Brasil, com sua combinação inigualável de território, água e insolação em abundância, é um dos países mais bem equipados do mundo para competir no setor agropecuário e no de indústria alimentícia.

"Na origem do boom agrícola brasileiro, encontra-se um formidável esforço de pesquisa e desenvolvimento, que contribuiu para transformar o potencial representado pelas vantagens comparativas em ganhos concretos para o país. A face mais visível daquele avanço é a Embrapa, a estatal brasileira de desenvolvimento agrícola, responsável por alguns dos principais marcos da história recente do agronegócio no Brasil.

É o caso, por exemplo, do desenvolvimento da soja do cerrado a partir da década de 70, que se desdobrou na soja tropical, permitindo a expansão do cultivo da oleaginosa no Brasil. Antes deste processo, as variedades disponíveis, soja americana e do Rio Grande do Sul, só davam bons rendimentos em latitudes altas, distantes da linha do Equador. Do Paraná para o Norte do país, os resultados não eram satisfatórios. No entanto, hoje a produção na região do cerrado chega a atingir 57 sacos de 60 quilos por hectare de área plantada, comparado com 40 sacos no Rio Grande do Sul.

"História de sucesso por excelência da economia brasileira nos últimos anos, o agronegócio vem sendo louvado e aclamado, com todos os méritos, em artigos de imprensa e programas de televisão, e transformou-se em um dos aspectos do desenvolvimento nacional que o governo mais gosta de realçar. O justo orgulho que os brasileiros hoje nutrem em relação ao setor agropecuário não deve, entretanto, transformar-se naquele tipo de ufanismo pelo qual o país acredita-se predestinado ao sucesso competitivo, independentemente de como é construído o ambiente institucional no qual vicejam as vantagens comparativas. Na verdade, são muitos os desafios para garantir que o futuro do agronegócio brasileiro seja tão brilhante quanto o do passado recente, e em algumas áreas os sinais atuais são um pouco preocupantes.

"Como já comentado, os avanços da pesquisa agronômica no Brasil foram fundamentais para o deslanche do setor nas últimas décadas. Hoje, porém, a atitude ambígua do governo em relação aos transgênicos pode estar refreando progressos com potencial tão promissor quanto os da soja do cerrado e da soja tropical no passado. O algodão transgênico BT (Bacilus Turgiensis), por exemplo, proibido no Brasil, hoje é plantado até na Austrália, uma nação tão ou mais conservadora do que o Brasil em termos de proteção ambiental e humana. Do ponto de vista bioquímico, o algodão transgênico BT possui uma proteína que dificulta o trato intestinal da lagarta do algodoeiro. Com isto, a lagarta não assimila as folhas ao comê-las e acaba morrendo. Por conseguinte, com o BT, as 14 aplicações de agrotóxico no plantio de algodão no Brasil, que representam 40% dos custos de produção, poderiam ser reduzidas para seis.

"Na própria Embrapa, houve sinais desalentadores em fevereiro de 2003, início do mandato da atual direção. Em memorando oficial, definiu-se que a vertente prioritária da empresa seriam as atividades de pesquisa e desenvolvimento direcionadas à agricultura familiar, assentamentos de reforma agrária e pequenos empreendedores rurais. No mesmo documento, o agronegócio exportador era classificado como segunda vertente prioritária. Se é evidente, por um lado, que a Embrapa deva dar atenção a todos os segmentos, a hierarquização de prioridades mencionada acima diminui os incentivos à grande agricultura capitalista, através da qual os avanços da pesquisa encontram o leito mais fértil para alcançar o seu máximo rendimento econômico. O risco é o de que a ambigüidade do poder público em relação ao agronegócio capitalista, refletida também na forma de tratar a questão dos transgênicos, impeça o contínuo bom funcionamento e aperfeiçoamento da moldura institucional que permitiu o grande salto das últimas décadas.

"Outro aspecto institucional do qual o Brasil não pode descuidar é o da qualidade sanitária. Ao contrário do que se costuma pensar, ela não depende apenas da defesa fitossanitária e da fiscalização, mas exige uma rede de laboratórios, principalmente de biotecnologia, para lastrear empresas certificadoras, controles nos portos, inspeção de produtos vegetais e animais, etc. No caso da suspeita levantada pelo Canadá quanto à ocorrência da doença da vaca louca no rebanho brasileiro, o Ministério da Agricultura acionou a Embrapa, encarregando-a de colher centenas de amostras em muitos frigoríficos para análise em laboratório, permitindo que o Brasil provasse muito rapidamente a inexistência do problema no território nacional.

"Esta vitória, porém, não deve ser razão para o país dormir sobre os louros. É necessário ampliar e modernizar os laboratórios brasileiros, em todas as regiões do país, tendo em vista o ambiente internacional no qual uma acusação nem sempre bem fundamentada de um país importador pode arrasar globalmente as vendas externas de um determinado produto, destruindo em questão de dias o trabalho de anos de abrir e conquistar mercados. A questão da qualidade sanitária, aliás, vem espocando em diversos episódios recentes, como o do embargo chinês à soja brasileira, em função da suposta detecção de agrotóxicos condenados, ou os embargos da Rússia à carne suína. Os poucos focos ainda existentes de febre aftosa no rebanho bovino brasileiro, em áreas remotas e cuja produção não se destina à exportação, representam mesmo assim um sério risco econômico aos produtores de carne.

"Para manter a competitividade e a expansão do agronegócio no Brasil, também é preciso cuidar da infra-estrutura logística de escoamento da produção. A situação calamitosa das estradas do país, especialmente da malha rodoviária, significa um custo adicional para os nossos exportadores de commodities, fazendo com que a competitividade da produção nacional seja menos espetacular do que poderia ser.

"Na última safra de soja, chegou-se à situação absurda pela qual cada bushel de soja embarcado no porto de Paranaguá chegasse a sofrer uma redução de preço de US$ 2 - o que representava 26% da cotação de mercado que era de US$ 7,80 -, resultado do prêmio negativo pago devido à demora no embarque da soja em razão da fila de quase 100 quilômetros de carretas carregadas. Não se pode negar que o problema em Paranaguá foi agravado pela ação do governo estadual contra a soja transgênica (evidenciando o risco jurídico que perpassa todas as áreas do ambiente de negócios no Brasil), porém não existem dúvidas de que a precariedade da malha viária também contribuiu. Neste sentido, a recente aprovação da lei das Parcerias Público-Privadas (PPP) pode ser um passo correto para retomada dos investimentos em infra-estrutura viária e portuária no país.

"Ao contrário do que muitas vezes se diz, explorar corretamente as vantagens comparativas não significa condenar o Brasil a um perfil de produção primária e pouco sofisticada. Na verdade, o espetacular avanço do agronegócio nacional foi calcado no desenvolvimento de novas tecnologias de produção e de grandes investimentos em capital fixo.

"Produtores modernos são capazes de lidar tanto com a sofisticação financeira dos mercados futuros quanto com a complexidade da pesquisa em biotecnologia. Estes diferenciais estão embutidos na produtividade do setor, e explicam a rentabilidade e o sucesso capitalista da agropecuária e da indústria alimentícia do Brasil. A missão do poder público nesta história bem-sucedida é a de estar à altura da sofisticação do setor, profissionalizando e aperfeiçoando seus quadros e instituições de negociações comerciais, qualidade sanitária e pesquisa agronômica. E também é preciso evitar que a politização espúria de questões técnicas ou econômicas bloqueie os avanços da pesquisa e a abertura de novos mercados para a produção brasileira.


Boletim Informativo nº 849, semana de 24 a 30 de janeiro de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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