Bem de família e conceito

A impenhorabilidade do bem de família decorre da lei expressa. O viso da legislação que a implementou foi dar salvaguarda de moradia ao cidadão, tenha ele constituído grupo familiar ou não. Em verdade, busca o instituto a pacificação social, pois impede a alienação em hasta pública do imóvel utilizado para moradia, seja pelo indivíduo ou pela família. Todavia, surgiram decisões que, interpretando restritivamente o artigo 1º da Lei nº 8.009/90, não davam guarida a pleitos de solteiros, sob entendimento de que o amparo da legislação beneficiava apenas o grupo familiar.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), na sua função constitucional de uniformizar o direito, em seu nível infraconstitucional, esclareceu a espécie, estendendo o benefício. Examine-se a ementa do acórdão proferido pela Terceira Turma (DJ de 7.6.004, RE 450.989-RJ, unânime): " Processual – Execução – Impenhorabilidade - Imóvel – Residência – Devedor solteiro e solitário – Lei 8.009/90. – A interpretação teleológica do Art. 1º da Lei 8.009/90 revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão. – É impenhorável, por efeito do preceito contido no Art. 1º da Lei 8.009/90, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário." (EREsp 182.223-SP, Corte Especial, DJ de 07/04/2003).

Outro ponto em que houve divergência na interpretação da legislação, por certo tempo, foi a forma procedimental do devedor invocar em seu favor as benesses do bem de família, a fim de evitar a constrição da penhora, se através de embargos à execução ou simples petição. Da mesma forma, o STJ mediante decisões recentes uniformizou o entendimento nacional, na interpretação da Segunda Seção daquele Tribunal, conforme enfatiza o RE nº 330.060-DF, DJ de 1/04/2004, ao que se vê: "... omissis..... Quanto à matéria de fundo, merece provimento o recurso, uma vez que as Turmas que compõem a egrégia Segunda Seção deste Sodalício pacificou o entendimento de que há dois meios para o executado obter a anulação da penhora, sob o argumento da impenhorabilidade do bem de família; mediante simples petição na execução ou através de embargos. A propósito, os seguintes precedentes: REsp nº 180.286/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 15/12/2003. RESP nº 443.131/PR, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 04/08/2003)."

Assim sendo, não mais prevalece o debate sobre qual o procedimento processual deva o devedor pleitear a exclusão da penhora do bem de família, pois nos posicionamentos mencionados basta petição simples ou petição de embargos à execução. Enfim, a forma procedimental mais singela, bastando a comunicação ao juízo e a dedução da pretensão.

Ainda, por derradeiro, outra questão controversa foi definida pelo STJ, isto é, aquela relativa ao imóvel único da família, sob objeto de contrato de locação. Nos Embargos de Divergência em RESP nº 339.766-SP, Segunda Seção (DJ de 23.08.2004, p. 117) constata-se a orientação: "Civil. Execução. Embargos de Divergência. Bem de Família. Imóvel. Locado. Lei 8.009/1990, art. 1º. Impenhorabilidade. Tema pacificado. I. Assentou a jurisprudência da 2ª Seção do STJ que o único imóvel residencial, ainda que não sirva de residência à devedora, não é passível de penhora, de acordo com o art. 1º da Lei nº 8.009/1990 (REsp nº 315.979/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, maioria, DJU de 15.03.2004). II. Embargos conhecidos e providos, para reconhecer a condição de bem de família ao bem em questão."

O instituto do bem de família ganha os seus contornos jurídicos definitivos, ao longo da formação da jurisprudência nacional.


Djalma Sigwalt
é advogado, professor universitário e consultor jurídico da FAEP


Boletim Informativo nº 846, semana de 13 a 19 de dezembro de 2004
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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