Justiça Federal
libera plantação de soja transgênica no Paraná |
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Produtores rurais do Paraná podem plantar soja transgênica com sementes próprias, mesmo que não tenham assinado o Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta no ano passado, de acordo com liminar parcial concedida pela juíza Gisele Lemke, da 2ª Vara da Justiça Federal do Paraná, em mandado de segurança da Federação da Agricultura do Estado do Paraná - FAEP, contra termos discriminatórios da Medida Provisória nº 223 de 14 de outubro último. Pela Medida Provisória, apenas 574 produtores do Paraná, que haviam firmado o Termo de Compromisso em 2003, tinham autorização para plantar soja transgênica, ferindo direito constitucional dos demais agricultores do estado, |
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conforme alegação do advogado da FAEP, Cleverson Marinho Teixeira. O presidente da FAEP, Ágide Meneguette, afirmou que a entidade buscou apenas assegurar o direito dos produtores rurais de escolher o que vão plantar, uma vez que a soja transgênica foi liberada pelo Governo Federal. "A Medida Provisória não pode discriminar produtores, isto é ilegal. Essa a razão maior do mandado de segurança que impetramos contra dispositivos da MP". Os produtores rurais do Paraná deixaram de plantar soja transgênica no ano passado em virtude da lei estadual 14.162/03, que proibia o cultivo de qualquer espécie transgênica. Esta lei teve sua vigência suspensa pelo Supremo Tribunal Federal um dia após o encerramento do prazo para assinatura do Termo de Compromisso, frustrando os agricultores. Pelo despacho da juíza, a Delegacia do Ministério da Agricultura e a Secretaria da Agricultura devem se abster ‘de impedir que os agricultores paranaenses que tenham sementes reservadas para uso próprio de realizar, no prazo estipulado na Medida Provisória nº 223/04, o plantio de soja com semente geneticamente modificada, pelo motivo de não terem subscrito o Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta relativo à safra anterior (2003/2004). Veja a íntegra da liminar:
Poder
Judiciário Conclusão Aos 19/11/2004, faço estes autos conclusos a MM. Juíza da 2.ª Vara Federal de Curitiba. Despacho Autos II. 2004.70.00.037601-9 Mandado de Segurança Coletivo Impetrante: Federação da Agricultura do Estado do Paraná Impetrados: Delegado Federal da Agricultura no Estado do Paraná e Secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado do Paraná. 1.Acolho o requerimento das fls. 311/327, considerando sanado o vício de forma indicado no item "3" do despacho da fl. 302. 2. A impetrante reclama medida liminar para que os impetrados se abstenham de impedir os agricultores paranaenses, ainda que não tenham reservado sementes da safra do ano em curso (2003/2004) e que não tenham assinado o termo de compromisso indicado na Lei n.º 10.688/03, de realizar, no prazo estipulado pela mesma medida provisória, o plantio da safra 2005 e/ou comercialização e transporte, com semente de soja geneticamente modificada. Alegam que não tiveram oportunidade de assinar o termo de compromisso em questão e de reservar as sementes, em razão de estar em vigor na época a Lei Estadual n.º 14.162/03, posteriormente suspensa pelo STF, a qual impedia os agricultores paranaenses de procederem ao plantio de soja geneticamente modificada. Afirmam que tal situação não pode perdurar, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia em relação aos agricultores dos outros estados, os quais puderam realizar o plantio da soja, nos termos da medida provisória já referida. Os impetrados foram notificados para prestarem informações. O Estado do Paraná prestou informações, alegando a ausência de aparência de bom direito, uma vez que não estão em questão somente os princípios da livre iniciativa e da isonomia, mas também os relativos ao direito ao meio ambiente saudável e à saúde da população, sendo que a liberação do cultivo de soja transgênica não foi precedida de estudo de impacto ambiental, além de persistir a ilegalidade relativa à utilização de agrotóxicos à base de glifosato em pós-emergência, único tipo de agrotóxico que pode ser utilizado para a soja geneticamente modificada e cujo uso não foi liberado pelas medidas provisórias em questão. Alega, ainda, a ausência de periculum in mora, eis que já foram editadas três medidas provisórias sobre a questão e só agora, passado mais de um ano desde a primeira medida editada, a impetrante vem questioná-las. Anota, mais, a ausência de direito líquido e certo, visto como a Medida Provisória n.º 223/04, contra a qual se insugere a impetrante, trata de assunto altamente controverso, tanto que há ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra ela, não sendo possível a perquirição acerca dos prejuízos que podem ser causados à saúde e ao meio ambiente pelo cultivo de soja transgênica na via mandamental. Por fim, sustenta que não cabe mandado de segurança contra lei em tese e que vige em nosso sistema o princípio da presunção de constitucionalidade das leis, anotando, ainda, que a medida não pode ser concedida por ser satisfativa. Requer seja indeferida a medida liminar requerida ou, sucessivamente, seja decidida a medida liminar somente após a decisão a ser proferida na ADI n.º 33.328/DF, que pretende ver suspensa a medida provisória em discussão nos autos, em razão de sua inconstitucionalidade. Não chegaram a esse juízo, até o momento, as informações do 1.º impetrado. Brevemente relatado, decido Inicialmente, observo que houve equívoco da Secretaria ao enviar os ofícios de notificação aos impetrados para prestarem informações em 10 dias (fls. 309 e 310), e não 72 horas, conforme determinado no despacho da fl. 302 e como constante da Lei n.º 8.437/92, art. 2.º. Pelo equivoco ocorrido e pela demora daí resultante na apreciação do pedido de medida liminar, pedem-se escusas à impetrante. Considerando o equivoco verificado e para não haver prejuízo ao princípio constitucional do contraditório, este juízo aguardou as informações preliminares até a data de hoje (19/11/2004, às 18:00 hs.), o que perfaz um total de 10 dias, contados da data da intimação dos impetrados. No entanto, apenas o Estado do Paraná prestou suas informações. Apesar disso e muito embora esse juízo esteja ciente do equívoco ocorrido e da eventual contagem do prazo pelo 1.º impetrado a partir da data da juntada do mandado, passa-se a analisar o pedido de medida liminar, eis que: a) já decorreu muito tempo desde a data do ajuizamento da ação (05/11/2004); b) já foram prestadas informações nos autos, pelo segundo impetrado, o que, em alguma medida, observa o princípio do contraditório e c) mais, que, em que pese o equivoco ocorrido e acima relatado, constou do despacho que seguiu com o ofício o prazo de 72 horas legal e, pois, de conhecimento presumido pelos impetrados (presunção de conhecimento da lei). Para a concessão de medida liminar em mandado de segurança, devem estar presentes os requisitos do art. 7.º, II, da Lei n.º 1.533/51, a saber, a aparência de bom direito e a possibilidade de perecimento do direito, acaso não concedido com urgência. A urgência está presente, uma vez que a Medida Provisória n.º 223/04 aplica-se para o plantio da soja até 31/12/2004. Anota-se que, ao contrário do sustentado pelo 2.º impetrado, o fato de a impetrante não haver questionado as medidas provisórias anteriormente editadas não faz desaparecer o periculum in mora em relação à medida provisória ora questionada, porque o objeto da lide diz respeito ao plantio da safra 2004/2005, e não das safras anteriores, objeto das medidas provisórias anteriormente editadas. Ademais, foi o fato da edição de mais uma medida provisória sobre a questão, juntamente com os efeitos decorrentes da edição da Lei Estadual paranaense n.º 14.162/03, que fez surgir o interesse da impetrante na lide, por haver ficado patente que a disciplina do plantio da soja transgênica, a qual inicialmente parecia ter sido realizada apenas provisoriamente, para uma safra, iria perdurar no tempo, ante a ausência de disciplina da questão por lei em sentido estrito. Como dito, essa constatação, juntamente com as conseqüências fáticas resultantes da edição da lei estadual pré-falada, é que fizeram surgir o interesse processual do impetrante. Em suma, o interesse processual resultou da edição da Medida Provisória n.º 223/04, não se podendo falar em ausência de perigo na demora, o qual é evidente. Por essa mesma razão, resta desde já indeferido o pedido do 2.º impetrado para se aguardar a decisão a ser proferida pelo STF na ADI n.º 33.328/DF. A aparência de bom direito encontra-se presente, em parte. Inicialmente, cabe consignar que a via mandamental não é própria para a análise acerca da possibilidade ou não de a soja transgênica causar danos à saúde ou ao meio ambiente, para o que haveria necessidade de produção de prova pericial, razão pela qual se tem desde logo por constitucional a Medida Provisória n.º 223/04, nos seus exatos limites (mesmo porque vigora em nosso sistema o princípio da presunção de constitucionalidade das leis), para a análise a seguir desenvolvida. Vale dizer, o argumento dos malefícios eventualmente causados pela soja transgênica não pode servir para se ter por inconstitucional referida medida provisória e, por outro lado, o argumento contrário, no sentido de inexistência de qualquer possibilidade de serem causados danos ambientais ou à saúde, também não será admitido para a ampliação dos termos da medida provisória, com base no princípio da livre iniciativa ou outro. Enfim, prescindir-se-á desse argumento na presente ação, face à impossibilidade de sua comprovação, seja em razão da via eleita, seja em razão da inexistência de possibilidade cientifica atual de comprovação objetiva e irrefutável de qualquer das duas teses (ao menos num juizo preliminar). Por conseguinte, a análise restringir-se-á ao princípio da isonomia, para cuja aplicação não há necessidade de se perquirir acerca dos benefícios ou malefícios causados pela soja transgênica. No caso, tem-se que efetivamente toda a legislação produzida acerca da questão, desde a Medida Provisória n.º 113/2003, feriu o princípio da isonomia, sob a perspectiva substancial, uma vez que privilegiou aqueles agricultores que já plantavam soja geneticamente modificada, inclusive de forma ilícita. Com efeito, ao permitir somente a utilização de sementes próprias, as quais só podiam ter sido obtidas por meio ilícito, para o plantio da safra 2003/2004, a Lei n.º 10.814/03, numa análise preliminar, para efeitos de concessão de medida liminar, parece ter malferido o princípio da isonomia, porquanto adotou discrímen ilegitimo (inclusive ilegal) para a distinção de regimes jurídicos (quem não havia praticado ato ilegal até então, foi prejudicado, porque não teria como obter sementes próprias para o plantio de soja transgênica nas próximas safras). Tal fato foi agravado pela edição da Lei Estadual do Paraná n.º 14.162/03, a qual proibiu terminantemente qualquer plantio de soja transgênica no estado do Paraná, lei esta que foi considerada aparentemente inconstitucional pelo STF e suspensa por meio de medida liminar concedida na ADI n.º 3.035-3. Ocorre que a suspensão de referida lei deu-se após o prazo para assinatura do termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta necessário para o plantio da safra de 2003/2004 (nos termos da Lei n.º 10.814/03) e para a respectiva reserva de sementes para uso próprio na próxima safra (a atual, de 2004/2005). A rigor, para se ter por integralmente cumprido o princípio da isonomia, seria necessário: a) que toda a legislação relativa ao plantio de soja transgênica fosse declarada inconstitucional ou b) que a comercialização de sementes fosse amplamente liberada. Nenhuma das medidas, no entanto, pode ser tomada no âmbito da presente ação. Quanto à primeira medida indicada, ela não é objeto do pedido nessa ação, a qual pretende, ao contrário, a liberação irrestrita do plantio da soja transgênica no estado do Paraná, e não a declaração de inconstitucionalidade das leis e medidas provisórias que o permitiram de forma condicionada. Passando-se à segunda medida suso indicada, a aplicação do princípio da isonomia não teria o condão de produzir tal efeito, visto como o Poder Judiciário não tem função legislativa, não podendo, portanto, ampliar os termos das leis em exame. Em outras palavras, a conclusão acerca do desrespeito ao princípio da isonomia tem como conseqüência a anulação da lei por inconstitucionalidade ou, eventualmente, quando a lei em si seja constitucional, encontrando-se a única inconstitucionalidade na exclusão de um grupo de pessoas do âmbito da lei com desrespeito à isonomia, o Poder Judiciário poderá incluir a classe excluída no âmbito da lei, sem, no entanto, alterar suas disposições. Não é isso, porém, o que se pretende in casu, em que se alega ofensa ao princípio da isonomia sob a perspectiva material (e não formal), o que exigiria, para sua correção, intervenção do Poder Judiciário na própria disciplina legislativa. Isso posto, a única medida que se vislumbra passível de ser tomada no âmbito da presente ação, para se amainar a ofensa ao princípio da isonomia detectada na legislação em análise, é a de se determinar aos impetrados que não impeçam o plantio da safra de soja 2004/2005 com sementes próprias dos agricultores paranaenses, ainda que transgênicas, pelo só motivo de não haverem assinado o termo de compromisso exigido para o plantio da safra anterior (2003/2004). Com isso, assegura-se que aqueles agricultores que tenham plantado soja geneticamente modificada na safra anterior e que não tenham assinado o termo de compromisso em razão da vigência, na ocasião, da Lei Estadual paranaense n.º 14.162/03, possam utilizar as sementes reservadas para o plantio da safra atual. Essa medida corrige, em parte, a ofensa à isonomia supra apontada e pode ser tomada pelo Poder Judiciário, porque não altera os termos da lei. Apenas dispensa os agricultores de uma exigência formal, a qual não pôde ser cumprida na época própria, em virtude do chamado "fato do principe", exigência essa que resta suprida pela assinatura do termo de compromisso relativo à safra atual. Aliás a rigor, a Medida Provisória n.º 223/04, em vigor para o plantio de soja na presente safra (2004/2005), não exige diretamente que os agricultores tenham assinado o termo de responsabilidade relativo à safra anterior. Contudo, considerando-se que a impetrante tem legítimo receio de que isso venha a ser exigido, para se considerar lícita a reserva de sementes da safra anterior pelos agricultores paranaenses, considero existente interesse de agir quanto a esse pedido, não se podendo falar na impetração de segurança contra lei em tese. Releva consignar também que o Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta é instrumento legal que visa somente reforçar obrigações prevista em lei e às quais os agricultores estão sujeitos ainda que não tenham assinado referido termo, sendo essa mais uma razão para se considerar ilegítimo que os impetrados impeçam o plantio de soja transgênica tão-só em virtude da falta de assinatura do termo em epígrafe, sobretudo em se considerando a impossibilidade de fazê-lo na época própria. Por fim, impende observar que, embora a medida ora concedida tenha caráter satisfativo, o fato é que a não concessão da medida também tem caráter atisfativo, uma vez que os agricultores não teriam como plantar soja geneticamente modificada após o período próprio para tal, ficando sem nenhum resultado útil eventual decisão final favorável à impetrante. Com essas considerações, CONCEDO EM PARTE A MEDIDA LIMINAR REQUERIDA, para o fim de determinar aos impetrantes que se abstenham de impedir os agricultores paranaenses que tenham sementes reservadas para uso próprio de realizar, no prazo estipulado na Medida Provisória n.º 223/04, o plantio de soja com semente geneticamente modificada, pelo motivo de não terem subscrito o Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta relativo à safra anterior (2003/2004). Intime-se a impetrante. 4.Comunique-se os impetrados para cumprimento, intimando-se-os, no mesmo ato, dos documentos juntados nas fls. 311/327, para se manifestarem, querendo, em 5 dias 5. Após, vista ao Ministério Público Federal. Curitiba, 19/11/2004. Gisele
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Boletim Informativo nº 844,
semana de 29 de novembro a 5 de dezembro de 2004 |
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