Viagem Técnica aos EUA

Escoar a safra sai pela
metade do preço nos EUA

Este é o segundo de uma série de dez artigos, da economista Gilda M. Bozza
e da agrônoma Maria Silvia Digiovani, sobre as viagens técnicas de
produtores rurais paranaenses aos EUA, em setembro e outubro deste ano.

A moderna infra-estrutura de transportes existente nos Estados Unidos constitui uma das principais vantagens competitivas em relação ao Brasil e a Argentina na produção agrícola e no mercado. Os Estados Unidos têm uma infra-estrutura interna de transporte rápida e barata, que transporta grandes volumes de commodities do produtor até o consumidor.

A infra-estrutura norte-americana inclui o modal hidroviário, através do Rio Mississipi e seus afluentes, o modal ferroviário e o modal rodoviário. Os Estados Unidos também têm uma grande capacidade de armazenagem para grãos. Em razão destas vantagens, transporte e comercialização, os custos norte-americanos de transporte sempre foram menores frente aos custos do Brasil e da Argentina.

Para transportar uma tonelada de grãos da fazenda até o porto, o produtor norte-americano paga US$ 15,00/t. No Brasil este custo sobe para US$ 28,00/t, cerca de 87% maior, haja vista os gargalos existentes na infra-estrutura rodoviária e portuária.

Ocorre que os americanos escoam a produção pelos modais ferroviários e hidroviários, uma vantagem comparativa insuperável. A rodovia alimenta a hidrovia e ferrovia em pequenas distâncias, usualmente entre a propriedade e o terminal ferroviário ou hidroviário mais próximo.

A matriz multimodal de transportes no Brasil, isto é, o modelo brasileiro de transportes assenta-se no modal rodoviário, com uma soberania quase absoluta, no entorno de 60%. O modal ferroviário tem uma participação de 33% e o hidroviário cerca de 7%. É preciso equacionar a logística brasileira , sendo fundamental que o Brasil inverta a matriz de transportes.

As vantagens competitivas da produção de soja no Brasil, dentro da porteira, se diluem quando são imputados os custos pós-porteira, entre os quais se sobressaem custos dos modais de transporte, armazenamento e custos portuários.

O transporte constitui uma parte importante da logística, dentro da visão sistêmica e moderna de entregar o produto correto, no lugar certo, no menor tempo, em condições adequadas e ao menor custo possível.

A soja é uma commoditie. Para ampliar suas margens de competitividade tem que ter custos de produção e de transporte cada vez menores para poder competir no mercado internacional e propiciar margens adequadas de rentabilidade ao produtor rural.

A partir do preço CIF (Custo, Seguro, Frete) no porto de destino designado, vão sendo deduzidos os preços das diversas etapas do processo de comercialização: prêmio (negativo ou positivo), lucro do intermediário, transporte marítimo, embarque portuário e taxas portuárias, armazenamento, frete do transporte terrestre e pedágio. O que sobra desta conta é o preço recebido pelo produtor rural.

O preço CIF vale para a soja, para o milho, algodão ou outra qualquer outra commodity dos Estados Unidos, da Argentina, do Brasil ou de qualquer outro país exportador.

MATRIZ DE TRANSPORTE
ESTADOS UNIDOS E BRASIL
Modal Estados Unidos Brasil

Hidrovia
Ferrovia
Rodovia

61
23
16

7
33
60

Fonte: CBOT

Um outro diferencial diz respeito às despesas portuárias, com custo de US$ 3,00/tonelada, enquanto no Brasil o custo é de US$ 6,00/tonelada, isto é, em torno de 50% maior. O quadro abaixo permite constatar o quanto o produtor brasileiro de soja deixa de ganhar comparativamente ao produtor norte-americano em razão dos custos de fretes e despesas portuárias, tomando como base a cotação média da soja na Bolsa de Chicago em 2003.

CUSTO DE TRANSPORTE - BRASIL / EUA
Discriminação

Brasil

%

EUA

%

Cotação Média Bolsa de Chicago
Frete até o Porto
Despesas Portuárias
Receita Líquida
Subsídio (*)
Receita Total
Margem Bruta (Receita/Preço)

222
28
6

188

-

188

84

100
13
3

84
-
84

222
15
3

204

14

218

98

100
7
1

92
6
98

Fonte: Elaboração FAEP/DTE - (*) Calculado conforme esquema apresentado no Centro de Conferência da Universidade de Illinois – Lexington

O produtor brasileiro tem um custo alto em torno de US$ 34,00 tonelada, equivalente a 16% da cotação de Chicago, enquanto o produtor norte-americano, nosso principal concorrente, tem um custo de US$ 18 por tonelada, representando 8% do preço de venda. O subsídio concendido ao produtor norte-americano de US$ 14,00/tonelada de soja, tem um peso substancial e de certa forma os Estados Unidos compensam o custo da logística, via subsídio ao produtor.

É inegável que a agricultura norte-americana protegida com subsídio (política interna do país) podendo alcançar entre US$ 14,00/t a US$ 21,00/t de soja, sem sombra de qualquer dúvida, prejudica a competividade brasileira, porém constata-se uma vez mais, que a perda da competitividade brasileira se dá em maiores proporções, em função direta do Custo Brasil, ou seja, da ineficiência da logística, conforme esta Federação vem há anos chamando a atenção.



Terminal Graneleiro – Rio Mississipi – Elemento
fundamental do inteligente e eficiente sistema modal
de transporte americano


   Ademais, os problemas de logística registrados no Porto de Paranaguá em 2004, com recorde de prêmio negativo menos US$ 245/cents/bushel (correspondente a - US$ 5,40/saca) em razão da conjugação de fatores como: elevação dos preços de fretes dos navios, deficiência portuária, barreiras não tarifárias alegadas pelos chineses entre outros, favoreceu a concorrência e o Brasil perdeu um pouco de espaço nas exportações do complexo soja para os Estados Unidos e a Argentina. Os produtores norte-americanos foram os maiores beneficiados.

O prêmio de exportação da soja brasileira é fator que deve ser somado à cotação da Bolsa de

Chicago para se obter o preço recebido pelo exportador. Este valor pode ser positivo, representando um ágio, ou negativo, representando um deságio sobre as cotações do produto na Bolsa de Chicago.

É negociado entre importadores e exportadores de soja e representa um mecanismo para relacionar as cotações de Chicago e do mercado local. Vale lembrar que as cotações internacionais refletem a ótica do produtor norte-americano, as condições de oferta e demanda dos Estados Unidos, principalmente no curto-prazo.

Resumidamente, o prêmio leva em conta a origem e o destino do produto exportado, a qualidade, a oportunidade, o frete marítimo, a demanda, o câmbio e a eficiência do porto exportador, podendo ser positivo ou negativo.

A questão logística se reveste da maior importância, porquanto muito pouco foi efetuado durante este período (1999-2004) e os resultados são imperceptíveis. O desafio para o Brasil está em priorizar a prevenção e não apenas a intervenção.


BOLSA DE CHICAGO

A Chicago Board of Trade – CBOT, a Bolsa de Chicago, fundada em 1848, constitui organismo central, sem fins lucrativos, refletindo a opinião mundial de oferta e demanda. A Bolsa de Chicago é, mundialmente, o mercado mais líquido de futuros e grãos, proporcionando organização para fixação de contratos futuros – acordos legais e flexíveis – até 18 meses no futuro.

O crescimento da produção brasileira de soja e a conquista de segundo maior produtor mundial do grão, faz com que o mercado internacional centre o foco no Brasil, notadamente em função do potencial produtivo que o país detém.

Hoje o Brasil tem influência nas cotações internacionais e qualquer notícia referente à produção brasileira tem repercussão nas cotações da Bolsa de Chicago.

A partir de março de 2004, quando das notícias de quebra em razão dos problemas climáticos e da ocorrência da "ferrugem da soja" as cotações na Bolsa de Chicago registraram piques de preços.

Num primeiro momento, aconteceu a forte evolução dos preços, notadamente entre os meses de março e até o início de maio, com as cotações ultrapassando a casa dos US$ 10,64/bushel, cerca de 77% superior à média histórica dos últimos dez anos de US$ 6,00/bushel (US$ 13,23/saca), assinalando o maior preço desde 1988. É importante salientar que o preço de US$ 10,64/bushel estava fora da realidade, motivado pela quebra da safra norte-americana (2003/04) e as perdas registradas na América do Sul.

Os preços da soja despencaram 50% desde que alcançaram a maior alta no período de 15 anos, queda essa atribuída às expectativas de safra recorde nos Estados Unidos. As cotações fecharam em outubro a US$ 5,337/cents/bushel, correspondente a US$ 11,80/saca.

Os produtores norte-americanos estão segurando o produto, reduzindo a oferta, porquanto no ano passado venderam a soja cedo demais e a estratégia para comercialização em 2005 é o escalonamento equilibrado das vendas, aproveitando os repiques de preços, porquanto no ano passado segundo a visão deles, efetuarem as vendas muito cedo.

Além de estar amparado pelos subsídios, o produtor norte-americano está familiarizado com os instrumentos de comercialização existentes e habituado a operar na Bolsa de Chicago e garantir o seu preço. Vendem o grão a preços mais rentáveis, em torno de 30% a 50% de sua produção quando ainda estão plantando. Entre 30% e 40% vendem no terminal graneleiro e às cooperativas. E entre 10% e 15% constitui a chamada "reserva técnica". Ele entende o jogo, se o preço cair no mercado físico ele ganha na Bolsa e vice-versa. Na época da colheita, quando os preços geralmente se encontram mais baixos, o produtor tem opção de entrar no mercado e comprar sua própria colheita e assim, realizar um lucro com o preço final.

Os "hedgers" (compradores e vendedores de cobertura) podem ser pessoas ou companhias que possuem ou planejam possuir uma mercadoria física - milho, soja, trigo – e se preocupam com possíveis flutuações de preço, isto é, com os riscos.

Os vendedores ou produtores (short hedgers) querem obter o preço mais alto possível, enquanto que os compradores ou indústrias, trades (long hedgers) querem obter o preço mais baixo possível.

O estabelecimento de preços competitivos é uma importante função econômica e um benefício nas negociações de futuros.

Por outro lado, o produtor brasileiro necessita maior domínio dos instrumentos de comercialização e passar a operar na Bolsa de Mercadorias & Futuros com o objetivo de garantir seu preço de venda. Neste ano de 2004 quando os preços alcançaram R$ 52,00/saca, o produtor brasileiro não entendeu que era o momento de vender e aguardou que os preços subissem mais, o que efetivamente não aconteceu. Através da utilização dos mecanismos da Bolsa de Mercadorias, ele poderia ter feito um "hedge" fixado o preço em R$ 52,00/saca e vendido no físico ao preço de mercado R$ 42,00/saca, por exemplo. Os R$ 10,00/saca que perderia no físico, seriam compensados via Bolsa de Mercadorias ao preço de R$ 52,00/saca. Hoje este produtor teria realizado um lucro, obtendo ao longo da comercialização uma rentabilidade média considerável e conseqüentemente, melhor margem de rentabilidade.

Paul L. Kram Junior, vice-presidente sênior da Fimat, consultor financeiro que atua para empresas e produtores rurais na Bolsa de Chicago, afirma: "hoje a maioria dos produtores, seja no Brasil ou nos Estados Unidos, sabe conduzir bem suas lavouras. O desafio já não é saber produzir, mas como vender as commodities, saber usar os mecanismos de comercialização".

Finaliza dizendo que: "os produtores precisam aprender a transferir riscos para os especuladores, caso contrário Cargill, Bungue e ADM têm o caminho aberto para tudo".

DTE / FAEP
Gilda M. Bozza - Maria Silvia C. Digiovani


Boletim Informativo nº 844, semana de 29 de novembro a 5 de dezembro de 2004
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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