Viagem Técnica aos EUA

A posição do Brasil no atual
cenário agrícola internacional

O Brasil tem capacidade de compensar com competitividade os subsídios
concedidos à agricultura pelos Estados Unidos
e a União Européia, e seu
avanço no mercado internacional
preocupa a concorrência

As viagens técnicas realizadas pelo Sistema FAEP/SENAR além de propiciarem ao produtor rural a ampliação dos conhecimentos, mediante a visualização da agropecuária dos países líderes na produção de commodities (tecnologia, técnicas de plantio, produção, produtividade, custo de produção, comercialização, infra-estrutura, transgênicos, lei agrícola e questões ambientais) se reveste de uma importância fundamental, porquanto mostra que o desempenho dos produtores brasileiros se comprova, a seus próprios olhos, altamente competitivo. E essa constatação, associada à busca e a correta interpretação da informação, conduz ao estabelecimento de comparação e análise.

As viagens realizadas aos Estados Unidos, nos meses de setembro e outubro de 2004, possibilitaram reflexão e análise dos principais pontos, os quais serão abordados em uma série de artigos (dez no total) contemplando as questões de subsídios (lei agrícola), sistema modal de transportes, comercialização, transgênicos, ferrugem da soja, fontes renováveis de energia, pesquisa e desenvolvimento e negociações internacionais entre outros.

O primeiro artigo da série abrange o atual cenário internacional e a posição do Brasil, bem como uma análise dos principais itens de Lei Agrícola, enfocando os subsídios.

O país é líder mundial das exportações do complexo soja, açúcar,
café, suco de laranja, carnes (aves e bovina), álcool e tabaco

O Brasil tem capacidade de compensar com competitividade (produção, produtividade e mercado) os subsídios concedidos à agricultura pelos Estados Unidos e a União Européia, e seu avanço no mercado internacional preocupa a concorrência. Poderá ficar subentendido, mediante a preocupação dos norte-americanos com a competitividade brasileira, que a maior economia do mundo por uma questão de estratégia geopolítica alimentar, não abrirá mão da liderança mundial na produção e estocagem de alimentos.

A estimativa do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos – USDA para a produção mundial de soja na safra 2004/05, aponta que os Estados Unidos, o Brasil e a Argentina deverão totalizar 188 milhões de toneladas de soja, representando 82% da produção mundial prevista (229 milhões de toneladas), onde assume destaque a posição brasileira, ampliando não apenas sua produção e os níveis de produtividade, mas sobretudo ganhando espaços no mercado internacional. A interação do setor agrícola com a indústria, o comércio e serviços assume novos contornos.

Uma prova inconteste é a posição alcançada pelo país no comércio internacional, assumindo a condição de terceiro maior exportador mundial de produtos agroindustriais.

O Brasil é líder mundial das exportações do complexo soja (grão, farelo e óleo), açúcar, café, suco de laranja, carnes (aves e bovina), álcool e tabaco, com taxa de crescimento das exportações superior a obtida pelos nossos principais concorrentes, os quais contam com uma agricultura fortemente subsidiada. Também assume a liderança mundial quanto se trata de custos de produção, apresentando custos mais baixos de soja, algodão, açúcar, frango, laranja, celulose e couro.

Além de competir com uma agricultura fortemente subsidiada, os produtores brasileiros se defrontam constantemente com toda espécie de barreiras tarifárias e sanitárias impostas aos seus produtos, dificultando o desempenho nos mercados internacionais, haja vista o temor dos países desenvolvidos com o potencial de crescimento das exportações brasileiras do agronegócio.

As viagens técnicas promovidas pelo Sistema FAEP/SENAR oportunizaram aos integrantes das comitivas uma reflexão frente à posição do Brasil no atual cenário internacional e a análise remete aos gargalos existentes (logística, infra-estrutura, reforma tributária, pesquisa e desenvolvimento) e a necessidade de equacionar as questões da competitividade pós-porteira e adoção de uma postura firme nas relações internacionais, ampliando a inserção do Brasil no mundo e avançando na disputa comercial.

A economia globalizada pressupõe uma agricultura que valorize a qualidade, a sanidade, a competitividade de seus produtos e a sustentabilidade ambiental, porquanto os países desenvolvidos lançam mão de todos os artifícios como forma de "protecionismo".

Entre 1999 e 2004, intervalo de cinco anos, o Brasil consolidou sua eficiência dentro da porteira, mas em relação à logística e ao comércio internacional ainda há um longo caminho por percorrer.

A continuidade de investimentos em pesquisa e desenvolvimento agrícola possibilitará ao país a manutenção e a ampliação dos espaços conquistados no mercado mundial, quer pela redução de riscos (ferrugem da soja), cuidados fitossanitários, otimização na utilização de insumos, redução de perdas na colheita, embalagens, rastreabilidade, qualidade e agregação de valor à produção, quer pela adoção de novas tecnologias, caso da biotecnologia. É importante analisar se os ganhos de produtividade resultam no aumento da produção e comercialização de bens com maior valor agregado e a importância fundamental das conexões, caso da infra-estrutura e das tecnologias.

É consenso entre os integrantes das comitivas que a partir do equacionamento da logística e da adoção de uma postura firme e autoconfiante nas relações internacionais, o Brasil deverá não apenas manter a sua posição como também se adequar à evolução científica, haja vista que o grande desafio é a competitividade global onde as mudanças acontecem rapidamente. É preciso uma mudança de foco, priorizar investimentos e sobretudo a adoção de políticas coerentes que visem o atendimento das novas demandas.

Os problemas da logística brasileira têm um efeito sobre todo o sistema econômico, porquanto desarticula o processo produtivo a partir da porteira até o porto de embarque, afetando a competitividade brasileira, conforme ocorreu este ano, com o recorde de prêmio negativo para a soja no Porto de Paranaguá, que acabou beneficiando os Estados Unidos e a Argentina e o Brasil perdeu um pouco de espaço de mercado.

É sabido que os subsídios norte-americanos constituem uma concorrência desleal (no caso da soja chegam a representar US$ 14,00 a US$ 21,00/t), comprometendo a competitividade dos produtos brasileiros, porém é preciso ter presente que é um instrumento de política econômica do país (lei agrícola) e antes de tudo o Brasil precisa arrumar a sua casa. A logística constitui o maior entrave, representando perda de renda para a produtor, com um custo de US$ 34,00/tonelada, significando 16% do preço CIF, enquanto o produtor americano tem um custo de US$ 18,00/tonelada, ou seja, cerca de 50% menor.

Os investimentos efetuados e programados não serão suficientes para equacionar o problema, pelo menos a médio prazo. Esta Federação há muito tempo vem alertando para a situação, mostrando que são necessárias medidas urgentes nos diversos setores de infra-estrutura, com o objetivo de ampliar a competitividade brasileira e para tanto é fundamental o envolvimento de todos os setores da economia.

Por último, porém não menos importante, ficou como aprendizado para os produtores brasileiros em visita a Bolsa de Chicago (CBOT), centro mundial das comercializações de commodities, o recado dado por Paul L. Kram Junior, vice-presidente sênior da Fimat, consultor financeiro que atua para empresas e produtores rurais na Bolsa de Chicago: "hoje a maioria dos produtores, seja no Brasil ou nos Estados Unidos, sabe conduzir bem suas lavouras. O desafio já não é saber produzir, mas como vender as commodities, saber usar os mecanismos de comercialização".

Finaliza dizendo que: "os produtores precisam aprender a transferir riscos para os especuladores, caso contrário Cargill, Bungue e ADM têm o caminho aberto para tudo".

Subsídios

No Centro de Conferências da Universidade de Illinois – Lexinghton, o grupo de brasileiros foi recebido por J. Randy Winter – professor do Departamento de agricultura da Universidade de Illinois que apresentou detalhes da política agrícola dos Estados Unidos no que concerne às formas de protecionismo aos agricultores.

O professor iniciou sua apresentação informando sobre a legislação agrícola que vigorou de 1990 a 1995 e que abordava os assuntos alimento, agricultura, conservação e comércio (FACT).

A inovação dessa legislação foi que os programas da política agrícola passaram a ser mais orientados para o mercado.

Em 1996 a legislação foi revisada e este novo conjunto de normas vigorou até 2002, quando foi suspenso o controle governamental sobre as áreas de plantio, a partir de 1996 os produtores não eram mais obrigados a manter parte de suas áreas em pousio com vistas ao controle do volume de produção.

Aquela legislação também alterou o processo de pagamento dos "subsídios" que passou a ser desvinculado da produção.

Em 2002 teve início a atual política agrícola – The Farm Security and Rural Investment Act of 2002, que vigorará até 2007.

Esta é a primeira legislação estabelecida de acordo com as determinações da OMC e que evita subsídios de estímulo à produção com vistas a não permitir ganho de causa à países que venham a entrar com contestações na OMC.

Estabelece 3 mecanismos de pagamento dos subsídios: pagamento direto, empréstimo, pagamento contra-cíclico.

1. Pagamento Direto (Direct Payment)

É fixado para cada cultura e baseado no histórico de rendimento da área de produção nos últimos quatro anos e incide sobre 85% da área plantada, não recebendo influência da atual produção ou do preço atual. Em outras palavras, o produtor recebe pelo que já produziu no passado, não importando o preço de mercado para o produto. Assim, se um produtor pretende plantar soja na presente safra e nos últimos 4 anos plantava milho, receberá o subsídio referente ao milho. Os valores dos pagamentos diretos são mostrados a seguir:

Milho – US$ 0,28/ bushel –equivalente a US$0,66/saca de 60 kg (R$ 1,87/sc)
Trigo - US$ 0,52/ bushel - equivalente a US$1,15/saca 60 kg (R$ 3,25/sc)

Soja - US$ 0,44/ bushel - equivalente a US$0,97/saca 60 kg (R$ 2,74/sc)

Segundo o professor, em 2003 foram gastos US$ 4,151 bilhões em pagamentos diretos.

2. Empréstimo (Loan Rate)

Para que os produtores possam armazenar seu produto e comercializar em épocas favoráveis, o Governo empresta dinheiro a juros de 2% ao ano, por um período de 9 meses, conforme os valores mostrados a seguir:

Milho – US$ 1,95/ bushel –equivalente a US$4,60/saca de 60 kg ( R$ 13,02/sc)
Trigo - US$ 2,80/ bushel - equivalente a US$6,17/saca 60 kg ( R$ 17,46/sc)
Soja - US$ 5,00/ bushel - equivalente a US$11,02/saca 60 kg ( R$ 31,19/sc)

Ao final dos 9 meses pode ocorrer 2 situações:

1) Os preços de mercado estão altos, superiores ao valor do empréstimo. Nesse caso o produtor vende no mercado e paga o empréstimo

2) Os preços de mercado estão abaixo do valor do empréstimo

O produtor tem 2 opções:

  • Vende no mercado e o governo paga a diferença

  • O governo compra o produto, como se fosse um AGF no Brasil

3. Pagamentos contra-cíclicos (Counter-cyclical payments)

Equivalente a um preço mínimo, esse pagamento baseia-se no histórico da propriedade e nos preços de mercado.

Para o período 2002-2007 os valores vigentes são os seguintes:

Milho – US$ 2,63/ bushel –equivalente a US$ 6,21/saca de 60 kg ( R$ 17,57/sc)
Trigo - US$ 3,92/ bushel - equivalente a US$ 8,64/saca 60 kg ( R$ 24,45/sc)
Soja - US$ 5,80/ bushel - equivalente a US$ 12,78/saca 60 kg ( R$ 36,17/sc)

Após a comercialização, se os preços de mercado foram inferiores a esses valores estabelecidos, o governo desconta o valor do pagamento direto que o produtor já recebeu e complementa até atingir o preço mínimo.

Entendendo o mecanismo de pagamento dos subsídios

Juntando os 3 mecanismos apresentados e tomando como exemplo a comercialização do milho em 2004, o produtor tem garantida a seguinte situação:

Preço mínimo (target price) = US$ 2,63/bushel.
De pagamento direto o produtor recebeu US$0,28/bushel.

Como empréstimo para comercialização o valor concedido foi US$ 1,95/bushel.

US$ 2,63 – US$ 0,28 = US$ 2,35 US$ 2,35 é o "preço gatilho"para acionar o pagamento contra-cíclico

Se o preço cair abaixo desse preço gatilho (US$ 2,35/bushel) , o governo pagará a diferença, podendo chegar ao máximo até US$ 0,40/bushel que representa a diferença entre US$2,35 e o valor de US$ 1,95 que o produtor já recebeu como empréstimo.

O preço do subsídio

O quadro a seguir mostra os valores oficiais publicados pelos Estados Unidos sobre os valores gastos com os Programas de Pagamento em 2003:

FUNÇÃO US$ BILHÕES Pagamentos Diretos 4,151 Pagamentos contra cíclicos 1,743 Empréstimo 0,693 Perda na comercialização 1,962 Conservação de reservas 1,785 TOTAL 12,214

FUNÇÃO
Pagamentos Diretos
Pagamentos contra cíclicos
Empréstimo
Perda na comercialização
Conservação de reservas
TOTAL

US$ BILHÕES
4,151
1,743
0,693
1,962
1,785
12,214

Produtor brasileiro x produtor americano

Um produtor americano que cultive 300 ha de soja,(740 acres) com produtividade média nos últimos 4 anos de 2.800 kg/ha (41,66 bushel/acre equivalente a 46,66 sacas/ha) e que ao comercializar seu produto encontre o mercado operando a US$ 5,20/bushel (US$11,49/saca 60kg) receberá como subsídios do governo os seguintes valores:

  • Pagamento direto – US$ 0,44/bushel x 30.828 bushel = US$ 13.564,32

  • Empréstimo para comercialização - US$ 5,00/bushel x 30.828 bushel = US$ 154.140,00

  • Pagamento contra-cíclico – US$ 5,80 (preço mínimo) - US$ 0,44 (pagamento direto) = US$ 5,36 – preço gatilho

Como convencionamos que o mercado está operando a US$ 5,20/bushel, e o produtor já recebeu US$ 5,00/ bushel como empréstimo, o produtor poderá vender a soja no mercado e o governo complementa com US$ 0,16/bushel para garantir no final o preço mínimo de US$ 5,80/bushel (US$ 5,00 + US$0,44 + US$0,16)

US$ 0,16 x 30.828 = US$4.932,48

Mas o produtor pode preferir vender a produção ao governo pelo preço mínimo (semelhante ao AGF brasileiro). Neste caso, o produtor que já recebeu US$$5,00/bushel como empréstimo e US$0,44/bushel como pagamento direto, recebe do governo US$ 5,80-US$5,44 = US$0,36/bushel.

US$0,36 x 30.828 bushel = US$ 11.098,08

No total o produtor americano receberá do governo US$ 172.636,80 pela sua produção se vender no mercado, ou US$ 178.802,40 se exercer a opção de AGF. Já um produtor brasileiro, cultivando a mesma área e obtendo a mesma produtividade receberia apenas o valor referente ao preço de mercado, US$11,49/saca x 13.998 sacas = US$160.837,02.

A diferença, US$ 11.799,78 ou US$ 17.965,38 representa os subsídios recebidos pelo produtor americano.

Considerando a produtividade de 2800 kg/ha, a produção total foi de 840 toneladas de soja, então o subsídio corresponde a US$ 14,05/tonelada ou US$21,39/tonelada, conforme a modalidade de comercialização. Transformando esses valores em R$/saca de 60kg, os subsídios corresponderiam a R$ 2,39/sc ou R$ 3,63/sc.

Subsídios para áreas de conservação

A períodos pré- determinados abre-se a oportunidade para produtores interessados em aderir a programas de conservação nas áreas com matas preservadas ou em áreas de risco de erosão.

Na região de Lexinghton esses produtores podem receber de US$ 70,00 a US$ 130,00/acre/ano, equivalente a US$ 172,90 a US$ 321/ ha/ano, de acordo com as condições da terra, quanto mais crítica a situação maior o valor do prêmio.

Esses valores são pagos por um período de 10 anos.

O produtor assume a responsabilidade de manter a área vegetada, não havendo necessidade de implantação de espécies arbóreas.

O grupo da FAEP visitou uma área em recuperação cuja cobertura vegetal era uma espécie forrageira.

Não existe obrigatoriedade de manter reserva legal, passados esses 10 anos a área pode ser novamente explorada com culturas.

DTE / FAEP
Gilda M. Bozza

Maria Silvia C. Digiovani


Boletim Informativo nº 843, semana de 22 a 28 de novembro de 2004
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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