ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino
Zavascki e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.
Sustentou
oralmente o Dr. Luiz Antônio Muniz Machado, pelo recorrente.
Brasília
(DF), 3 de agosto de 2004 (Data do Julgamento)
Ministro José
Delgado
Relator
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO
JOSÉ DELGADO (Relator):
A Confederação Nacional da Agricultura - CNA ingressou em juízo, em
23.09.2000, com ação ordinária de cobrança contra o agricultor E.Z. para o
fim de receber contribuição sindical rural que entende lhe ser devida.
O acórdão
recorrido confirmou parcialmente a sentença de primeiro grau, reconhecendo o
valor cobrado na inicial, acrescido de correção monetária e multa
moratória de 20% sobre o valor atualizado, juros de mora de 1% ao mês
contados do mês seguinte ao do vencimento e honorários advocatícios de 20%
sobre o total da condenação.
Recorre a
confederação para que a aplicação da multa, dos juros de mora e da
correção monetária incidam a partir do vencimento da contribuição,
alegando que deve ser observado o art. 600 da CLT.
É o
relatório.
SINDICAL.
CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL.
1. A
contribuição sindical rural é exigida nos termos do art. 600 da CLT.
2.
Inaplicabilidade, ao caso, do art. 2º da Lei nº 8.022/90.
3. Recurso
especial provido.
VOTO
O SR. MINISTRO
JOSÉ DELGADO (Relator):
O acórdão reconheceu que a cobrança tinha procedência, pelo que o réu
estava obrigado a pagar a contribuição sindical exigida nos termos do art.
2º da Lei nº 8.022/90, haja vista ter regulado inteiramente a matéria que
era disciplinada pelo art. 600 da CLT.
Tem razão a
recorrente. Estão corretas as suas razões, conforme registros de fls. 68/71:
"Com
efeito, a Contribuição Sindical (tanto a urbana como a rural) existe no
mundo jurídico desde 1940, quando, por força do Decreto-lei 2377 foi criada
ainda com o nome de imposto sindical.
Depois, com o
advento da CLT, a Contribuição Sindical foi inserida nas suas disposições.
Sentindo o
legislador a necessidade de melhor definir o enquadramento dos contribuintes
da CSR e colaborar com os sistemas sindicais rurais (tanto o relativo aos
trabalhadores como relativo aos empresários) na arrecadação das respectivas
contribuições, uma vez que o campo era desorganizado e o sistema de
comunicação e transporte era extremamente precário, fez editar o
Decreto-lei 1166/71 e outorgou ao INCRA a responsabilidade pela arrecadação
das contribuições devidas à CNA e à CONTAG. Isso porque o Incra já
arrecadava o ITR dos proprietários rurais, detinha o cadastro dos produtores
rurais e atuava com facilidade no campo.
Entretanto,
constata-se do disposto no § 4º do art. 4º do Decreto-lei 1166/71, que a
arrecadação efetuada pelo INCRA era uma prestação de serviços
em favor da CNA e da CONTAG, por que diz textualmente, verbis:
'§ 4º. EM
PAGAMENTO DOS SERVIÇOS E REEMBOLSO DAS DESPESAS RELATIVAS AOS ENCARGOS
decorrentes deste artigo, caberão ao Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) 15% (quinze por cento) das importâncias arrecadadas,
que lhe serão creditadas diretamente pelo órgão arrecadador.' (destacamos)
Logo, o poder
conferido ao INCRA para cobrar a Contribuição Sindical Rural dos produtores
rurais, não transformou-a em imposto ou em RECEITA destinada àquele órgão.
Insista-se que o INCRA era um mero prestador de serviços de arrecadação das
contribuições devidas à CNA e à CONTAG. Sua "recompensa" eram
apenas os 15% que percebia pelo trabalho executado.
Por isso, não
se pode confundir a RECEITA de origem tributária devida ao INCRA com a
receita da sua prestação de serviços. As primeiras são regidas pelas
normas legais próprias, como, por exemplo o ITR. As decorrentes do
Decreto-lei 1166/71 não transformaram a CSR em "receita" do INCRA
e, por isso, devem prosseguir sendo regidas pelas normas que lhe são
aplicáveis, ou seja a CLT, inclusive o art. 600.
Para facilitar
a análise e o entendimento dos argumentos da Recorrente, pede-se vênia para
transcrever os artigos da Lei nº 8.022/90, nos quais se fundam os argumentos
do v. acórdão, in verbis:
'Art. 1º É
transferida para a Secretaria da Receita Federal a competência de
administração das receitas arrecadadas pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra), e para a Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional a competência para a apuração, inscrição e cobrança da
respectiva dívida ativa.
§ 1º A
competência transferida neste artigo à Secretaria da Receita Federal
compreende as atividades de tributação, arrecadação, fiscalização e
cadastramento.
§ 2º O Incra
manterá seu cadastramento para o atendimento de suas outras funções,
conforme o estabelecido no art. 2º do Decreto nº 72.106, de 18 de abril de
1973, que regulamentou a Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972.
§ 3º No
exercício de suas funções, poderá a Secretaria da Receita Federal realizar
diligências nas propriedades rurais para confrontar as informações
cadastrais prestadas pelos proprietários com as reais condições de
exploração do imóvel.
§ 4º Caberá
ao Poder Executivo, no prazo de cento e vinte dias a contar da vigência desta
lei, regulamentar os dispositivos relativos ao Sistema Nacional de Cadastro
Rural, promovendo as alterações decorrentes da transferência da
administração do Imposto Territorial Rural à Secretaria da Receita Federal.
Art. 2º As
receitas de que trata o art. 1º desta lei, quando não recolhidas nos prazos
fixados, serão atualizadas monetariamente, na data do efetivo pagamento, nos
termos do art. 61 da Lei nº 7.799, de 10 de julho de 1989, e cobradas pela
União com os seguintes acréscimos:
I - juros de
mora, na via administrativa ou judicial, contados do mês seguinte ao do
vencimento, à razão de 1% (um por cento) ao mês e calculados sobre o valor
atualizado, monetariamente, na forma da legislação em vigor;
II - multa de
mora de 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado, monetariamente, sendo
reduzida a 10% (dez por cento) se o pagamento for efetuado até o último dia
útil do mês subseqüente àquele em que deveria ter sido pago;
III - encargo
legal de cobrança da Dívida Ativa de que trata o art. 1º do Decreto-Lei nº
1.025, de 21 de outubro de 1969, e o art. 3º do Decreto-Lei nº 1.645,
de 11 de dezembro de 1978, quando for o caso.
Parágrafo
único. Os juros de mora não incidem sobre o valor da multa de mora.
Art. 3º
Aplica-se aos parcelamentos de débitos das receitas referidas no art. 1º
desta lei, concedidos administrativamente, a legislação prevista para o
parcelamento de débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional.
Parágrafo
único. O disposto neste artigo aplica-se, também, aos parcelamentos de
débitos relativos às contribuições de que tratam os Decretos-Leis nºs
308, de 28 de fevereiro de 1967, e 1.712, de 14 de novembro de 1979, e do
adicional previsto no Decreto-Lei nº 1.952, de 15 de julho de 1982.
Art. 4º Os
procedimentos administrativos de determinação e a exigência das receitas
referidas no art. 1º desta lei, bem como os de consulta sobre a aplicação
da respectiva legislação, serão regidos, no que couber, pelas normas
expedidas nos termos do art. 2º do Decreto-Lei nº 822, de 5 de setembro de
1969, e convalidadas pelo § 3º do art. 16 da Lei nº 7.739, de 16 de março
de 1989'."
Nesse sentido
se vislumbra a reiterada jurisprudência deste Tribunal acerca da matéria:
"PROCESSUAL
- ADMINISTRATIVO - CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE AGRICULTURA - CONTRIBUIÇÃO
SINDICAL RURAL PATRONAL - COBRANÇA - LEGITIMIDADE.
- A
Confederação Nacional de Agricultura tem legitimidade para cobrar
Contribuição Sindical Rural Patronal." (REsp nº 315919/MS, Rel. Min.
Garcia Vieira, DJ em 05/11/2001)
"PROCESSUAL
CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL. CONFEDERAÇÃO
NACIONAL DA AGRICULTURA - CNA. PROVA ESCRITA. BOLETO BANCÁRIO. DOCUMENTO
HÁBIL À PROPOSITURA DA AÇÃO. PRECEDENTES.
1. Recurso
Especial interposto contra v. Acórdão que, reconhecendo a desnecessidade de
filiação a sindicato e fazendo distinção entre contribuição sindical e
confederativa, acolheu a guia de recolhimento expedida como documento hábil
à caracterização de prova escrita, com base no art. 1.102 "a", do
CPC.
2. O art.
1.102 "a", do CPC, dispõe que 'A ação monitória compete a quem
pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo,
pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado
bem móvel'.
3. A ação
monitória tem base em prova escrita sem eficácia de título executivo. Tal
prova consiste em documento que, mesmo não provando diretamente o fato
constitutivo do direito, possibilite ao juiz presumir a existência do direito
alegado. Em regra, a incidência da aludida norma legal há de se limitar aos
casos em que a prova escrita da dívida comprove, de forma indiscutível, a
existência da obrigação de entregar ou pagar, que é estabelecida pela
vontade do devedor. A obrigação deve ser extraída de documento escrito,
esteja expressamente nele a manifestação da vontade, ou deduzida dele por um
juízo da experiência.
4. A lei, ao
não distinguir e exigir apenas a prova escrita, autoriza a utilização de
qualquer documento, passível de impulsionar a ação monitória, cuja
validade, no entanto, estaria presa à eficácia do mesmo. A documentação
que deve acompanhar a petição inicial não precisa refletir apenas a
posição do devedor, que emane verdadeira confissão da dívida ou da
relação obrigacional. Tal documento, quando oriundo do credor, é também
válido - ao ajuizamento da monitória – como qualquer outro, desde que
sustentado por obrigação entre as partes e guarde os requisitos
indispensáveis.
5. In casu, a
cobrança de contribuição sindical rural encontra-se prevista em lei e a ela
todos estão vinculados ao se encontrarem na hipótese descrita na norma,
sendo devida em prol da entidade sindical correspondente à categoria. Para
tanto, a entidade lança a cobrança da dívida a partir de dados que permitam
o enquadramento do devedor na condição de integrante da categoria sobre a
qual incide a contribuição obrigatória, emitindo documento de dívida, o
qual é a guia de recolhimento acompanhada de demonstrativo da constituição
de crédito. Tem-se, pois, a prova escrita da existência da dívida
(contribuição sindical rural), perfazendo, assim, o documento hábil para a
instrução da ação monitória. (grifos
nossos)
6. A emissão
do boleto bancário concernente à contribuição em apreço, emitido pela
CNA, apesar de não possuir a anuência da parte devedora, constitui prova
escrita suficiente para ensejar a propositura do procedimento monitório,
tendo em vista que, gozando de valor probante, torna possível deduzir do
título o conhecimento da dívida e a condição do devedor como contribuinte,
por ostentar a qualificação cartular de proprietário rural.
7. Mesmo não
havendo a assinatura do devedor, a contribuição sindical rural é
título apto à propositura da ação monitória.
8. As guias de
recolhimento da contribuição sindical e a notificação do devedor que
instruem a petição inicial da ação monitória estão aptas à
demonstração da presença da relação jurídica entre credor e devedor,
denotando, portanto, a existência de débito, ajustando-se ao conceito de
'prova escrita sem eficácia de título executivo'.
9. Precedentes
das egrégias 1ª, 3ª e 4ª Turmas desta Corte Superior.
10. Recurso
não provido". (REsp nº 423131/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ em
02/12/2002)
Isso posto,
dou provimento ao recurso para determinar que a multa, os juros e a correção
monetária incidam a partir do vencimento da dívida.
É como voto.
CERTIDÃO DE
JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro:
2003/0233807-3 |
RESP
619172 / RESP |
Números
Origem: 14692000 2354155
PAUTA: 03/08/2004 |
JULGADO:
03/08/2004 |
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Relator
Exmo. Sr. Ministro JOSÉ DELGADO