PODER JUDICIÁRIO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JURISPRUDÊNCIA

RECURSO ESPECIAL Nº 619.172 - SP (2003/0233807-3)
RELATOR : MINISTRO JOSÉ DELGADO
RECORRENTE : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA - CNA
ADVOGADO : LUIZ ANTONIO MUNIZ MACHADO E OUTROS
RECORRIDO : E.Z.

EMENTA

SINDICAL. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL.
1. A contribuição sindical rural é exigida nos termos do art. 600 da CLT.
2. Inaplicabilidade, ao caso, do art. 2º da Lei nº 8.022/90.
3. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.

Sustentou oralmente o Dr. Luiz Antônio Muniz Machado, pelo recorrente.

Brasília (DF), 3 de agosto de 2004 (Data do Julgamento)

Ministro José Delgado
Relator

 

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): A Confederação Nacional da Agricultura - CNA ingressou em juízo, em 23.09.2000, com ação ordinária de cobrança contra o agricultor E.Z. para o fim de receber contribuição sindical rural que entende lhe ser devida.

O acórdão recorrido confirmou parcialmente a sentença de primeiro grau, reconhecendo o valor cobrado na inicial, acrescido de correção monetária e multa moratória de 20% sobre o valor atualizado, juros de mora de 1% ao mês contados do mês seguinte ao do vencimento e honorários advocatícios de 20% sobre o total da condenação.

Recorre a confederação para que a aplicação da multa, dos juros de mora e da correção monetária incidam a partir do vencimento da contribuição, alegando que deve ser observado o art. 600 da CLT.

É o relatório.

SINDICAL. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL.

1. A contribuição sindical rural é exigida nos termos do art. 600 da CLT.

2. Inaplicabilidade, ao caso, do art. 2º da Lei nº 8.022/90.

3. Recurso especial provido.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): O acórdão reconheceu que a cobrança tinha procedência, pelo que o réu estava obrigado a pagar a contribuição sindical exigida nos termos do art. 2º da Lei nº 8.022/90, haja vista ter regulado inteiramente a matéria que era disciplinada pelo art. 600 da CLT.

Tem razão a recorrente. Estão corretas as suas razões, conforme registros de fls. 68/71:

"Com efeito, a Contribuição Sindical (tanto a urbana como a rural) existe no mundo jurídico desde 1940, quando, por força do Decreto-lei 2377 foi criada ainda com o nome de imposto sindical.

Depois, com o advento da CLT, a Contribuição Sindical foi inserida nas suas disposições.

Sentindo o legislador a necessidade de melhor definir o enquadramento dos contribuintes da CSR e colaborar com os sistemas sindicais rurais (tanto o relativo aos trabalhadores como relativo aos empresários) na arrecadação das respectivas contribuições, uma vez que o campo era desorganizado e o sistema de comunicação e transporte era extremamente precário, fez editar o Decreto-lei 1166/71 e outorgou ao INCRA a responsabilidade pela arrecadação das contribuições devidas à CNA e à CONTAG. Isso porque o Incra já arrecadava o ITR dos proprietários rurais, detinha o cadastro dos produtores rurais e atuava com facilidade no campo.

Entretanto, constata-se do disposto no § 4º do art. 4º do Decreto-lei 1166/71, que a arrecadação efetuada pelo INCRA era uma prestação de serviços em favor da CNA e da CONTAG, por que diz textualmente, verbis:

'§ 4º. EM PAGAMENTO DOS SERVIÇOS E REEMBOLSO DAS DESPESAS RELATIVAS AOS ENCARGOS decorrentes deste artigo, caberão ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) 15% (quinze por cento) das importâncias arrecadadas, que lhe serão creditadas diretamente pelo órgão arrecadador.' (destacamos)

Logo, o poder conferido ao INCRA para cobrar a Contribuição Sindical Rural dos produtores rurais, não transformou-a em imposto ou em RECEITA destinada àquele órgão. Insista-se que o INCRA era um mero prestador de serviços de arrecadação das contribuições devidas à CNA e à CONTAG. Sua "recompensa" eram apenas os 15% que percebia pelo trabalho executado.

Por isso, não se pode confundir a RECEITA de origem tributária devida ao INCRA com a receita da sua prestação de serviços. As primeiras são regidas pelas normas legais próprias, como, por exemplo o ITR. As decorrentes do Decreto-lei 1166/71 não transformaram a CSR em "receita" do INCRA e, por isso, devem prosseguir sendo regidas pelas normas que lhe são aplicáveis, ou seja a CLT, inclusive o art. 600.

Para facilitar a análise e o entendimento dos argumentos da Recorrente, pede-se vênia para transcrever os artigos da Lei nº 8.022/90, nos quais se fundam os argumentos do v. acórdão, in verbis:

'Art. 1º É transferida para a Secretaria da Receita Federal a competência de administração das receitas arrecadadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a competência para a apuração, inscrição e cobrança da respectiva dívida ativa.

§ 1º A competência transferida neste artigo à Secretaria da Receita Federal compreende as atividades de tributação, arrecadação, fiscalização e cadastramento.

§ 2º O Incra manterá seu cadastramento para o atendimento de suas outras funções, conforme o estabelecido no art. 2º do Decreto nº 72.106, de 18 de abril de 1973, que regulamentou a Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972.

§ 3º No exercício de suas funções, poderá a Secretaria da Receita Federal realizar diligências nas propriedades rurais para confrontar as informações cadastrais prestadas pelos proprietários com as reais condições de exploração do imóvel.

§ 4º Caberá ao Poder Executivo, no prazo de cento e vinte dias a contar da vigência desta lei, regulamentar os dispositivos relativos ao Sistema Nacional de Cadastro Rural, promovendo as alterações decorrentes da transferência da administração do Imposto Territorial Rural à Secretaria da Receita Federal.

Art. 2º As receitas de que trata o art. 1º desta lei, quando não recolhidas nos prazos fixados, serão atualizadas monetariamente, na data do efetivo pagamento, nos termos do art. 61 da Lei nº 7.799, de 10 de julho de 1989, e cobradas pela União com os seguintes acréscimos:

I - juros de mora, na via administrativa ou judicial, contados do mês seguinte ao do vencimento, à razão de 1% (um por cento) ao mês e calculados sobre o valor atualizado, monetariamente, na forma da legislação em vigor;

II - multa de mora de 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado, monetariamente, sendo reduzida a 10% (dez por cento) se o pagamento for efetuado até o último dia útil do mês subseqüente àquele em que deveria ter sido pago;

III - encargo legal de cobrança da Dívida Ativa de que trata o art. 1º do Decreto-Lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, e o art. 3º do Decreto-Lei nº 1.645, de 11 de dezembro de 1978, quando for o caso.

Parágrafo único. Os juros de mora não incidem sobre o valor da multa de mora.

Art. 3º Aplica-se aos parcelamentos de débitos das receitas referidas no art. 1º desta lei, concedidos administrativamente, a legislação prevista para o parcelamento de débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, também, aos parcelamentos de débitos relativos às contribuições de que tratam os Decretos-Leis nºs 308, de 28 de fevereiro de 1967, e 1.712, de 14 de novembro de 1979, e do adicional previsto no Decreto-Lei nº 1.952, de 15 de julho de 1982.

Art. 4º Os procedimentos administrativos de determinação e a exigência das receitas referidas no art. 1º desta lei, bem como os de consulta sobre a aplicação da respectiva legislação, serão regidos, no que couber, pelas normas expedidas nos termos do art. 2º do Decreto-Lei nº 822, de 5 de setembro de 1969, e convalidadas pelo § 3º do art. 16 da Lei nº 7.739, de 16 de março de 1989'."

Nesse sentido se vislumbra a reiterada jurisprudência deste Tribunal acerca da matéria:

"PROCESSUAL - ADMINISTRATIVO - CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE AGRICULTURA - CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL PATRONAL - COBRANÇA - LEGITIMIDADE.

- A Confederação Nacional de Agricultura tem legitimidade para cobrar Contribuição Sindical Rural Patronal." (REsp nº 315919/MS, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ em 05/11/2001)

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA - CNA. PROVA ESCRITA. BOLETO BANCÁRIO. DOCUMENTO HÁBIL À PROPOSITURA DA AÇÃO. PRECEDENTES.

1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que, reconhecendo a desnecessidade de filiação a sindicato e fazendo distinção entre contribuição sindical e confederativa, acolheu a guia de recolhimento expedida como documento hábil à caracterização de prova escrita, com base no art. 1.102 "a", do CPC.

2. O art. 1.102 "a", do CPC, dispõe que 'A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel'.

3. A ação monitória tem base em prova escrita sem eficácia de título executivo. Tal prova consiste em documento que, mesmo não provando diretamente o fato constitutivo do direito, possibilite ao juiz presumir a existência do direito alegado. Em regra, a incidência da aludida norma legal há de se limitar aos casos em que a prova escrita da dívida comprove, de forma indiscutível, a existência da obrigação de entregar ou pagar, que é estabelecida pela vontade do devedor. A obrigação deve ser extraída de documento escrito, esteja expressamente nele a manifestação da vontade, ou deduzida dele por um juízo da experiência.

4. A lei, ao não distinguir e exigir apenas a prova escrita, autoriza a utilização de qualquer documento, passível de impulsionar a ação monitória, cuja validade, no entanto, estaria presa à eficácia do mesmo. A documentação que deve acompanhar a petição inicial não precisa refletir apenas a posição do devedor, que emane verdadeira confissão da dívida ou da relação obrigacional. Tal documento, quando oriundo do credor, é também válido - ao ajuizamento da monitória – como qualquer outro, desde que sustentado por obrigação entre as partes e guarde os requisitos indispensáveis.

5. In casu, a cobrança de contribuição sindical rural encontra-se prevista em lei e a ela todos estão vinculados ao se encontrarem na hipótese descrita na norma, sendo devida em prol da entidade sindical correspondente à categoria. Para tanto, a entidade lança a cobrança da dívida a partir de dados que permitam o enquadramento do devedor na condição de integrante da categoria sobre a qual incide a contribuição obrigatória, emitindo documento de dívida, o qual é a guia de recolhimento acompanhada de demonstrativo da constituição de crédito. Tem-se, pois, a prova escrita da existência da dívida (contribuição sindical rural), perfazendo, assim, o documento hábil para a instrução da ação monitória. (grifos nossos)

6. A emissão do boleto bancário concernente à contribuição em apreço, emitido pela CNA, apesar de não possuir a anuência da parte devedora, constitui prova escrita suficiente para ensejar a propositura do procedimento monitório, tendo em vista que, gozando de valor probante, torna possível deduzir do título o conhecimento da dívida e a condição do devedor como contribuinte, por ostentar a qualificação cartular de proprietário rural.

7. Mesmo não havendo a assinatura do devedor, a contribuição sindical rural é título apto à propositura da ação monitória.

8. As guias de recolhimento da contribuição sindical e a notificação do devedor que instruem a petição inicial da ação monitória estão aptas à demonstração da presença da relação jurídica entre credor e devedor, denotando, portanto, a existência de débito, ajustando-se ao conceito de 'prova escrita sem eficácia de título executivo'.

9. Precedentes das egrégias 1ª, 3ª e 4ª Turmas desta Corte Superior.

10. Recurso não provido". (REsp nº 423131/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ em 02/12/2002)

Isso posto, dou provimento ao recurso para determinar que a multa, os juros e a correção monetária incidam a partir do vencimento da dívida.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

PRIMEIRA TURMA

 

Número Registro: 2003/0233807-3

RESP 619172 / RESP

Números Origem: 14692000 2354155

 

PAUTA: 03/08/2004

JULGADO: 03/08/2004

   

Relator
Exmo. Sr. Ministro JOSÉ DELGADO

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. CÉLIA REGINA SOUZA DELGADO

Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA - CNA
ADVOGADO : LUIZ ANTONIO MUNIZ MACHADO E OUTROS
RECORRIDO : E.Z.
ASSUNTO: Direito Sindical - Contribuição - Sindical

SUSTENTAÇÃO ORAL

Sustentou oralmente o Dr. Luiz Antônio Muniz Machado, pelo recorrente.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 03 de agosto de 2004

MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária


Boletim Informativo nº 843, semana de 22 a 28 de novembro de 2004
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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