Viagem técnica da FAEP

Subsídios e transporte fazem
diferença na agricultura dos EUA

por L. C. Rizzo*


Grupo ouve palestra do fitopatologista Wayne Pederson,
da Universidade de Illinois, sobre a ferrugem da soja

Fortes politicamente, os agricultores americanos conseguem altos subsídios governamentais: em torno de US$ 12 bilhões por ano. O equivalente a US$ 42 por hectare/ano agrícola depositados religiosamente na conta bancária do agricultor. Ou através de preço mínimo de garantia ou de preço-alvo na comercialização. Se a cotação de mercado estiver lá embaixo, o governo aciona cotação remuneradora de tal forma que, quem investiu, não jogue dinheiro fora.

Segundo Erci Rund, diretor da associação rural de Champaign, não fossem os subsídios, eles já teria vendido sua propriedade há muito tempo. "Estaria trabalhando em fábrica, na cidade", diz o tranquilo e sorridente produtor de milho e soja.


   De acordo com Jonathon Evers, diretor-executivo do Departamento de Agricultura da Universidade Estadual de Illinois, orçamento anual de US$ 250 milhões, gradativamente, o governo deixou de subsidiar para o produtor não plantar. Este critério mantinha o equilíbrio entre oferta e demanda. Entre 2002 e 2007, o país terá que se ajustar às regras da Organização Mundial do Comércio e reduzir a montanha de dólares esparramada na conta dos agricultores a fundo perdido.


   Por enquanto, o subsídio prevê o pagamento de taxa fixa para cada cultura e desvinculada dos preços de mercado. O cálculo considera 85% da média da produtividade sobre a área plantada nos últimos cinco anos. Por bushel, o milho é contemplado com US$ 0,28; trigo (US$0,52); e soja (US$ 0,44).

Reconhecimento da sociedade - O governo também oferece empréstimo a juros subsidiados quando o preço de mercado desaba. Dá prazo de nove meses para a quitação, tempo suficiente para recuperação das cotações. E, se elas permanecerem até a recuperação. Se isto não acontecer, o governo banca preços mínimos que garantem margem razoável de rentabilidade. Afinal, aqui ninguém trabalha de graça. E muito menos com prejuízo, embora o risco faça parte de qualquer negócio.

Entre 2004 e 2007, o preço mínimo para o bushel de milho está fixado em US$ 1,95, soja (US$ 5) e trigo (US$ 2,80). Se as cotações não passarem disto, é acionado o chamado preço-alvo bancado pelo governo. Pelo bushel, milho (US$ 2,63), soja (US$5,80) e trigo (US$ 3,92).



Jonathan Evers, do USDA, explica como
funciona o sistema de subsídios
americanos para a agricultura



Produtores visitam terminal de grãos da Cargill,
no Rio Mississipi, em Iowa


   O cidadão comum norte-americano não reclama dos subsídios. Afinal, gastar pouco mais de US$ 12 bilhões anuais em subsídio é dinheiro de troco para quem produz mais de 30% do PIB (Produto Interno Bruto) do planeta. Algo em torno de US$ 10 trilhões anuais do PIB mundial pouco acima de US$ 34 trilhões/ano. "Os subsídios são uma gota d’água no oceano. Não fazem falta, a sociedade reconhece o esforço de quem produz alimentos. E quem não precisa comer?" diz Evers.

Pelo sim, pelo não, por força de acordos internacionais, os subsídios podem minguar. Daí porque quase todos os agricultores trabalham na propriedade e dispõem de uma segunda ocupação profissional. Na cidade. Mesmo porque, seria muito

entediante passar seis meses dentro de casa, na mais completa ociosidade, olhando pela janela a neve que cobre tudo. Inclusive os campos de plantação.

Logística - No país mais rico do planeta, a logística de transportes é feita com bom senso. Nos EUA 70% das cargas são transportadas por rios – Mississipi, por exemplo - enquanto as ferrovias se encarregam de transportar 20%. Às rodovias, fica a fatia de 10% do transporte de mercadorias. Mesmo assim, para pequenas distâncias que não ultrapassam três horas de viagens. Com direito a tranqüilas paradas nos postos de beira de estrada. Em média, uma carreta não percorre mais de 200 km entre o local que recolheu a carga e o destinatário final.


   O Mississipi, o principal rio dos Estados Unidos e responsável por historicamente impulsionar a economia deste país de 9,3 milhões de km2, apresenta mais de 2.000 km navegáveis. Corta o país do norte até o Golfo do México. Deste ponto, ainda em território americano, onde as mercadorias são exportadas a todos os pontos do planeta. Se o destino for a Europa, os navios deslizarão pelo oceano Atlântico. Caso o endereço final seja a Ásia, a opção é pelo Canal do Panamá. No Missisipi, em direção à linha do Equador, gigantescos containers deslizam suavemente pela força da gravidade. É mais barato.



Questão de custo
- Cena comum nas margens em suas margens é o funcionamento de terminais de grandes corporações, a exemplo da Cargill. Este rio também é muito explorado turisticamente. Grandes navios movidos a vapor fazem parte do cenário levando muita gente de cabelos brancos que goza a terceira idade com muita qualidade. E dinheiro de plástico no bolso (cartão de crédito) depois de uma vida de muito trabalho.

Nesta época do ano (outubro), o velho e lendário Missisipi mostra sua generosidade. Mesmo sendo época de alta demanda temporária, por causa da safra de cereais, o transporte de uma saca de soja ou milho (60 kg), por 1.300 km, custa em média US$ 1 (quase R$ 3). Na entressafra, este preço cai pela metade. Ou até a US$ 0,2/saca. As tarifas para transporte ferroviário são quase idênticas. Mas, os americanos – por tradição – optam mais pelos rios.


Sindicatos vendem de tudo,
e todos podem ser sócios


   Os farm bureau – equivalentes aos sindicatos rurais brasileiros - no Meio-Oeste americano não exercem uma ação sindical, como acontece no Brasil. Mas defendem a categoria em todas as instâncias. E não se limitam à atividade agrícola.

Em Champaign, Estado de Illinois, Eric Rund – diretor da entidade, de baixa estatura e semblante latino, fugindo ao estereótipo do cidadão norte-americano – lembra ter sido esta associação fundada em 1921. Conta com 10000 sócios, dos quais apenas 2.500 agricultores. Como assim? Associação rural, nos EUA, vende seguros pessoais, contra granizo, para automóveis, caminhões e imóveis residenciais e comerciais.



Grupo paranaense chega para palestra técnica no
"Sindicato Rural" de Champaign, em Illinois


   O sócio, produtor rural ou não, paga US$ 50 por ano. Para quem comprar seguro, a anuidade cai para US$ 20. São 30 diretores formados exclusivamente por agricultores.



Campo de soja queimado pela geada, em Kouts, Indiana


   A arrecadação serve para manutenção da estrutura administrativa e para lobby político junto ao Congresso Nacional, em Washington. Afinal, são os políticos que definem – em forma de leis – as regras do jogo em todas as áreas.

A associação rural também investe em marketing. Quando necessário, uma comitiva desloca-se à Europa para convencer os consumidores deste continente de que comer soja transgênica não os transforma em Frankstein. A propósito, a soja transgênica vai para ração animal. E a não transgênica, para alimentação humana.


Conscientização
- O Farm Bureau não se descuida de nenhuma área. Politicamente, investe nas escolas equivalentes ao primeiro grau para que estudantes de hoje – adultos e líderes de amanhã – cresçam defendendo as bandeiras de quem produz alimentos. Aliados da agricultura desde pequenos, por que não?

Em Dekalb, 90 mil habitantes, a associação rural tem 6.500 sócios, dos quais apenas 1.500 produtores rurais. Todos podem se filiar. Basta que adquiram seguro ou outros bens e serviços vendidos pela entidade rural. Embora esta associação não venda insumos, porém, desenvolve programa de extensão rural em parceria com a Universidade Estadual de Illinois.

Nesta região, cerca de 85% das propriedades rurais são inferiores a 50 hectares. Área pequena, mas que se torna bem maior porque, enquanto 25% produzem em terra própria, os restantes 75% aumentam a área plantada mediante arrendamento. Aqui, para compra, o hectare custa US$ 10.000. E o arrendamento anual – US$ 333/hectare.

Uma típica família de produtores rurais desembolsa por ano US$ 50 mil para despesas pessoais de seus membros. Paga não menos de US$ 8.000 em impostos. A receita adicional – em torno de US$ 25.000 – vem da segunda atividade (urbana) durante a entressafra e/ou no inverno.

Impressiona a receita anual desta associação rural: R$ 1,3 milhão. Dinheiro vindo de aluguel de parte de suas instalações (20%), venda de seguros (10%), dividendos da fabricante de sementes de milho Dekalb (60%) e associados (10%). Há décadas, os associados acreditaram na potencialidade de crescimento desta conhecida multinacional de sementes cujo nome é o nome da cidade onde está sediada. E até hoje recebem dividendos. Os americanos pensam grande. E a longo prazo. Tudo precedido, obviamente, de muito planejamento.


Produtores organizados e
mobilizados politicamente



Produtor Vince Faivre, de Dekalb, Illinois,
que diversificou a propriedade para
alcançar equilíbrio financeiro


   Vince Faivre é o típico produtor rural do meio-oeste americano. A exemplo de seus companheiros, planta soja transgênica, toca a fazenda de 290 hectares com sua esposa e filhos. Empregado, só em último caso. Produz milho, soja, ervilha e trigo. E faz terminação de suínos para complementar a renda. A redução de custos de fertilizantes nas lavouras se dá pelo emprego do adubo dos porcos. E a criação dos suínos tem no milho da propriedade um meio para redução de custos.

Faivre diversifica para assegurar equilíbrio financeiro. Se uma cultura está com o preço lá em baixo, a outra – aquecida – permite uma certa tranqüilidade. Enquanto a produtividade de soja alcança 64 sac/hectare, no milho são mais de 300 sc/hectare. Cuidadoso, consciente de ser o solo a base de tudo, faz análise a cada três anos para saber a dose exata de aplicação de fertilizantes. Não dá para rasgar dólares impunemente. Em muitos casos, os agricultores coletam

amostras do solo a cada 100 m2 da área cultivada. O resultado é mais preciso.

Defesa da categoria - Além das atividades cotidianas, Faivre está sempre envolvido politicamente na defesa de sua categoria. Ex-presidente da Associação Rural de Dekalb, agora faz parte da diretoria. "Sem remuneração", explica logo, recebendo ajuda de custo simbólica: US$ 40 dólares por ano. É um dos 24 integrantes da comissão municipal de agricultura eleitos pelo voto direto. Faz parte ainda das associações de produtores de milho, soja e suínos.


   Por aqui, a prática de lobby (pressão política sobre governo e congresso nacional) é exercido com naturalidade. É amparada por lei. Não tem a conotação que recebe no Brasil, confundido com pagamento de propina e corrupção. O lobby, porém, é feito não de forma isolada pelos produtores, mas através de cadeias produtivas de cada segmento. Todos, assim, ficam fortalecidos. E nas eleições legislativas, os agricultores saem às ruas pedindo votos aos seus legítimos representantes.

Consciência política à parte, Faivre está acostumado à forte competição que marca a sociedade norte-americana. Diz praticar sempre o jogo limpo em sua atividade profissional. "Ganha



Visita técnica ao produtor Chris Birky,
em Kouts, estado de Indiana

quem tiver mais competência", resume. Crê na redução da área plantada de soja nos EUA por conta do crescimento dos concorrentes diretos – Brasil e Argentina, principalmente. Por isso, prioriza a produção de milho.

Não toma uma só decisão em relação ao próximo plantio antes de analisar tendências de mercado, estoques mundiais, custos de produção, previsão de clima e outros dados. "Não dá pra arriscar, plantar e depois ver o que acontece,", acentua. Seria muito amadorismo para uma atividade que exige cada vez mais competência e profissionalismo. Tanto acima quanto abaixo da linha do Equador.


Paranaenses avaliam
lições da missão técnica



Missão técnica visita fazenda experimental da
Universidade de Illinois


   Depois de uma semana visitando inúmeras propriedades rurais, discutindo com pesquisadores e analistas de mercado do meio-oeste americano, lideranças rurais de diferentes regiões do Paraná e representantes de entidades ligadas ao agronegócio que integraram a missão técnica da Federação da Agricultura do Paraná (Faep) na viagem aos Estados Unidos, na primeira quinzena de outubro, resumem as suas impressões:

Ser e não ter - Renato Fontana, presidente do Sindicato Rural de Umuarama: "Os Estados Unidos são a maior potência do planeta, inclusive na agricultura, porque aqui vale mais o que o indivíduo é do que o ele tem. Praticam o jogo do ganha-ganha. Seus antepassados foram colonizadores que

desbravaram terras hostis para criar cidades. No Brasil, os portugueses saquearam tudo. Não estavam interessados em colonizar, mas sim em saquear. Os espanhóis fizeram o mesmo no restante do continente americano. Por trás disto, a diferença entre o pensamento católico e o pensamento protestante. O primeiro incentiva a rapina. O segundo crê ser benção de Deus o lucro, desde que obtido com honestidade e prática de justiça social."

Flávio Turra (gerente técnico-econômico da Organização das Cooperativas do Paraná-Ocepar) – "Os produtores rurais brasileiros precisam se organiza politicamente, em suas entidades representativas. Isoladamente, não se chega a lugar algum. É preciso também muita cautela antes de qualquer investimento. Não dá pra arriscar por arriscar. E há que se ter poupança diante do cenário de baixos preços dos produtos agrícolas nos próximos anos."


   João Miguel Toledo Tosato, agrônomo da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná: "Sem organização e planejamento, nada feito. Principalmente na produção de alimentos. Ao comprar insumos, o produtor pergunta qual o preço. E na venda de sua colheita, ele não coloca seu preço. Os compradores é que fazem isto. Muito diferente de outros setores produtivos".

Mudança de mentalidade - Onildo Benvenho (Sebrae): "precisamos criar uma elite pensante no campo. O programa Empreendedor Rural, em parceria com Sebrae, Senar e Faep, aponta nesta direção. Mesmo porque, não existe outro caminho. O setor


precisa de um profundo choque de mudança de mentalidade."

Livaldo Gemin, diretor da Federação da Agricultura do Paraná: "esperamos que as viagens técnicas da Faep repassem aos nossos dirigentes rurais, que atuarão como difusores, a certeza de que é preciso avançar mais no modelo gerencial e na forma de conduzir a propriedade rural. O mercado descarta quem não for competente. Apenas lamentar não é o suficiente para a continuidade no negócio".

Dalton Celeste Rasera (assessor técnico da Faep): "os americanos nos ensinam: temos que eleger representantes políticos efetivamente compromissados com o campo. As mudanças das regras do jogo, afinal, acontecem através das leis. Temos que sair da zona de conforto e nos mobilizarmos. Não podemos passar por esta vida sem nada construir."

Ação no lugar da lamentação - Paulo Buso, presidente do Sindicato Rural de Santo Antônio da Platina: "Os americanos são o que são por causa de uma só palavra: Educação. E este processo começa em casa, dentro da propriedade rural".

Hilda Margriet Rabbers de Geus, produtora de suínos: "Eles estão convictos de onde querem chegar. Investem muito no planejamento e não ficam encostados no muro das lamentações. Agem em vez de ficarem lamentando."



   Laurindo Tasca, presidente do Sindicato Rural de Céu Azul: "Dedicação total. Isto que os americanos nos mostram. Marido, mulher e filhos colocam a mão na massa. Não tem moleza pra ninguém porque todos usufruem. Impressiona o alto grau de tecnologias. Também considero muito avançados a organização sindical e os resultados alcançados pela pesquisa. Impressionante."

Foco no negócio - José Mendonça, presidente do Sindicato Rural de Arapongas: "Confesso: antes, sentia uma certa raiva dos americanos. Mudei de idéia. Eles no dão uma lição de extremo profissionalismo, foco no negócio, planejamento.

Sabem o que querem e como chegar lá. Não por acaso que são respeitados e o povo nem reclama dos subsídios concedidos diretamente aos agricultores. Todos reconhecem o papel do produtor de alimentos. Esta conscientização começa nos primeiros anos escolares e acompanha o cidadão durante toda sua vida."

Ângelo Mezzomo, presidente do Sindicato de Coronel Vivida: "com moderníssmos maquinários e tecnologias, os agricultores daqui produzem com facilidade. O tempo para reclamar é substituido pelo tempo para trabalhar de forma planejada, sem stress ou correria. Se tudo correr bem, acho que demoraremos no mínimo 20 anos para nos igualarmos a eles."

Claudomiro Rodrigues da Silva, presidente do Sindicato Rural de Apucarana: "Cada agricultor norte-americano faz a sua parte. Não tem essa de "faz pra mim". Ele é empresário rural, sabe que seu negócio precisa ter liquidez. Não tem vergonha do lucro e sim do prejuízo."

Denilson da Rocha e Silva, diretor do Sindicato Rural de Cianorte: "impressiona como os norte-americanos aproveitam ao máximo a terra. Muito interessante o seu conceito de planejamento e logística (escoamento da produção). São itens que fazem uma grande diferença no balanço final. Isto sem contar no forte envolvimento familiar nas tarefas da propriedade."

Marcos Esteves, diretor do Sindicato Rural de Andirá: "em todos os aspectos, são muito bem organizados. Sabem se estão ganhando ou perdendo. Eles nos deixam a lição de que, mais importante que investir em terra, é investir na terra. Em vez de comprar, eles arrendam terras e ampliam a produção com custos menores."

Marco Antônio Saldanha Dutra, presidente do Sindicato Rural de Marialva: "o olho do dono é que engorda a boiada. Não sei se os agricultores americanos conhecem este ditado, mas o levam ao pé-da-letra tamanho o envolvimento familiar e o foco no negócio. Como não são loucos e nem comem vidro, planejam com muito critério cada plantio. Entram pra ganhar. Se o mercado não corresponder, pressionam o governo, conseguem subsídios e não ficam no vermelho. Questão de consciência de classe".

* O jornalista L.C. Rizzo,
de Maringá, participou da viagem técnica da FAEP aos Estados Unidos.


Boletim Informativo nº 841, semana de 8 a 14 de novembro de 2004
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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