Abusividade e juros
remuneratórios

O critério da abusividade na contratação de juros tem se mostrado palco de polêmica doutrinária e jurisprudencial, em razão, quase sempre, do caráter subjetivo desse conceito, cujo instituto ganhou realce no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Nos últimos anos alguns consideraram abusivos os juros que incidissem sobre o capital mutuado acima de certos percentuais. Estabeleceram o patamar de doze por cento ao ano.

Finalmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou-se nos julgados da Segunda Seção, os quais militam no sentido de que o fato dos juros contratuais no mútuo financeiro serem cobrados em percentual superior a doze por cento ao ano não lhes outorga a pecha de abusivo, inobstante se aplique à espécie (instituições financeiras e mutuários) as determinantes do CDC, onde se inclui a nulidade da cláusula abusiva ou excessivamente onerosa.

Nesse sentido, a decisão proferida no RE nº 631.805-RS, DJ de 04/06/2004, pág. 353, onde explica a posição da Corte: "... omissis... Também consolidada nesta Corte orientação de que, embora certa a incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos bancários, a abusividade da pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos, sendo insuficiente o só fato de a estipulação ultrapassar 12% ao ano ou de haver estabilidade inflacionária do período (REsp’s ns. 271.214-RS, 407.097-RS e 420.111-RS).

Por seu turno, o entendimento contido no RE nº 554.890-RS, DJ de 12/12/2003, pág. 397, estabelece o conceito atual da abusividade em substrato de juros remuneratórios praticados pelo sistema financeiro: "... omissis... I – Os juros pactuados em limite superior a 12% ao ano somente são considerados abusivos quando comprovado que discrepantes em relação à taxa de mercado, após vencida a obrigação. Destarte, embora incidente o diploma consumerista aos contratos bancários, preponderam, no que se refere à taxa de juros, a Lei 4.595/64 e a Súmula 596/STF... omissis..."

Resta à parte a demonstração no procedimento, na fase cognitiva, de que houve desequilíbrio contratual em razão de abusividade ou outro fato ensejador. Não se deve perder de vista, que o atual Código Civil oferece destaque à possibilidade do controle difuso da licitude nos atos jurídicos, bem como exige o cumprimento da função social dos contratos. Acha-se, modernamente, relativizado o princípio da autonomia contratual, dando lugar à boa-fé objetiva. Assim, nesse passo, tais temas e questões terão que ser agitadas e debatidas em primeiro grau de jurisdição, até porque, dependerão de alegações e provas, as quais não mais serão examinadas na instância do STJ, porque ao recurso especial importa a questão de direito e não a questão de fato. Não cabe a ele reexaminar a prova ou revolver o fato. Examina apenas a legalidade da aplicação da norma ao objeto da litiscontestação.

Vai daí que nos temos do entendimento atual da jurisprudência do STJ, os juros superiores a doze por cento ao ano não constituem por si só impeditivo contratual, devendo, outrossim, a abusividade eventual ser demonstrada caso a caso, lastreada na prova dos autos, nas instâncias primitivas.


Djalma Sigwalt
é advogado, professor universitário e consultor jurídico da FAEP


Boletim Informativo nº 841, semana de 8 a 14 de novembro de 2004
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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