Viagem Técnica da FAEP

Americanos reclamam do custo, mas
não abrem mão da soja transgênica

Por Marcos Tosi*


Agricultores paranaenses entrevistam o produtor
norte-americano Chris Birky, no quintal da casa dele,
em Kouts, estado de Indiana

O custo da taxa tecnológica paga à empresa Monsanto já representa 40% dos gastos que os produtores americanos têm a cada safra com sementes e herbicidas. Apesar da irritação com a escalada nos "royalties" das sementes resistentes ao glifosato, os produtores dos EUA fazem as contas e concluem: mesmo com o prêmio para plantar o produto convencional, continua sendo vantajoso cultivar soja modificada geneticamente.

A realidade das lavouras e da economia rural norte-americana foi conhecida por um grupo de 39 produtores rurais e técnicos do Paraná, que, de 8 a 16 de outubro, visitou fazendas, universidades, associações de produtores e terminais de grãos nos estados de Illinois, Indiana e Iowa. Foi o segundo grupo liderado pela FAEP a visitar os EUA neste ano.


   Antes, em 1999, a FAEP já havia levado grupos de produtores rurais para os Estados Unidos com o mesmo objetivo de verificar in loco o funcionamento da maior agricultura do planeta, que tem no Brasil seu principal concorrente.


   Um dos produtores visitados pela missão técnica paranaense foi Craig Birky, de 41 anos, que cria suínos, cultiva milho e soja numa propriedade de 600 hectares em Kouts, Indiana. Para otimizar os resultados, ele compartilha os maquinários com um irmão, também agricultor, e associou-se a um frigorífico local na produção de frios de carne suína.

Chris Birky acha difícil retornar ao cultivo da soja não-transgênica. "Administrar uma lavoura convencional envolve muito tempo e intenso manejo. E para nós tempo é dinheiro. O que sei é que com os transgênicos nossas lavouras alcançam um desempenho melhor, os grãos se desenvolvem melhor, há mais consistência na produtividade e um


O produtor Craig Birky com a esposa, Beth Birky, durante
conversa com comitiva paranaense

controle eficiente das ervas daninhas". A produtividade média da soja transgênica, na região, é de 2.400 kg/ha, enquanto, no milho, chega a picos de 12.500 kg/ha. O primo de Chris, Craig Birky, experimentou voltar ao sistema convencional em duas áreas da propriedade, mas diz que não valeu a pena, mesmo recebendo um prêmio de 30 centavos de dólar por bushel (60 centavos de dólar por saca de 60 kg) pelo produto não-transgênico. "Os custos praticamente se equivalem, por que perde-se muito tempo e dinheiro combatendo as ervas daninhas, sem contar que os outros herbicidas também são caros", afirma Craig.



De caneta e caderno na mão, paranaenses anotam tudo
sobre a produção e produtividade dos americanos


   Se o uso de sementes transgênicas para a soja já é um fato consolidado nos Estados Unidos, o mesmo não acontece em relação ao milho modificado geneticamente. Enquanto a soja transgênica é cultivada em mais de 90% das lavouras, o milho atinge apenas 40% ou até menos. O produtor Vince Faivre, de Dekalb, diz que "simplesmente não compensa plantar milho transgênico, por causa do alto valor da taxa tecnológica".

Alguns agricultores do município de Champaign, em Illinois, organizaram no início do ano uma viagem técnica à Europa para conhecer melhor a posição dos europeus em relação aos transgênicos. O diretor do Sindicato Rural de Champaign, Eric Rund, disse que se surpreendeu ao descobrir que a rejeição vem

da opinião pública, e não é inspirada somente em motivos políticos, como imaginava. Seja como for, Eric Rund diz que o prêmio pago pelos cerealistas hoje nos Estados Unidos, para o produto convencional, não tem sido suficiente para fazer os americanos desistirem dos transgênicos. "Agora os próprios europeus já estão aprovando algumas variedades de transgênicos e o Congresso brasileiro quer liberar sua utilização, então, tudo indica que o mundo caminha nesta direção", avalia Rund.

Na opinião de técnicos e produtores visitados pelos paranaenses, boa parte da polêmica atual em torno dos transgênicos poderia ter sido evitada, por ocasião do lançamento da tecnologia. Eric Rund acredita que não haveria tanto barulho se a opinião



Tim Stoner, produtor de Valparaíso, que diversificou a
propriedade e hoje está também no negócio de lenha

pública primeiro fosse informada dos benefícios da modificação genética para o meio ambiente e para a saúde humana. "Nós necessitamos dos transgênicos. Esta tecnologia evita que milhões de toneladas de herbicidas sejam lançadas ao solo a cada ano. O erro foi não apresentar as coisas por este aspecto. O que dizer se, em vez da soja transgênica, os consumidores primeiro fossem apresentados ao arroz dourado, alterado para ter alto percentual de vitamina A?", pergunta Rund. A segunda geração de transgênicos procura ir exatamente nesta direção. Hoje cientistas no Brasil e no exterior desenvolvem variedades que deverão ajudar a combater a desnutrição em países pobres e populosos. Entre os experimentos estão uma batata transgênica com mais lisina (aminoácido fundamental ao crescimento), milho com menos carboidrato e mais proteína, cevada para produzir cerveja com elementos anti-cancerígenos e óleo de cozinha com pouca gordura saturada.



José Mendonça, produtor de Arapongas, avalia a
qualidade da soja transgênica americana


   Os produtores americanos acreditam que hoje se ganha e se perde dinheiro, cada vez mais, na hora da comercialização. "Temos que vender melhor a nossa soja para compensar os custos de produção", diz Chris Birky. Mesma linha de pensamento tem o consultor financeiro Paul Kram Jr, que atua para empresas e produtores rurais na Bolsa de Chicago: "Hoje a maioria dos produtores, seja no Brasil ou nos Estados Unidos, sabe conduzir bem suas lavouras. O desafio já não é saber produzir, mas como vender as commodities, saber usar os mecanismos de comercialização".

O agricultor Tim Stoner, de Valparaíso, a 100 km de Chicago, já havia sido visitado por um grupo de produtores rurais da FAEP, em 1999. No intervalo de tempo entre as visitas, a família de Tim cresceu com

a chegada de dois meninos gêmeos. E Tim também tratou de ampliar a diversificação da propriedade; hoje, além de produzir soja e milho em 300 hectares, ele tem uma revenda de lenha para abastecer as lareiras da região durante o inverno. Tim melhorou as perspectivas de comercialização, depois de construir dois silos anexos à sede da fazenda. "Agora posso guardar parte dos grãos e vender quando o preço está melhor", diz Tim Stoner.



Paranaenses ouvem palestra sobre organização e
associativismo rural no Sindicato Rural de Dekalb, em Illinois


   Quanto estão ganhando hoje, por hectare, os produtores de grãos americanos? Alguns desconversam, outros mostram números pouco otimistas. Doug Dashner, diretor do Sindicato Rural de Dekalb, disse que, descontados todos os custos (mão-de-obra, valor da terra, energia, equipamentos e benfeitorias), o retorno líquido é de apenas US$ 24 por hectare. E, segundo ele, estão incluídos nesta conta os subsídios garantidos pelo governo na forma de pagamentos diretos e preços mínimos (em média US$ 42 por hectare). Para o presidente do Sindicato Rural de Coronel Vivida, Ângelo Mezzomo, a conta dos americanos é um pouco exagerada. "Já estão incluídos aí o salário deles e dos empregados e até o suposto lucro que teriam, caso aplicassem no mercado o quanto vale seus imóveis".


   Mas Mezzomo concorda que, mesmo para os americanos, as margens operacionais na agricultura estão ficando cada vez mais apertadas. "A mão-de-obra é cara. Eles pagam um imposto alto, de 75 dólares por hectare para o município. Muitos trabalham fora para complementar a renda".

Como conclusão da visita, o produtor diz estar convencido de que é preciso liberar os transgênicos no Brasil. "Não tem meio de sobreviver se não produzirmos mais barato. É a mesma coisa que querer plantar na enxada. Com a tecnologia transgênica, sobra tempo para o agricultor diversificar a produção e até fazer melhorias na propriedade", afirmou.



Marco Arthur Saldanha, produtor de Marialva, observa
estrutura de propriedade norte-americana
 

Luta contra o relógio para deter a ferrugem da soja

"Nunca, na história americana, se gastou tanto dinheiro para pesquisar uma doença que ainda nem chegou às lavouras do país". A afirmação, do fitopatologista do Centro Experimental da Universidade Estadual de Illinois, Wayne Pederson, refere-se aos recursos destinados para pesquisa sobre a ferrugem da soja, doença fúngica instalada no Brasil e que há anos vem tirando produtividade das lavouras asiáticas. Na última safra o fungo causador da ferrugem, que se prolifera pelo ar, já se alastrou para a Bolívia e a Venezuela e, teme-se, chegará em breve às lavouras americanas. O prognóstico de Pederson é de que ainda levará cerca de dez anos até que os cientistas desenvolvam variedades totalmente resistentes à ferrugem da soja. Até lá, os melhoristas de sementes devem oferecer cultivares apenas parcialmente resistentes e o combate terá de ser feito com aplicações de fungicidas nas fases iniciais da doença.

Um estudo divulgado pela Embrapa, em abril deste ano, mostrou que o Brasil perdeu 4,5 milhões de toneladas de soja na safra 2003/2004 por causa da ferrugem da soja. Somados aos gastos com agrotóxicos, os prejuízos com a doença chegaram a US$ 2 bilhões.

Segundo o patologista Monte Miles, da Universidade de Illinois, já foram avaliados, desde 1961, 20.500 cultivares resistentes à ferrugem da soja. Destas, 400 foram selecionadas para pesquisas mais aprofundadas; mas, até agora, todas apresentaram resistência apenas parcial. A busca de um antídoto contra a ferrugem é questão de segurança nacional dos EUA. Os fungos que causam a doença são estudados em estufas em bases militares.

Os cientistas americanos também mantém estreita cooperação com empresas de pesquisa onde o fungo já chegou, no Brasil, Paraguai, África do Sul, Zimbábue, Tailândia, China, Vietnã e Nigéria. Ainda não se sabe como o esporo sobrevive no grão e na atmosfera, e que efeitos o clima, ventos e altitude tem sobre a disseminação do fungo.

O patologista Monte Miles diz que o importante é detectar a presença do fungo nos estágios iniciais de infestação, quando a ferrugem ainda não atingiu mais de 5% da lavoura. Ultrapassado este índice, mesmo com a aplicação de fungicidas as perdas são significativas e irreversíveis. Segundo a Embrapa, a ferrugem é facilmente confundida com outras doenças, como o crestamento bacteriano, o míldio e a mancha parda ou septoria.

O sintoma da ferrugem é visível na parte inferior da folha, que apresenta pontos salientes castanho-ferrugem.

Leia no próximo Boletim Informativo mais reportagens
sobre a viagem técnica dos produtores rurais paranaense aos EUA
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* Marcos Tosi é jornalista da FAEP e acompanhou o grupo de
produtores rurais na viagem técnica aos EUA.


Boletim Informativo nº 840, semana de 1 a 7 de novembro de 2004
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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