A grave crise internacional iniciada com os créditos de alto risco que, concedidos maciçamente nos EUA, nos últimos anos, resultou em uma onda crescente de inadimplência, está no epicentro da crise econômica mundial. Não se sabe quanto tempo será necessário para acomodar tamanha crise financeira.
A hecatombe financeira iniciada nos EUA vem a passos largos minando as bases da produção, comércio e emprego no mundo e aumentando o “risco da taquicardia do crédito levar à sincope o sistema produtivo”. O que está em jogo é a duração e a profundidade da recessão, já dada para a maioria das economias, e o risco de que mergulhem na depressão.
A expectativa é de que o ápice da crise se dará em 2009, afetando os fluxos financeiros demandados pelo comércio internacional. A limitação de crédito afetará, também, o plantio agrícola, em nível mundial, inclusive entre os países emergentes e entre eles, o Brasil.
Caso os governos cumpram a promessa de prover todo o crédito demandado pela economia, pode ocorrer exaustão das economias fiscais, com necessidade de aporte de novos capitais, se não quiserem que a recessão se amplie.
Os preços internacionais de produtos agrícolas diretamente ligados à fabricação de alimentos, como arroz, milho, soja e trigo tendem a apresentar melhor performance do que as cotações do petróleo ou dos metais em 2009. Essa expectativa é baseada no histórico de maior resistência das commodities agrícolas aos choques, em casos de desaceleração econômica global, ainda que seja praticamente inevitável, em certa medida, uma substituição do consumo de alimentos mais caros por opções mais baratas, o que ajuda a conter os preços. A demanda por commodities agrícola tende a ser menos elástica, menos dependente de fatores econômicos e mais vinculada ao crescimento populacional.
A queda das cotações internacionais dos principais produtos agrícolas no segundo semestre de 2008 e os problemas de crédito aos agricultores, em países exportadores e importadores como o Brasil, também poderão desestimular a produção, o que pode até apressar a recuperação de preços no curto e médio prazo.
A crise financeira global e seus reflexos sobre o nível de investimentos na produção agrícola em países em desenvolvimento, poderão provocar uma nova onda de elevação dos preços globais dos alimentos no longo prazo, segundo projeção do Food Policy Research Institute (IFPRI). Conforme o Instituto, esse movimento, se confirmado, pode elevar os preços de alimentos básicos em 27%, até 2020.
A queda dos preços do trigo deve reduzir a produção do cereal nos Estados unidos em 2009/10, segundo o relatório do U. S. Wheat Associates, entidade que reúne os produtores norte-americanos. Segundo esta entidade, os triticultores precisam comprar combustíveis, sementes, fertilizantes e herbicidas de forma antecipada para garantir a produção. Se os custos desses produtos não baixarem, ou o preço do trigo não aumentar, eles reduzirão o plantio no ciclo 2009/10. Segundo os produtores norte-americanos, os custos de produção em 2009/2010 serão muito mais altos que em 2008/09, o que pode favorecer a substituição do trigo por outra lavoura mais barata, como a soja e a canola.
Os Estados Unidos detém o maior market share mundial como exportador de trigo. Segundo avaliação da FAO, depois de uma produção recorde em 2008, a crise mundial faz com que as safras de trigo na Europa e nos Estados Unidos sejam reduzidas para 2009, devendo afetar, até mesmo, a produção de milho na Argentina, que pode ter queda de 15%. A FAO aponta que em 2008 o mundo registrou uma produção recorde de cereais. Mas, 963 milhões de pessoas no mundo continuam mal nutridas e o número de famintos aumentou em 100 milhões neste ano. Em 2008, grande parte do aumento da produção veio de países ricos.
O resultado da safra recorde foi uma queda relativa nos preços. Nas duas primeiras semanas de dezembro, o preço do trigo estava 40% abaixo do que foi registrado em dezembro de 2007. Mas o preço do arroz continuou 54% acima da média do ano passado. No Brasil, a alta do preço do arroz foi de 45% em 2008 e ficou entre 30% e 60%, acima da média de 2007, na Bolívia, Colômbia e Peru. Na América do Sul, a média de elevação do preço do pão foi de 25%. Portanto, no geral, os preços de alimentos continuaram relativamente altos e afetando os mais pobres. Em regiões como Afeganistão e Etiópia, os preços dos alimentos estão ainda 100% acima dos registrados em 2007.
É importante ressaltar que, mesmo com a recente queda de preços das commodities agrícolas, a partir do segundo semestre de 2008, os preços médios observados estão muito acima dos preços médios de 2007.
No total, 33 países ainda vivem em uma situação crítica em relação à fome. A produção recorde no mundo, portanto, simplesmente não chegou aos mais necessitados e, em 2009, a crise deve ser ainda pior. Isso porque a crise financeira internacional e a queda no consumo nos países ricos, devem afetar a produção nos países ricos em 2009. As safras de trigo na Europa e nos Estados Unidos devem ser menores. A safra de inverno americana é responsável por 80% da produção de trigo do maior exportador do mundo. Estima-se que, em 2009, sua área plantada deve ser reduzida de 3% a 4%. Também haverá redução da produção na Europa, mesmo com incentivos dados pela UE, e em outros grandes produtores, como Rússia e Ucrânia.
Acrescenta-se a esse cenário, a provável redução do uso de fertilizantes e herbicidas no cultivo das lavouras, diante dos custos elevados, comprometendo a produtividade. No Brasil, a elevação dos preços médios dos fertilizantes, em relação a 2007 foi de 98,6%. Os herbicidas tiveram aumento médio de 10,5%, destacando-se entre os de maior uso o Glifosato Nortox (+57,7%), Roundup Original (+52,1%) e o Roundup Transorb (+43,2%). Foi de 9,0% o aumento médio dos fungicidas/bactericidas (Rhodiauram SC +235,0%) e, entre os inseticidas/acaricidas, 5,7% (Tamaron BR +26,4%).
Nesse ambiente econômico, e diante da falta de crédito aos produtores, devido à crise e às incertezas sobre o preço mundial, e, considerando a característica cíclica da produção, pode-se esperar redução da produção no mundo, já para a safra 2009/10, seguida com nova reversão de preços, dessa vez favorável aos produtores, situação essa, que poderá persistir até a safra 2011/12. Estima-se, para a próxima safra, recuo de 5% no quantum produzido, para 650 milhões de toneladas; 34 milhões de toneladas a menos. Como visto, a oferta deve cair em todos os grandes produtores mundiais.
Esse cenário requer atenção especial do governo brasileiro, posto que as expectativas negativas geradas pela difícil comercialização da presente safra, os baixos preços ao produtor, a ausência de liquidez, as restrições de crédito para a indústria consumidora e para o plantio da safra vindoura, poderá induzir ao desestímulo o produtor nacional, quanto ao plantio da safra 2009/10. A redução da produção exigirá maiores importações, em um ambiente de safra mundial menor, com preços firmes e com dólar valorizado. O resultado será o sacrifício, ainda maior, da balança comercial do Brasil, já afetada pela crise financeira internacional, com saldo comercial menor em 38,2%, em relação ao ano de 2007, saindo de US$40,0 para US$24,7 bilhões.