O novo governo paraguaio do ex-bispo progressista Fernando Lugo, empossado em agosto último e eleito sob a bandeira da reforma do Tratado de Itaipu, encontrou no Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) aliado pronto a encampar a sua causa no Brasil. Ao aceitar pressurosamente o papel de quinta-coluna que foi instado a assumir por seus interlocutores em Assunção, com os quais mantém estreitos vínculos ideológicos, centrados na Teologia da Libertação, a incendiária organização se coloca em rota de colisão com o governo brasileiro - que o sustenta generosamente. Na defesa do interesse estratégico nacional, o presidente Lula está firmemente decidido a manter a integridade do acordo firmado pelos dois países em 1973.
O Planalto não
objeta a que o Paraguai faça uma auditoria da sua dívida de US$ 19
bilhões originária da construção da usina binacional. Mas se opõe à
pretensão de Lugo de obter uma elevação significativa do preço que o
Brasil paga ao seu país pela energia de Itaipu (US$ 45,31 brutos por
megawatt). O governo brasileiro tampouco aceita a reivindicação
paraguaia de vender a outros países, e não apenas ao Brasil, como
estipula o tratado, a parte que lhe pertence da geração da usina. (O
Paraguai consome não mais de 5% do fornecimento de Itaipu.) O objetivo
imediato de Lugo é duplo: de um lado, ampliar a pauta de conversações
com Brasília - o que, em si, é legítimo; e, de outro, dar curso a uma
estratégia de “guerrilha”, como revelou ao jornal Valor um negociador
paraguaio que não quis se identificar.
Trata-se da decisão
temerária de angariar apoios no Brasil para a batalha de opinião
pública que o governo paraguaio quer ver desencadeada para furar o
alegado bloqueio brasileiro de informações oficiais sobre as tratativas
entre as partes. É onde entra o MST, com o acendrado internacionalismo
que levou o seu líder supremo, João Pedro Stedile, em maio de 2006, a
oferecer ao presidente da Bolívia, Evo Morales, as suas brigadas para
expulsar os “latifundiários brasileiros” do vizinho país. (Nesse mesmo
ano, ele anunciou a solidariedade do “povo brasileiro” à nacionalização
da indústria de gás boliviana, com a ocupação de duas refinarias da
Petrobrás.) Prudentemente, Morales dispensou a colaboração da turba
paramilitar emeessetista. Agora, a organização é que foi procurada, na
certeza de pronto e fraternal atendimento.
Para preparar o
espírito da militância, material de propaganda sobre as demandas
paraguaias já circula entre os seus acampados e assentados, sustentados
pelo governo brasileiro, que paga as cestas básicas que lhes são
destinadas, com o dinheiro do contribuinte. O pretexto para a
mobilização é “a defesa dos princípio da soberania nacional e popular
sobre os recursos naturais”, diz um dos principais dirigentes do MST,
Roberto Baggio, convenientemente esquecido de que, no caso de Itaipu,
esses recursos permaneceriam inexplorados não fosse a associação com o
Brasil. Para o governo Lula, tanto o presidente Lugo como os seus
agentes do lado de cá da fronteira estão querendo politizar uma questão
técnica e pôr sob suspeita um acordo legítimo no âmbito das relações
bilaterais.
Mas isso e nada é a mesma coisa para o projeto
insurrecional de Stedile. “Se for necessário faremos no futuro
manifestações de solidariedade ao povo do Paraguai”, anuncia ele.
Sabendo-se de longa data no que consistem tais manifestações, as suas
palavras representam antes uma ameaça do que uma promessa. O MST conta
com forte estrutura nos Estados do Sul, como o Paraná, nas proximidades
da área de Itaipu. Além disso, por intermédio da Via Campesina, de que
faz parte, o MST se articula com o seu equivalente paraguaio, a Mesa de
Coordenação Nacional das Organizações Campesinas, que ajudou a formar.
Igualmente ominosa é a perspectiva de que a “solidariedade ao povo do
Paraguai” seja incluída na exacerbada agenda revolucionária da passagem
dos 25 anos do MST, a ser “festejada”, como de costume, com
manifestações de protesto, ocupações de propriedades e marchas por todo
o País.
Noticia-se que, por determinação do Planalto, a
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) irá monitorar a aliança
antinacional em que embarcou o MST. Não poderia ser de outra forma. Com
toda a probabilidade, porém, o governo terá de ir além disso.