Amadurece um bom acordo entre a agricultura e o meio ambiente. Na mesa de discussão está a modernização do Código Florestal. Dando certo, resolve a briga entre ambientalistas e ruralistas. Menos encrenca, mais verde no campo.
O Código Florestal Brasileiro vem de 1965. Naquela época se definiram dois conceitos básicos da legislação ambiental no campo: a área de preservação permanente (APP) e a reserva legal (RL). Entender isso é básico.
Nas propriedades rurais existem nascentes d’água e córregos que as recortam e valorizam. Pois bem, a lei estabelece que suas margens sejam totalmente preservadas, na distância mínima de 30 metros dos cursos d’água e 50 metros na circunferência das nascentes. Essa mata ciliar mantém um corredor ecológico que favorece a biodiversidade e protege os recursos hídricos.
Outras áreas ainda se cravaram no Código Florestal como de preservação permanente. Duas podem ser destacadas: as situadas nos topos de morro e as localizadas nos terrenos íngremes, com declividade acima de 45 graus. O desmatamento e a exploração agropecuária desses locais frágeis podem favorecer a erosão e impedir a recarga dos aqüíferos subterrâneos. Idéia arrojada na época.
Mas os legisladores do Código Florestal não ficaram satisfeitos com tais restrições ambientais. Quiseram mais. Definiram também que todas as propriedades rurais deveriam manter, além da APP, um pedaço de floresta virgem "reservado", cuja utilização somente pode ser feita se não ameaçar sua integridade ecológica. Era o prenúncio do moderno conceito sobre o uso sustentável da floresta.
Nas propriedades das Regiões Sul e Sudeste, a RL acabou fixada em 20% da área total, enquanto na Amazônia subia para 50%. Mais tarde se aprovou também que na região dos cerrados a RL seria de 35%. Bem depois, em 1999, em razão de o perigo do desmatamento ter aumentado, o governo elevou a RL na Amazônia para 80% da propriedade.
Atenção: a área da reserva legal sobrepõe-se à de preservação permanente. Quer dizer, além de manter intacta a APP, os agricultores ainda devem manter outro pedaço da sua fazenda, no mínimo, 20%, coberto de floresta nativa. Por exemplo, suponha que, em Ribeirão Preto, as matas ciliares de uma propriedade rural atinjam 12% de sua área. Como a RL monta 20%, deverão ser excluídos da produção 32% da fazenda. Exageraram os formuladores do Código Florestal?
Não. Quiseram regular, há quase meio século, o elevado desmatamento que se processava. O louvável objetivo do Código Florestal era assegurar que parte do território permanecesse com sua cobertura natural. Manter a floresta de pé.
Até aqui, tudo bem. O nó da questão, porém, reside no fato de que, especialmente nas áreas mais antigas, o processo de exploração agropecuária ocorreu antes de vir o Código Florestal. Nesse caso, cabe questionar: para uma fazenda do interior paulista, desmatada na época do ciclo cafeeiro, ou outra aberta por inteiro com algodão, lá pelos anos 1940, vale aplicar o conceito da reserva legal?
Sim, dizem os ambientalistas. Segundo sua interpretação, a lei estabelece que toda e qualquer propriedade rural precisa manter, no mínimo, 20% da sua área coberta com floresta nativa. Se a terra já foi desmatada no passado, que se exija, no presente, a recuperação ambiental da parcela pelada.
Não, afirmam os ruralistas. A regra do Código Florestal, avaliam, deve valer apenas para as áreas mantidas com florestas originais. Onde houve, anteriormente, a ocupação do território, há direito adquirido de exploração. Obstruir, nesse caso, 20% da área para recompor a reserva legal significa reduzir a produção no campo.
Assim pode ser resumida a polêmica sobre o Código Florestal, assunto que hoje em dia deixa qualquer agricultor de cabelo arrepiado. Entre as divergências, um consenso já formado: a necessidade de recuperar as matas ciliares, inadvertidamente desmatadas. Os produtores rurais já se convenceram - e a erosão atesta - de que a beirada do rio não pode continuar a ser cultivada, nem pastoreada. Assunto pacífico.
No caso da APP de topo de morro, o tema continua aberto. Afinal, grande parte da viticultura gaúcha se estabeleceu nas altas escarpas. Idem para a maçã de Santa Catarina. Não parece razoável imaginar que sejam eliminadas para retornar a floresta original. O meio-termo sugere permitir que permaneçam as atividades agrícolas já consolidadas, impedindo que novas se estabeleçam.
Neste e, principalmente, no caso da reserva legal, as discussões que aproximam ambientalistas e ruralistas implicam concessões no fundamentalismo existente em ambos os lados. Lideranças mais radicais dos agricultores querem acabar com a RL. Argumentam que, se o governo quiser manter tais áreas impedidas para o uso agropecuário, que indenize os produtores rurais. Ecologistas extremados, por sua vez, exigem a qualquer custo que os agricultores cerquem e abandonem a área da RL, mesmo que ela esteja explorada há décadas.
"Não avances lento demais, para que a Terra não pegue fogo, nem vás alto demais, para não queimares o céu." Esse foi o conselho de Apolo ao filho Faetonte, quando este quis guiar sua carruagem alada do Sol. Na mitologia, o abrigo da prudência.
Ruralistas e ambientalistas procuram sabedoria para encontrar uma saída de bom senso, unindo a preservação florestal à produção rural. Uma condição, porém, deveria nortear qualquer solução do conflito: firmar um pacto contra a devastação, uma moratória a favor da floresta. Até que prevaleça a nova legislação e se assente uma verdadeira política de desenvolvimento sustentável no campo.
Enquanto isso, desmatamento zero.