Apesar da elevação de custos dos insumos agrícolas e das conseqüentes estimativas de retração da produtividade e das exportações para 2009, o produto interno bruto (PIB) do agronegócio ainda vem puxando o crescimento da economia brasileira. A expansão do PIB em 6,1% no segundo trimestre de 2008 e o incremento de 6% em relação ao período de janeiro a junho de 2007 refletem o desempenho do setor agropecuário, que cresceu 7,1% em relação ao segundo trimestre de 2007 e 5,2% no semestre. Na comparação com o primeiro trimestre, a agropecuária teve expansão de 3,8%.
A trajetória de participação do agronegócio no PIB - considerando a soma total das operações de produção, distribuição de insumos e novas tecnologias agrícolas, produção propriamente dita, armazenamento, transporte, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e derivados - mostra que, desde 1990, o setor tem contribuído com mais de 27% para o total de bens e serviços produzidos no País. Embora o comportamento do PIB tenha apresentado uma tendência declinante até 1997, voltou a crescer a partir de 1999, devendo somar R$ 611,5 bilhões em 2008, ante os R$ 582,6 bilhões no ano passado, segundo estimativas da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA).
No entanto, a continuidade da política monetária restritiva potencializada pelos juros altos, aliada à contração da demanda externa, pode acarretar um arrefecimento na taxa de crescimento do PIB do agronegócio. Esse efeito se manifesta, principalmente, no maior custo de obtenção de crédito para financiar a produção e na pesada carga tributária para custear o aumento dos gastos públicos. Nas últimas safras, os agricultores vêm sofrendo prejuízos causados pelo desequilíbrio orçamentário entre o elevado custo de produção e a queda internacional dos preços das commodities, ocasionando a redução da rentabilidade da produção agropecuária.
Nesse sentido, a publicação da Lei 11.775 no Diário Oficial da União de 18 de setembro de 2008 - proveniente da Medida Provisória 432/08 -, instituindo medidas de estímulo à liquidação ou regularização de dívidas originárias de operações de crédito rural e de crédito fundiário, ensaia uma panacéia para mais de 2 milhões de famílias de agricultores que buscam a retomar a produção pela convalescença do endividamento agrícola. Entretanto, o presidente Lula sancionou a Lei 11.775/08 vetando, justamente, a alínea b do inciso II do artigo 8º, que trata dos encargos financeiros. A Medida Provisória 432/08 havia sido votada na Câmara dos Deputados incluindo a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) para correção das renegociações, que hoje está em torno de 6,25% ao ano. Mas, com o veto à alínea b do inciso II do artigo 8º da Lei 11.775/08, o indexador volta a ser o Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - taxa Selic -, hoje em 13,75% ao ano, conforme constava no texto original da Medida Provisória 432.
A justificativa para o veto, segundo o governo, é que a alteração do indexador da Selic para a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) nas operações renegociadas por até dez anos no âmbito da Dívida Ativa da União (DAU) pode fazer com que o valor a ser pago referente a diversas dívidas inscritas na DAU seja inferior aos valores efetivamente pagos pelos mutuários adimplentes e que honraram seus compromissos nas datas aprazadas. Logo, para o governo, essa modificação representa um estímulo à inadimplência e uma penalização aos mutuários adimplentes, contrariando um dos princípios básicos da renegociação das dívidas rurais propostos quando da edição da Medida Provisória 432, de 27 de maio de 2008, que era o de não conceder aos mutuários inadimplentes o mesmo tratamento aplicado aos mutuários adimplentes.
Ainda que o veto seja discutível, pois em alguns casos peculiares se poderia desconsiderar a Selic no mês de liquidação, a edição da Lei 11.775/08, em seu contexto, agiliza o retorno às atividades produtivas de quem estava sem direito ao crédito, já que propõe um novo tratamento para a dívida dos produtores rurais e uma solução definitiva para o problema do endividamento.
O Brasil fortemente ganha com essa medita, pois, estimulando a produção agrícola - num cenário macroeconômico de crise internacional e possível esfriamento das exportações -, favorece a balança comercial, que pode ser seguramente alçada pela expansão do agronegócio e pelo aumento da demanda mundial por alimentos. Mesmo com o arrefecimento da economia mundial, as exportações do agronegócio no mês de agosto somaram US$ 6,8 bilhões, correspondendo a um crescimento de 15,7% sobre agosto de 2007. Nos últimos 12 meses, as vendas externas também atingiram a marca histórica de US$ 69 bilhões. Esse crescimento está alicerçado essencialmente na participação brasileira em mercados emergentes, como a China, que não faz parte do cerne da crise e onde a demanda por alimento cresce substancialmente.
Certamente, o Brasil não está imune à crise, entretanto, apostando na robustez do capital produtivo, no controle da inflação e na promoção sustentável da demanda interna, o País tem condições de enfrentar as intempéries sofrendo apenas volatilidade e fuga do capital especulativo. A grande participação no PIB e o forte efeito multiplicador do complexo agroindustrial, aliados ao alto peso dos produtos de origem agrícola na pauta de exportações, fundamentalmente, contribuirão, nos próximos anos, para o desempenho da economia brasileira.
Alexandre de Castro
é pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
(Publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 8 de outubro de 2008)