Sentença


 ÚNICA VARA DO TRABALHO DE PORECATU - PARANÁ


TERMO DE AUDIÊNCIA

Autos nº: ACPU - 01035-2007-562-09-00-9

Aos quatro dias do mês de abril do ano dois mil e oito, às dezessete horas e quarenta e cinco minutos, na sala de audiência da Única Vara do Trabalho de Porecatu - Paraná, sob a titularidade do Juiz do Trabalho, Mauro Vasni Paroski, por ordem deste foram apregoadas as partes: Ministério Público do Trabalho, autor; Sindicato Rural de Porecatu e outros, réus.

Ausentes as partes.


SENTENÇA

Vistos etc.

I. RELATÓRIO

Ministério Público do Trabalho ajuizou ação civil pública em face de Sindicato Rural de Porecatu e outros, ambos qualificados nos autos, conforme petição inicial de f. 02-18, com documentos, atribuindo à causa o valor de R$ 1.000,00. Tutela antecipada rejeitada (f. 37-39). Notificados, os demandados responderam, através das contestações de f. 49-58, 85-88 e 89-94, com documentos, submetidos ao contraditório, pugnando pela improcedência dos pedidos. Sem outras provas, a instrução processual foi encerrada. Razões finais remissivas. Tentativas conciliatórias infrutíferas. Julgamento designado para esta data. Em síntese, é o relatório. Decide-se:


I. FUNDAMENTAÇÃO

1. AUTUAÇÃO - RETIFICAÇÃO

Data vênia, mas não existe o quarto demandado, com a denominação que a ele é dada pelo demandante, não se tratando de condomínio civil, formalmente constituído, mas de quatro pessoas físicas, proprietárias da terceira ré e dos imóveis rurais onde é cultivada a cana-de-açúcar, utilizada como matéria-prima na fabricação de açúcar e álcool.

Determino à Secretaria desta Vara que retifique a autuação, para excluir o quarto demandado do pólo passivo da relação processual, passando a constar em sua substituição: J.R.A (quarto réu), J.W.A (quinto réu), J.E.A (sexto réu) e J.S.A (sétimo réu).

2. MÉRITO

Subsistem, nesse julgamento, os motivos pelos quais a antecipação da tutela jurisdicional pretendida na inicial foi rejeitada pelo juízo (f. 37-39). Adoto o mesmo entendimento já manifestado, reproduzindo-o:

O Ministério Público do Trabalho, agindo de conformidade com a lei e a Constituição Federal, para salvaguardar direitos coletivos e difusos, propõe demanda civil pública, objetivando tutela inibitória/preventiva de cláusulas de convenção ou acordo coletivo de trabalho que reputa ilícitas.

Intimados para se manifestarem em dez dias sobre o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, os réus se mantiveram em silêncio, exceto o S.T.R, que apresentou insurgência ao pedido, alegando o não preenchimento dos requisitos legais ensejadores da sua procedência.

O demandante não demonstrou, ainda que superficialmente, que os demandados pretendem celebrar acordo ou convenção coletiva de trabalho contendo cláusulas que ferem, em tese, o ordenamento jurídico-constitucional.

As normas coletivas citadas na inicial para exemplificar o caráter ilícito de ajustes anteriores não se prestam a esse fim, na medida em que não mais vigem, nem significam que futuras tratativas terão igual conteúdo.

A qualificação de ilícito dada pelo demandante ao possível conteúdo de futuras cláusulas coletivas de trabalho, por si só, não viabiliza, em princípio, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela inibitória/preventiva pretendida.

A própria alegação de ilicitude quanto aos conteúdos normativos de que podem se revestir futuras cláusulas de acordos ou convenções coletivas de trabalho não constitui matéria sobre a qual reina absoluta concordância, inclusive por parte desse juízo.

Aceitar referida qualificação, antecipadamente, nesse primeiro momento, de cognição parcial, parece colidir com a garantia de liberdade sindical atribuída pela Constituição às entidades sindicais, eis que a formação de um convencimento definitivo nessa direção, salvo engano, somente seria possível depois de examinado e valorado o conjunto de cláusulas componentes de aludidos instrumentos coletivos, sabido que é que nas negociações coletivas há concessões recíprocas, muitas vezes havendo outras disposições que compensam aquelas que, isoladamente interpretadas, aparentam ser prejudiciais aos trabalhadores.

O princípio da autonomia privada coletiva, `a priori', parece que, igualmente, restaria violado.

Lembre-se que cláusulas ilícitas de acordos ou convenções coletivas de trabalho podem, depois de ajustadas, receberem o decreto judicial de nulidade, impedindo a ocorrência dos seus efeitos.

Obviamente que por sua natureza preventiva, a tutela inibitória tem por escopo primordial evitar a prática de atos ilícitos que, em tese, poderiam causar prejuízos a outrem, ou seja, não se destina a reparar o dano já consumado, mas sim, de evitar a prática do ato ilícito com potencial para causar danos.

Cuidando-se, porém, de possíveis instrumentos jurídicos que se assemelham a verdadeiros contratos coletivos de trabalho, emitir provimento jurisdicional que constranja as entidades sindicais (convenções coletivas de trabalho) e os empregadores (acordos coletivos de trabalho) a agirem contra sua vontade, obrigando-os a atuarem conforme o entendimento do Ministério Público do Trabalho, que, longe de retratar verdade ou interpretação única do ordenamento jurídico-constitucional, comporta discussão e fixação de outra diretriz, apenas serviria para inibir a própria negociação coletiva, que, se obstada, aí sim, maiores danos poderia acarretar aos trabalhadores.

Nessa primeira e superficial análise, não se mostram satisfatoriamente preenchidos os requisitos do dano irreparável ou de difícil reparação, ou, em outra vertente, não estão configurados nitidamente os contornos da fumaça do bom direito e o perigo da demora, genericamente abordados.

Os mesmos fundamentos ora transcritos adoto para rejeitar o pedido, em caráter definitivo, pois, penso que a ação civil pública, conquanto possa conter pedido que caracterize tutela inibitória (ou preventiva), ou seja, com o escopo de inibir a prática de atos que constituam ilicitude, não se presta para constranger as entidades sindicais e os empregadores a agirem do modo como o demandante entende ser correto, antecipando o que pode e o que não pode ser objeto ou conteúdo de futuras convenções ou acordos coletivos de trabalho. A lei não exige a intervenção do Judiciário para permitir - ou não - que esta ou aquela cláusula integre uma convenção ou acordo coletivo de trabalho.

A priori, não se pode sustentar que as cláusulas presentes em instrumentos normativos anteriores e não mais vigentes, consideradas isoladamente, sejam prejudiciais aos trabalhadores e, assim, sua negociação em instrumentos normativos futuros configure prática de ato ilícito.

Aceitar ou não a ilicitude da negociação coletiva nesses moldes dependerá necessariamente do exame e da valoração do instrumento normativo em seu conjunto, pela incidência do princípio do conglobamento.

Dito em outros termos, o juízo entende que não se pode fazer controle abstrato de legalidade de ato jurídico, isto é, que poderá ou não ser realizado pelos demandados. A liberdade sindical não pode ser restringida com tamanha arbitrariedade. Nem o princípio constitucional da legalidade pode ser esquecido.

Como ensina Marinoni: "Quando se pensa em tutela inibitória, imagina-se uma tutela que tem por fim impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito, e não uma tutela dirigida à reparação do dano. Portanto, o problema da tutela inibitória é a prevenção da prática, da continuação ou da repetição do ilícito, enquanto o da tutela ressarcitória é saber quem deve suportar o custo do dano, independentemente do fato de o dano ressarcível ter sido produzido ou não com culpa".

Portanto, o objeto da tutela inibitória é a prevenção do ilícito, ou seja, sua prática, continuação ou repetição, mas não se pode aplicar a tutela inibitória a todo e qualquer ato que possa ser praticado por alguém, cuja ilicitude é controvertida, comportando mais de um modo de compreender a situação questionada na demanda, não havendo norma legal que previamente a defina clara e insofismavelmente como ilícita.

A situação ventilada nos autos enseja controvérsia sobre a própria qualificação de ilegalidade das cláusulas exemplificadas na causa de pedir. Não é a mesma coisa, por exemplo, que emitir provimento jurisdicional (tutela inibitória) para que uma fábrica não inicie as suas atividades antes de dotar suas máquinas de meios que reduzam ou eliminem a poluição do ambiente, ou então, para impedir que determinado remédio que contenha em sua composição elemento prejudicial a saúde do consumidor, assim reconhecido previamente pela norma jurídica, seja posto em circulação.

O que o Ministério Público do Trabalho pretende é provimento jurisdicional para inibir a parte passiva de exercer sua autonomia privada nas negociações coletivas futuras, inibindo-a de estabelecer cláusulas cuja ilicitude do conteúdo consiste em algo polêmico e controvertido, repita-se.

Com efeito, pretende o demandante provimento que possa impedi-la de celebrar convenções ou acordos coletivos de trabalho com cláusulas de conteúdo semelhante àquele descrito na causa de pedir, o que não se mostra possível em controle antecipado e abstrato da legalidade de futuros atos jurídicos, que sequer poderão existir, já que as partes não estão obrigadas a ajustarem novas condições de trabalho através de normas coletivas. Há, quando muito, ato em estado de potência, mas não em ação.

Em resumo, a tutela inibitória, que resulta em provimento que contém determinação judicial de obrigação de não - fazer, não tem lugar em toda e qualquer situação em que o parquet vislumbre ilicitude, obstando os particulares de negociarem e celebrarem contratos, acordos ou convenções coletivas de trabalho, pois, o direito de negociar livremente é assegurado pelo ordenamento jurídico, trazendo como sanções a declaração de nulidade e ineficácia do ato se bens tutelados juridicamente forem agredidos em benefício de um dos contratantes ou de terceiros.

O que não se mostra razoável e não há como prosperar é o Judiciário obstar alguém de negociar em seu âmbito privado, ou de dizer às pessoas o que podem e o que não podem estipular, interpretando abstrata e antecipadamente o ordenamento jurídico trabalhista, pois, provimento desta natureza feriria de morte o princípio da legalidade (CF, art. 5º, inc. II), dentre outros.

Como se disse alhures, provimento que obste a prática de ato previamente declarado ilícito pela lei, como nos dois exemplos fornecidos, é distinto de provimento jurisdicional que tenha por objeto retirar de alguém o direito de livremente negociar seus interesses privados, com base em alegação de ilicitude altamente controvertida.

III. DISPOSITIVO

Ex positis, de acordo com a fundamentação supra, que determino fiquem fazendo parte integrante deste dispositivo, para todos os efeitos legais, REJEITO os pedidos formulados pelo autor MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em ação civil pública proposta contra SINDICATO RURAL DE PORECATU e outros. Custas, pelo autor, calculadas sobre o valor atribuído à causa, de R$ 1.000,00 (um mil reais), importando em R$ 20,00 (vinte reais), de cujo recolhimento fica dispensado, na forma da lei. Prestação jurisdicional entregue. Partes intimadas (f. 46-47). Nada mais.

Porecatu - PR, 04 de abril de 2008.


MAURO VASNI PAROSKI
JUIZ DO TRABALHO

Boletim Informativo nº 1021, semana de 8 a 14 de setembro de 2008
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná
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