Produtor de peixe

Xico Graziano

Continua incerto o destino do Ministério da Pesca. Pudera. Ninguém conseguia entender a urgência da Medida Provisória que o propunha. A relevância da matéria se esconde na trapalhada da política mentirosa. Parece conversa de pescador.

Há que se distinguir pesca de aqüicultura. A pesca se pratica sobre os cardumes livres, existentes nos mares salgados ou nas águas doces. Trata-se de uma captura da natureza. Já a aqüicultura representa um processo de criação, em cativeiro, de organismos aquáticos. Aquela é extrativista, esta produtiva.

A pesca tradicional, em todo o mundo, há anos se compromete pelo declínio dos cardumes naturais. Primeiro, porque modernos barcos e alta tecnologia aumentaram a capacidade da rapina nos mares. Segundo, porque a poluição reduziu a reprodução dos cardumes de água doce. Resultado: a aqüicultura mundial cresce a 9,2 % ao ano, contra apenas 1,4 % na pesca extrativa.

Os primeiros criadores de peixes foram os chineses, há 2.500 anos. Do Oriente, a piscicultura se expandiu pela Europa, através da Grécia e Itália. Os peixes, inicialmente, se destinavam ao abastecimento dos refeitórios de mosteiros europeus. Somente em meados do século passado a técnica começa a ser praticada com fins comerciais no Japão e nos EUA.

No Brasil, a história da piscicultura começa, verdadeiramente, em 1969. Pesquisadores da UNESP de Jaboticabal, comandados por Newton Castagnoli, estabelecem uma cooperação técnica com a extinta SUDEPE (Superintendência do Desenvolvimento da Pesca), construindo um centro de pesquisas nas proximidades da Cachoeira das Emas, rio Mogi Guaçu, em Piraçununga (SP).

Até então, a piscicultura tinha motivação ornamental, incluindo aquela ligada às tradições nipônicas, adoradores das coloridas carpas. O paradigma muda radicalmente nos anos 70, quando ocorre um salto no conhecimento científico. Os cientistas da zootecnia descobrem um eficiente método de ovulação induzida, seguida da fertilização, nos peixes criados em cativeiro. Rompem, assim, o desígnio natural dos bichos.

Doses de hormônio gonadotrópicos, retirados da hipófise píscea, são injetadas na barriga, carregada de ovos, das fêmeas. Isso as estimula a desovar no aquário do laboratório. Em seguida, sêmen masculino se mistura ao límpido caldo. É fantástico. Em poucos dias milhares de minúsculos peixinhos nadam felizes. Alimentados com ração, tornam-se alevinos – forma juvenil dos peixes - quando passam para os tanques de recria e, depois, de engorda. Surge assim a piscicultura comercial.

O domínio da técnica da reprodução induzida ainda se aprimora. Inicialmente as pesquisas recaíram sobre a tilápia, uma espécie exótica, de origem africana. Depois a reprodução induzida chegou às espécies nativas, como o curimatã, tucunaré, pirarucu, pacu e tambaqui. Mais tarde, avança para peixes de couro, como o pintado. Hoje, hormônios extraídos de hipófises de rã incrementam os laboratórios piscícolas.

Estima-se que existam no país 128 mil aqüicultores, com 80 mil hectares de espelho d´água e produção de 260 mil toneladas, representando 25% do pescado nacional. Contam-se 64 espécies sob exploração comercial, principalmente peixes (51), crustáceos (5) e moluscos (4). A tilápia lidera a piscicultura no continente. Nos mares, crescem a ostreicultura e a mitilicultura, a criação de mexilhões. Mas o camarão cultivado segue imbatível na economia aqüicola.

Fazendas de camarão se destacam no Nordeste. A carcinocultura, porém, carrega o perigo ecológico. Ao avançar sobre manguezais ameaça frágeis ecossistemas próximos às regiões costeiras. Águas salobras se contaminam por dejetos orgânicos e resíduos químicos, incluindo antibióticos. Cocô de camarão polui mais que gente.

Produzir pescados e crustáceos, de forma sustentável, alivia a pressão da pesca extrativista sobre a natureza. Com o sumiço dos cardumes naturais, escasseia o pescado e eleva o preço na peixaria. Ao contrário, quanto mais peixe for criado, maior a oferta, melhor o preço, mais consumidores da branca e saborosa proteína. No mundo, o consumo de pescado atinge 16 kg/hab/ano. No Brasil mal chega a 3 kg.

As tradicionais colônias de pescadores do litoral brasileiro andam em crise. O defeso, período do ano quando se proíbe a pesca, cada vez mais necessário para ajudar na reprodução dos cardumes, cria enorme contingente de desocupados. Ora, o futuro desse sofrido pessoal reside na aqüicultura, capaz de transformar o antigo pescador em produtor de pescado.

No oceano, a maricultura anima a nova geração de pescadores. No continente, o potencial da piscicultura é inestimável. Apenas nas águas represadas dos reservatórios da União existem 5,5 milhões de hectares propícios à criação intensiva de peixes. Lagos e açudes tecnicamente conduzidos produzem 500 quilos de pescado por hectare/ano. Utilizando-se tanques-rede, a produção pode chegar a 15.000 kg/ha. Proteína prá valer.

O clientelismo do Estado, porém, teima em sobrepujar o empreendedorismo. O auxílio-desemprego aos pescadores tradicionais cresce de forma assustadora. Em 2002, eram 92 mil beneficiários. Hoje se calcula que o seguro vá cobrir 600 mil pessoas. É o “bolsa-anzol”.

O Brasil não precisa de nenhum Ministério para realizar a tarefa, fundamental, de engrandecer sua aqüicultura. Pelo contrário. A estrutura de governo pode sucumbir ao irresistível cacoete do apadrinhamento político, subjugando cidadãos ao cômodo jogo do poder, alienando-os, tornando-os dependentes da esmola oficial.

Diz o velho ditado que ao invés de dar o peixe, é melhor ensinar a pescar. Agora mudou: mais vale criar o pescado.

Chico Graziano é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo

Texto disponível no site: www.agrobrasil.agr.br

Boletim Informativo nº 1020, semana de 1 a 7 de setembro de 2008
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná
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