Depois de aprovada no plenário da Câmara dos Deputados, seguiu para o Senado Federal a Medida Provisória 432/08, que renegocia 85,7% das dívidas dos agricultores brasileiros, o que representa R$ 75 bilhões de um total de R$ 87,5 bilhões. Entre as numerosas emendas parlamentares examinada pelo relator da matéria, deputado Luís Carlos Heinze (PP/RS), foram aprovadas duas que, a meu ver, merecem ser destacadas.
A primeira delas substituiu a taxa Selic (hoje, na faixa de 13%) pela Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP – (situada atualmente em 6,25%) na indexação da dívida ativa rural, objeto da MP. A mesma emenda suprimiu exigências que haviam sido impostas aos devedores pelo texto original do governo, tais como a da confissão do total de débitos e a da desistência de todas as ações judiciais sobre a dívida renegociada. Sempre impaciente com as regras do Estado Democrático estabelecidas pela Constituição para proteger os cidadãos, o governo Lula, se pudesse, obstruiria o acesso deles à Justiça, negando-lhes o sagrado direito de proteger seus legítimos interesses contra a burocracia todo-poderosa.
A segunda importante emenda incorporada ao projeto de conversão permitiu ao devedor rever as garantias apresentadas na contratação do empréstimo para reduzi-las em caso de excesso.
Longe de constituir-se na solução ideal, foi a solução possível. Aliás, está coberto de razão o líder do meu partido na Câmara, deputado Ronaldo Caiado (DEM/GO), quando contesta, veementemente, o próprio valor da negociação (estimada, como disse acima, em R$ 70 bi). Esclarece Caiado que a negociação não ultrapassaria a soma comparativamente muito mais modesta de R$ 1 bilhão, dividida em parcelas de R$ 200 milhões por ano. Assim, a proposta oferecida pelo governo à sacrificada família rural brasileira não passaria de mais um “grande factóide”, servindo tão-somente para fazer manchete de jornal, sem mudar a situação dos pequenos agricultores, marginalizados do crédito rural.
Que fique bem claro: a negociação não é dádiva nem benesse oficial; afinal, a quebradeira do campo foi, em grande medida, conseqüência da catastrófica ressaca de planos econômicos passados (Cruzado, Verão, Collor) que catapultaram a níveis elevadíssimos o valor das dívidas, muito acima da capacidade de pagamento de quem trabalha de sol a sol para retirar seu sustento da terra e, com isso, alimentar o país e o mundo.
Esse quadro é agravado por dois outros fatores que também fogem totalmente ao controle da família rural brasileira, esmagando suas margens de lucro: a recente disparada dos preços dos fertilizantes, de um lado; e as péssimas condições da infra-estrutura viária e logística, de outro.
Quanto a este segundo aspecto, de que adianta o agronegócio, com a louvável assistência da Embrapa, haver acumulado laboriosamente significativos ganhos de produtividade e competitividade da porteira da fazenda para dentro, se, dela para fora, os portos vivem congestionados e mal-administrados? Se as estradas são mal conservadas? Se, para ficar num único exemplo, a soja colhida em Mato Grosso, em vez de ser segura e economicamente despachada, por hidrovia, até o porto maranhense de Itaqui, pertinho dos mercados do Hemisfério Norte, se essa soja – repito – precisa enfrentar uma longa, acidentada, cara e perigosa viagem de carreta até o porto de Santos? Essa jornada corresponde a 45% da estrutura de custos de produção e comercialização do produto! Enquanto isso, conforme denuncia a imprensa, o governo Lula continua gastando tanto ou mais em autopromoção publicitária do que nas obras públicas que são de sua obrigação...
Para concluir, nós, parlamentares que defendemos o agronegócio e a família rural brasileira, devemos ficar muito atentos à tramitação da MP no Senado. A equipe econômica do governo quer anular as mudanças positivas introduzidas na Câmara, como a correção dos débitos, entre outras. Todo cuidado é pouco: nesse governo muito pirotécnico e pouco sério, o que é ruim pode ficar pior...
*Eduardo Sciarra
é deputado federal e presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Infra-Estrutura Nacional. Artigo publicado
originalmente no jornal Gazeta do Povo de 27/08/2008