Utilizando menos de 10% do território nacional, a agricultura
brasileira tornou-se um dos grandes fornecedores do mercado mundial de
alimentos, graças aos esforços dos empreendedores do campo, que buscam
incessantemente a atualização das técnicas de cultivo, a utilização de
variedades mais adequadas e produtivas e a modernização dos métodos de
condução de seus negócios. Assim, esses empreendedores têm conseguido
superar as adversidades naturais e alcançar altos índices de eficiência
que asseguram safras recordes mesmo sem aumento notável da área
plantada.
Muito mais eles poderiam fazer se tivessem mais
liberdade para plantar. Mas sua atividade está sendo tão cerceada por
decisões como a delimitação de áreas cada vez maiores para reservas
ambientais ou indígenas e por restrições crescentes ao uso da terra,
com a imposição de pesadas multas e sanções, que o próprio ministro da
Agricultura, Reinhold Stephanes, a considera "engessada".
Stephanes
reconheceu que o "engessamento" da área para produção agrícola no País
é muito maior do que se costuma informar e anunciou que seu Ministério
fará uma pesquisa para dimensionar com precisão os limites que, nos
últimos anos, foram impostos à agricultura. Ao participar em São Paulo
do Congresso da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), o
ministro declarou não temer a extinção das florestas, "mas sim a
extinção da área agricultável do Brasil".
Stephanes estima que
cerca de 70% do território brasileiro tem algum impedimento para a
atividade agropecuária, por causa da presença de reservas indígenas,
áreas de quilombolas, assentamentos agrários ou outras formas de
restrição.
Dados apresentados pela Abag são um pouco menos ruins
para a agropecuária: a produção rural poderia dispor de 39% do
território nacional (ou seja, a área com restrição corresponderia a 61%
do País).
Em artigo publicado no Estado há dois meses, o
professor Denis Lerrer Rosenfield, da UFRS, apresentou o quadro mais
detalhado que se pode traçar com base nos dados oficiais disponíveis -
do IBGE, do Incra e da Funai. As lavouras permanentes ou de ciclo mais
longo, como café, cítricos e frutíferos, ocupam 18,8 milhões de ha, ou
2,2% do território nacional. Já as lavouras temporárias, de ciclo
anual, como feijão, milho, soja, trigo, arroz e algodão, ocupam 57,9
milhões de ha, ou 6,8% do território. As florestas plantadas, por sua
vez, ocupam 5,6 milhões de ha, ou 0,7% do território. Em resumo, as
atividades agrícolas ocupam 9,7% das terras do País. A agropecuária,
por sua vez, ocupa 172,3 milhões de ha, ou 20,2% do território.
Os
assentamentos registrados pelo Incra, de sua parte, ocupam 77,4 milhões
de ha (9,1% do território), as áreas indígenas totalizam de 105,6
milhões a 109,1 milhões de ha, dependendo da fonte da informação, ou de
12,4% a 12,8% do total. Por fim as áreas de quilombolas citadas nas
reivindicações em exame pelas autoridades somam 25 milhões de ha, ou
2,9% do total. Essas restrições correspondem a praticamente um quarto
(de 24,4% a 24,8%) do território nacional.
O Decreto nº 6.514 -
de 22 de julho de 2008, dispondo sobre infrações ambientais - aumentará
significativamente as restrições à atividade agropecuária, começando
por impor a averbação, num prazo de 120 dias, de reserva legal de 20%
de todas as propriedades - prazo impossível de ser cumprido -, sob pena
de multa de até R$ 500,00 por ha. Note-se que não se trata de conservar
área florestal já existente - como determina a lei -, mas de reservar
para reflorestamento áreas tradicionalmente usadas na agricultura. "É
um ponto insano" do decreto, reagiu o secretário da Agricultura de São
Paulo, João Sampaio. Só no Estado de São Paulo, calcula Sampaio, a
norma impediria o cultivo em 3,5 milhões de ha. "Isso acabaria com
bilhões de reais em receitas e com milhares de empregos."
Em
nome da proteção de índios ou da defesa do meio ambiente, direitos
essenciais, como o de propriedade, estão sendo limitados até mesmo por
meio de portarias de autoridades de segundo escalão, como o presidente
da Funai, que, no mês passado, demarcou como terras indígenas uma área
que pode chegar a aproximadamente um terço do território de Mato
Grosso. A portaria é uma séria ameaça à principal atividade econômica
do Estado.
Publicado no jornal O Estado de S. Paulo de 15 de agosto de 2008