“Minhas senhoras,
meus senhores,
Este
seminário, que traz a Roraima os mais expressivos nomes do setor
agropecuário brasileiro, é também um marco histórico da resistência
democrática, da luta dentro da legalidade, para fazer valer um direito
consagrado em nossa Constituição – o direito à terra. Em tempos de alta
tecnologia, de uma nova face, moderna, para a economia mundial, a
preservação dos recursos naturais volta a ganhar corpo, dada a
importância da preservação desses recursos para a qualidade de vida dos
seres humanos.
Nós, amazônidas, temos papel especial nesse contexto. É a nós, amazônidas, brasileiros, que cabe oferecer ao mundo um projeto de desenvolvimento sustentável para a nossa região. É isso ou vivermos permanentemente a intromissão, a ingerência estrangeira em assuntos que só dizem respeito ao povo brasileiro.
Roraima já vem oferecendo um modelo diferenciado de desenvolvimento sustentável, com valorização sociocultural e ecológica e a priorização do interesse nacional. O mundo tem discutido a Amazônia. O Brasil passou a discutir a Amazônia. O governo brasileiro dá sinais de que passa a olhar para a região com relativo interesse, apesar de restringir-se a ações esporádicas, pontuais, e de não se tratar de uma política de governo.
O novo modelo econômico para a Amazônia requer esforços, empenho, para a construção de algo que é diferente do modelo comum, predatório, desenvolvido ao longo de várias décadas, e que pouco ou nada contribuiu para o enriquecimento da região, do seu povo. Aqui na Amazônia, o que se vê, o que se sente, no dia-a-dia, é a mais absoluta ausência do estado brasileiro, conforme se denota na questão de terras envolvendo índios e não-índios que habita a região denominada de Raposa Serra do Sol.
Não se trata de um mero litígio de terras. O que está em discussão é algo muito maior. É a definição de critérios justos para a demarcação de reservas indígenas, considerando que nem todo não-índio é invasor, intruso ou ocupante de má-fé. Raposa Serra do Sol é uma reserva que reúne pelo menos quatro diferentes etnias e que divide os próprios indígenas quanto à necessidade de que o território seja contínuo ou descontínuo e cuja forma de demarcação traz impacto à economia de Roraima.
Trata-se de uma imensa área de 1,7 milhão de hectares, na divisa de Roraima com a República da Guiana e a Venezuela, onde vivem cerca de 17 mil índios, todos eles em contato com não-índios há mais de cem anos. A discussão se dá por que fazendeiros de gado, produtores de arroz e moradores de vilas defendem seus interesses e não querem deixar a região. Muitos deles são filhos de famílias centenárias. Nasceram e se criaram ali. Têm seus corações enterrados na curva do rio.
O pecado é não terem nascido indígenas! Estão sendo considerados "intrusos" na terra onde nasceram. Estão sendo expulsos sem ao menos receber a "justa e prévia" indenização a que deveriam ter direito, segundo consta do decreto presidencial de demarcação. Ao governo brasileiro tem faltado respeito aos brasileiros de Roraima. Não se pode simplesmente, de uma hora para outra, por conta de pressões estrangeiras, expulsar homens, mulheres e crianças - pessoas de bem -, da terra onde nasceram ou que escolheram para viver e que não eram, na totalidade, terras indígenas.
O governo do presidente lula tomou por base um laudo antropológico falso, já contestado pela própria justiça federal em primeira e segunda instâncias, para demarcar a reserva indígena e praticar uma injustiça sem precedentes em nossa história contra o pacato e ordeiro povo de Roraima. Eu pergunto: que alternativas o governo federal no dá?! Em Roraima, 46,68% das terras são indígenas. Outra quantidade infinita de terras também está em mãos do governo federal, com o incra, que insiste em não repassá-las ao estado.
A área de terras sob jurisdição do governo de Roraima, aqui em nosso estado, é inferior a 10%. Ironicamente, podemos dizer que somos uma espécie de palestina brasileira, ou seja, existe um povo, mas sem a terra que lhe foi prometida pela constituição de 88. O que temos pedido em Brasília, insistentemente, é a estadualização das terras de Roraima, é o direito que temos de patrocinar o nosso desenvolvimento, é o respeito aos preceitos constitucionais que falam do tratamento igualitário, é o respeito aos princípios da razoabilidade e do federalismo.
Utilizamos sempre as ferramentas do estado democrático de direito para fazer valer o que consideramos mais correto, melhor para Roraima. Daí termos recorrido ao supremo tribunal federal para pedir a suspensão de uma operação de retirada de não-índios pela polícia federal cujo prenúncio de desastre já se anunciava. O governo brasileiro não tem um projeto de desenvolvimento para a Amazônia. Administra idéias para a região, muitas delas "geniais", da cabeça de quem não conhece nem nunca esteve na região e confunde jacaré com crocodilo.
O governo do presidente lula trata a Amazônia como uma questão menor. Não atenta para a gravidade que é a demarcação de reservas indígenas imensas na faixa de fronteira norte, uma das regiões de menor densidade demográfica do país, onde prosperam o narcotráfico, o contrabando, o descaminho e diversos outros tipos de crimes. A lei da física, de que dois corpos não ocupam o mesmo lugar ao mesmo tempo, também vale para a Amazônia. Se existe cobiça estrangeira sobre a região, é porque o governo federal não tem ocupado o seu devido lugar, justificando este patrimônio como do povo brasileiro.
Não se administra um país simplesmente com idéias. É preciso ter projetos, planos de ação, programas de desenvolvimento sustentável para uma região que requer tratamento especial, pelo significado que tem para a humanidade. A única luz verde que se vê do governo federal para o desenvolvimento da Amazônia está a cargo do ministro Mangabeira Unger, de Assuntos Estratégicos, mas que encontra focos de resistência dentro do próprio governo federal, ou seja, o governo é adversário dele mesmo. Enquanto isso, a Amazônia vive mais um pesadelo.
Nosso desafio enquanto governador é árduo: desenvolver um estado federalizado, no extremo norte, com o governo federal trabalhando contra, em que pese sempre termos dado bons sinais de entendimento, mesmo por que um dos papéis do pobre é bater na porta do rico. É inaceitável que sejamos punidos por que decidimos resistir e fomos ao judiciário para pedir que seja revista uma portaria presidencial injusta, que contraria interesses socioeconômicos do nosso estado.
Não aceitamos a política de segregação que o governo tenta impor aos índios de Raposa Serra do Sol, cuja maioria não quer o isolamento, mesmo por que já está integrada à cultura envolvente, absorvendo parte expressiva dos seus valores. Estamos convictos de que defendemos o interesse dos índios. O governo federal é que, de forma sectária, sem consultar os indígenas, decidiu por uma demarcação absurda, que não levou em conta a ancestralidade, por exemplo, também de não-índios em parte daquelas terras.
Em Roraima, quem faz política indigenista é o governo do estado. As comunidades isoladas, que dependem da atenção da funai e da fundação nacional de saúde, vivem verdadeiro pesadelo. todos os dias batem à nossa porta, à procura de ajuda. Quem leva energia elétrica, água tratada, educação, saúde, transporte, às comunidades indígenas, é o governo do estado, e não a funai, que apenas ajuda com parcos recursos. E é por isso que tememos o isolamento de Raposa Serra do Sol, que ficaria à mercê de uma organização estatal que não tem recursos nem mesmo para cuidar do seu prédio-sede, em boa vista.
Estamos na defesa do sentimento patriótico, de brasilidade, de integração, de soberania da nação brasileira, e contestamos aqueles que pretendem deixar vulneráveis as nossas fronteiras e formar guetos humanos em pleno Século XXI, quando se discute a maior proximidade entre os povos. Entendemos o direito dos povos indígenas à preservação dos seus valores culturais, de seus idiomas, de suas tradições, e também o direito à terra necessária à perambulação e à coexistência com os outros povos, mas condenamos as iniciativas que visam ao isolamento, ao separatismo e a interesses que não são o do povo brasileiro. Amazônia, patrimônio dos brasileiros! Roraima, patrimônio de nossa gente!”
José de Anchieta Júnior,
governador do Estado de Roraima