A garantia fiduciária acha-se presente em boa parte dos contratos de financiamentos, especialmente aqueles que envolvem maquinários e veículos. Trata-se de instituto antigo, porém prevalecente até os dias atuais. É direito real de garantia. Por isso se agrega ao bem financiado, gerando a seqüela, significando em outras palavras, que o credor irá buscá-lo em caso de inadimplência do financiado. A legislação de origem da alienação fiduciária visava o fortalecimento do setor de financiamento, isso lá pelos idos de 1964. Assim, em certo tempo, a jurisprudência acolhia a terminologia específica da lei de regência, a qual determinava como de resto define até hoje, que o devedor não poderia argumentar em seu favor qualquer tema ligado ao contrato principal (financiamento) que lhe deu ensejo. A matéria mercê de muito debate encontrou o repouso, permitindo-se na atualidade que o devedor fiduciário aponte falhas ou excessos contratuais. Qualquer anomalia no contrato de mútuo financeiro a que se vincula o acessório da garantia fiduciária poderá ser apontada e impugnada pelo devedor. Enfim, alargou-se o campo da defesa gerando a efetiva eqüidade e igualdade processual. A jurisprudência como fonte direta do direito encarregou-se ao longo do tempo de repor a quebra do princípio constitucional da ampla defesa.
Mas a celeuma relativa à alienação fiduciária não se encerra na questão anterior. Observa-se até os dias atuais a posição divergente entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal acerca da prisão do devedor fiduciário que se recusa à entrega do bem em caso de inadimplência, mediante propositura da ação de busca e apreensão ou depósito. A postura do STJ se fundamenta no entendimento de que não se admite a prisão civil do devedor fiduciário porquanto não há como equiparar-se a sua situação à do depositário infiel. No respeitante a este a Constituição estipula as exceções próprias da prisão civil ao elencar a dívida de alimentos e a situação de depósito judicial infiel. Segundo a doutrina firmada contra o decreto de prisão do devedor fiduciário esta não tem legitimidade, visto a previsão do Decreto Lei n. 911/69 não se reveste de juridicidade. Na realidade o tema encerra uma questão de constitucionalidade. Envolve a análise do sistema instituído pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o conhecido Pacto de São José da Costa Rica. Nesse Tratado o Brasil figura como signatário. O entendimento ali consagrado, interpretado de forma simples, é que nenhuma prisão pode ser efetuada em razão de dívida. Realmente, não há que se confundir a figura da posse do bem, nascida da garantia fiduciária, com aquela pertinente ao depositário judicial que deixa de entregar a coisa reclamada, mediante intimação no processo. E, não se equiparando o devedor fiduciário ao depositário judicial, surge o direito albergado no Tratado, o qual obriga os países membros. Frente ao pacto internacional acatado pelo Brasil, de forma solene e expressa, pactuante que é, cessa a validade e prevalência nesse tópico do DL 911/69.
Djalma Sigwalt é advogado
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