A Carta Constitucional de 1988 foi debatida e aprovada por parlamentares eleitos para essa finalidade, embora mantendo paralelamente as suas incumbências congressuais ordinárias. Teve caráter misto. Mas, os eleitores sabiam ao votar que estavam elegendo legisladores constituintes, os quais teriam a incumbência de discutir e preceituar uma Constituição para o Brasil. E foi isso exatamente o que aconteceu. Os legisladores constituintes elaboraram um estatuto com duzentos e quarenta e cinco artigos, afora o ato especial concernente a disposições transitórias lastreado em setenta artigos. Analisando-se o direito constitucional comparado, a nossa Carta mostra-se copiosa. Prevalecentes as considerações de Rui Barbosa acerca das constituições, quando afirma “As constituições não são regulamentos administrativos, não são tratados casuísticos”. Bem, a nossa desce a detalhes e minudências relativas à vida nacional, perquire o mais amplo leque de áreas e setores. Transformou-se em verdadeiro código de normas. A conseqüência prática do fato é a constitucionalização corriqueira de toda e qualquer matéria jurídica. Isso envolve, necessariamente, a manifestação possível, ao menos em tese, do Supremo Tribunal Federal, porquanto tribunal constitucional por excelência, estipulado no artigo 102, CF. Considerando o vasto campo constitucional ante a variedade de temas dispostos, determinadas controvérsias litigiosas levarão muito tempo para o exame final da constitucionalidade. O grande número de demandas de natureza constitucional determina demora natural no exame dos processos envolventes da legislação ordinária e fatos concretos. A estrutura jurídica comum do País acha-se constitucionalizada.
O atalho, no objetivo de resolver certas matérias, surge através das Emendas (artigo 60, CF). Estas buscam extirpar, modificar ou alterar primados estabelecidos no corpo da Carta. Em certas vezes a emenda cria ou extingue, mesmo que de forma oblíqua ou indireta, direitos, os quais passam a ser albergados pelo manto constitucional. Nesse caso, surge uma questão peculiar. O legislador ordinário, comum, que não recebeu mandato legislativo especial de caráter constituinte encontra-se a votar determinantes constitucionais novas. Estas de que natureza for permanecerão, após aprovadas, inseridas no texto de 1988, modificando a fisionomia originária. A via da emenda encontra-se prevista no próprio corpo da Carta, contendo apenas as restrições do parágrafo 4º, art. 60. Assim, não poderá ser alvo de emenda “a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais”. Afora isso o restante se submete às emendas. O uso delas é meio processual utilizado por boa parte das nações, mas aqui, a grande quantidade, excessiva, já dá mostras de modificação relevante do texto primitivo. Isso em parte se deve à ampla constitucionalização do direito nacional. Em outras palavras, o legislador atual, apenas comum, posto que não escolhido para elaborar uma Constituição, tem promovido e introduzido modificações, transformando-se em sucedâneo daqueles que integraram a assembléia nacional constituinte a qual deu origem à Carta de 1988. Talvez, mais avante, seja o caso de ampla revisão constitucional, a ser procedida através de convocação apropriada.
Djalma Sigwalt é advogado, professor e consultor da
Federação da Agricultura do Paraná - FAEP - djalma.sigwalt@uol.com.br