Se a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol for confirmada em áreas contínuas, o Brasil estará mais perto de um conflito sangrento e da perda de parte de seu território. O alerta é do presidente da Federação da Agricultura de Roraima e do SEBRAE daquele estado, Almir Morais Sá, que viaja pelo País para chamar a atenção para a gravidade do problema, que envolve riquezas minerais inexploradas, interesses de ONGs e governos estrangeiros.
Nos próximos dias o Supremo Tribunal Federal vai se pronunciar sobre a legimitidade do decreto de homologação da reserva, que ocupa uma área de 1,7 milhão de hectares próximo à fronteira com a Venezuela e a Guiana Inglesa. Na semana passada, Almir Sá esteve no Paraná, visitou a FAEP e concedeu a seguinte entrevista ao Boletim Informativo:
Boletim Informativo - O
senhor está viajando pelo País para chamar atenção dos brasileiros para
o que acontece na reserva Raposa Serra do Sol. Por que é importante
voltar os olhos para lá?
Almir Morais Sá - O brasileiro não dá a devida importância, mas existe uma política internacional, envolvendo estratégia de ONGs e até governos de países desenvolvidos, no sentido de congelar riquezas nacionais, sob o pano de fundo de questões indígenas e de meio ambiente, e imobilizar grandes recursos minerais que o País detém.
Roraima tem sido um foco deste interesse internacional há mais de 30 anos. Em princípio, nós próprios também não estávamos muito preocupados, mas as coisas tomaram um rumo gravíssimo. Para se ter uma idéia, Roraima é maior do que o estado de São Paulo. De sua área total, só sobram 7% para produzir. Os outros 93% do território foram congelados, sendo que metade desta área pertence a comunidades indígenas. Fizeram grandes demarcações de áreas indígenas nas fronteiras do Brasil com a Venezuela e com a Guiana. Mas chegamos a um ponto grave, que extrapola Roraima. A coisa avançou para o estado do Amazonas, para o Acre, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, e está tomando contextos nacionais. Ou seja, a demarcação de áreas indígenas virou uma estratégia sobre a qual o Congresso Nacional tem sido omisso. O congresso não legislou para estabelecer limites na demarcação de áreas indígenas. Hoje qualquer antropólogo diz que ali é área indígena, o laudo dele vale, a Funai acata, e o presidente demarca por decreto. Não passa nem pelo Congresso.
BI - A questão vai além
do conflito fundiário então?
AMS - Virou uma esculhambação no Brasil. Hoje temos os índios e também os quilombolas. Não existem parâmetros. São só laudos de antropólogos que recebem dinheiro para isso, e ninguém sabe com que interesses e vinculações internacionais. Qualquer ONG pode contratar um antropólogo desses, ele faz o laudo, a Funai aceita e sai a demarcação das áreas indígenas. A coisa é grave.
O caso de Roraima é emblemático. E é por isso que estou mobilizando o País para olhar a região chamada Raposa Serra do Sol. Essa área foi uma das que mais tinham criação de gado em Roraima. Um grande rebanho, uma colonização de mais de dois séculos, uma convivência pacífica entre brancos e índios. Houve uma miscigenação. A cultura indígena predominante é a makuxi, embora tenha índios taurepangs e wapixanas.
Mas a igreja católica formou uma cultura nas escolas, orientando a comunidade indígena sobre tradição, povo, território, cultura e demarcação de áreas. E, para tanto, era preciso que os índios se mobilizassem. Foram ensinadas técnicas de guerrilha. A orientação veio de um bispo, chamado Dom Aldo Mogiano, que veio da revolução de Angola, e de um tal padre Jorge. Nesses últimos anos, foram feitas guerrilhas nas fazendas, com corte de cercas, roubo de gado, queima de pontes, etc. O objetivo foi de desestimular os fazendeiros e fazer com que eles saíssem da região. Esse processo se agravou durante esses 30 anos, chegando agora à famosa demarcação Raposa Serra do Sol, em que o governo não quer indenizar com preço justo. A demarcação envolve áreas nas fronteiras da Guiana e Venezuela e não há controle nacional nessas fronteiras.
Veja a gravidade do problema. Para se construir um batalhão do Exército no município de Uiramutã, no meio da reserva Raposa Serra do Sol, foi preciso uma briga de anos na Justiça. Se hoje o Conselho Indigenista de Roraima discute na Justiça a própria presença do Exército, imagina o que será se demarcarem a região em área contínua No futuro, irão obviamente buscar a independência. Por que é uma área riquíssima em minérios.
BI - O que é possível
ainda fazer, já que houve o decreto para demarcação daquela área?
AMS - Houve um processo de demarcação com vícios de forma. O laudo antropológico que formou a Raposa Serra do Sol foi feito por três indivíduos, sendo uma antropóloga vinculada a ONGs internacionais, um motorista e uma pessoa sem qualificação para isso. Dos três, somente a antropóloga assinou o laudo, nem o motorista assinou.
Nesse laudo consta num primeiro momento 1,3 milhão de hectares, depois fala-se de 1,7 milhão de hectares. Nesse contexto, nosso governador conseguiu no Supremo Tribunal Federal uma liminar suspendendo a retirada dos produtores rurais da área. O mérito desta ação será julgado agora, quanto à legalidade da demarcação. Envolve área de fronteira, área de segurança nacional, onde o Conselho de Segurança Nacional não foi ouvido. É todo um processo cheio de vícios e não temos dúvida de que o Supremo vai reformular esta questão, só não sabemos como.
A mobilização nacional é importante para sensibilizar o Supremo, demonstrando que o Brasil está preocupado com aquela fronteira. Situação similar está sendo desencadeada em todo o Brasil. Em todos os estados em que há índios, a estratégia é a mesma. No Mato Grosso do Sul houve recentemente uma reunião dos antropólogos com o Ministério Público e já estão querendo tomar cinco municípios do estado, inclusive Dourados – segundo a federação de lá. O Mato Grosso também tem problemas em Juína, o Amazonas tem problemas, assim como o Acre e Rondônia.
Tudo em áreas de fronteira, mas o governo brasileiro deixa a questão em segundo plano.
Eu quero registrar o que ouvi numa reunião de deputados e senadores de Roraima com o presidente Lula. Nós ouvimos o seguinte do presidente: “Eu estou cansado, estou de saco cheio de ser pressionado no exterior para demarcação de áreas indígenas”. Ora, se o Presidente da República está de saco cheio, ele tem que parar e refletir. É uma questão nacional e grave. Se governos estrangeiros pressionam o Presidente da República para demarcar áreas no Brasil, é por que a questão é mais grave do que os próprios brasileiros imaginam.
BI - Qual seria a alternativa para pacificar esta situação toda?
AMS - Me parece que o melhor seria o Congresso Nacional disciplinar as demarcações de áreas indígenas. O Congresso Nacional tem sido omisso nesta questão, e posso falar, por que já fui deputado duas vezes. Eu apresentei uma emenda à Constituição, a Emenda 250, que caiu na mão de um petista padre e ele botou o pé em cima por muitos anos. E depois deu parecer contrário. A emenda delegava ao Congresso Nacional competência para demarcar áreas indígenas e estabelecer os parâmetros dessas demarcações.
BI - Se a coisa seguir
como está, se houver o isolamento de toda esta área da Raposa Serra do
Sol, o que pode acontecer num futuro próximo e também a médio e longo
prazo?
AMS
- Num futuro
próximo vamos ter a possibilidade de um confronto sangrento na área. Os
próprios índios estão divididos e os produtores não aceitam sair da
área. Num segundo momento, se demarcada a área de forma contínua,
estaremos numa situação em que os indígenas poderão, com apoio da ONU,
pedir o desmembramento de seu território, por causa das riquezas que
existem lá e interesses estrangeiros. E tem outro detalhe: na Venezuela
e Guiana Inglesa as reservas também são em áreas contíguas e com as
mesmas etnias. Então esse processo poderá tomar corpo internacional, em
dimensões que envolvem os três países. Não é para agora, mas é
importante dizer que o Brasil durante 500 anos se organizou e
estruturou num grande território continental, e agora estamos sujeitos
a deixar problemas para os descendentes, porque não estamos sendo
capazes de disciplinar e harmonizar as nossas fronteiras.
Então, para que
não haja esse problema, é preciso que venhamos a sensibilizar toda a
sociedade brasileira. Que o Brasil discuta a Amazônia, discuta suas
fronteiras, e não espere que a influência internacional avance em
função do descaso brasileiro. Estamos falando de uma área de 1,7 milhão
de hectares, mas que quando começa a se somar com outras áreas
contíguas, chega a praticamente metade do território de Roraima. Para
que o povo do Paraná possa entender, seria mais de 60% da área do
Paraná, nas fronteiras do Brasil com a Venezuela.
Foi sob pretexto de proteção e autonomia de povos indígenas que o Brasil perdeu um pedaço de seu território, em 1904, para a Inglaterra. Hoje a área pertence à Guiana Inglesa.
O litígio ficou conhecido como Questão Pirara, na qual o Brasil perdeu aproximadamente dois terços das terras em disputa (uma região de 33.200 km²). O nome foi dado à região em virtude do rio Pirara, um dos afluentes do Ireng. Com a conquista, a Inglaterra obteve acesso às águas do Rio Amazonas pelos rios Ireng e Tacutu. O rei da Itália, Vítor Emanuel III, foi árbitro da questão.
O argumento dos britânicos, à época, foi de que o território do Pirara era ocupado por tribos independentes que reclamavam a proteção inglesa. No mês passado, representantes indígenas de Roraima, acompanhados de clérigos, fizeram uma turnê pela Europa pedindo apoio para a demarcação das terras na Raposa Serra do Sol. “Não são coincidências. É uma nova questão Pirara a caminho”, alerta o presidente da Federação da Agricultura de Roraima, Almir Sá.