O Brasil é campeão mundial no recolhimento de embalagens vazias de
agrotóxicos. Frascos usados viram conduítes para fiação elétrica e
embalagens para óleo lubrificante. A lei federal estabelece: quem vende
o produto agrícola se obriga a receber o vasilhame de volta. Um ovo de
Colombo.
Perto de 95% das embalagens colocadas no mercado
retornam para 376 locais de recebimento, distribuídos entre 264 postos
de coleta e 112 centrais de processamento. O município gaúcho de Dom
Pedrito ostenta o recorde nacional, com 98% do volume de embalagens
devolvido. No Canadá, o recolhimento atinge 70%, seguido da Alemanha
(65%), Austrália (54%), França (45%) e EUA (20%). Gringos na rabeira,
quem diria.
São Paulo lidera a estrutura de reciclagem, mantendo
80 unidades de coleta. No Mato Grosso, porém, está o maior volume
recolhido, respondendo por 23% do total nacional, seguido do Paraná
(17,5%), com os paulistas em terceiro (13,9%). Nestes primeiros meses
de 2008, Tocantins acelerou seu trabalho, superando em 392% o volume
recolhido ano passado. Em Alagoas, o crescimento anual está em 151%. Na
cadeia de distribuição, 2850 revendedores e cooperativas agropecuárias
participam do sistema. O esquema, gerenciado pelo Inpev, Instituto
Nacional de Processamento de Embalagens Vazias, avança na faixa de 8%
ao ano. Coisa de agricultura séria.
O Inpev é mantido,
basicamente, pelas próprias empresas fabricantes de defensivos. Aqui
reside a grande inovação, uma obrigação legal. Coloca-se em prática o
conceito da co-responsabilidade empresarial, procedimento que na
discussão da política nacional de resíduos sólidos está sendo chamado
de "logística reversa". Quem cria o problema, que ajude a resolver o
assunto. Na agricultura, funciona. E muito bem.
Antes, nas áreas
rurais se acumulavam recipientes vazios de agrotóxicos, se que ninguém
soubesse o que fazer com os perigosos trecos. Enterrar era proibido,
devido ao risco de contaminar o solo e as águas subterrâneas. Queimar
não podia, embora muitos o fizessem. Centenas de casos de intoxicação
se conheciam, advindo do uso de baldes vazios de venenos no
fornecimento de água para animais. Até na cozinha do lar se utilizavam
as peças, supostamente limpas, de pesticidas. Um pequeno horror.
A
lebre foi primeiramente levantada, na década de 80, pela Associação de
Engenheiros Agrônomos de São Paulo (AEASP). Surge daí a proposta da
"tríplice lavagem", recomendando aos agricultores que promovam a
correta limpeza dos recipientes vazios de agrotóxicos. Depois, já com
auxílio das empresas setoriais, monta-se um projeto-piloto nas
instalações da Coplana, exemplar cooperativa rural localizada no
município de Guariba, interior paulista. Seu presidente, na época, era
o brilhante agrônomo Roberto Rodrigues.
Partindo dessas
experiências, a proposta evolui para uma espécie de acordo coletivo,
patrocinado pelo governo federal. Nasce assim, em 2002, a exitosa
legislação. Variados setores da cadeia produtiva se comprometem a
participar da solução do problema: fabricantes, distribuidores,
cooperativas, associações de produtores. Campanhas de conscientização
são realizadas. Pegou. Agricultura limpa.
O exemplo que brota do
campo bem que poderia servir para a cidade, onde montanhas de lixo, de
todos os tipos, se acumulam alhures. Muitos aterros sanitários, quando
não configuram fétidos lixões a céu aberto, verdadeiras fábricas de
urubus, recebem, desnecessariamente, toneladas de materiais que
poderiam ser coletados e reciclados. Não é lixo aquilo que se pode
reaproveitar.
Felizmente, na tarefa da limpeza urbana, cresce a
coleta seletiva, contando com o fundamental apoio de grupos de
catadores de rua. Condomínios e empresas começam a participar da
tarefa. Latinhas de alumínio, devido ao bom preço no mercado da
reciclagem, se reaproveita bem. Papel usado também se recolhe, acima do
material plástico. Ganha força a reciclagem, é verdade.
Mas, já
pensou que maravilha seria se, por exemplo, os vendedores de telefone
celular fossem obrigados a receber de volta, na loja, o aparelho usado.
Junto, os carregadores de baterias. Afinal, cada modelo novo lançado no
mercado exige a troca do maldito carregador, sempre diferente um do
outro. Gavetas se enchem dessa parafernália eletrônica, fios, tomadas,
acumuladores, gerando um estrupício insuportável, que ninguém sabe onde
dispor.
A solução virá, por lei ou acordo de conduta, quando
funcionar a tal logística reversa. Igual na roça. Quem vende artigo
gerador de resíduo sólido, que articule uma forma eficiente de livrar a
sociedade do problema. Ora, se funciona na agricultura, onde as
distâncias são enormes, poderá funcionar muito bem nas cidades. Basta
existir vontade coletiva, unindo público e privado, em prol do meio
ambiente.
O consumidor consciente gosta da estratégia dos 3R -
Reduzir, Reutilizar, Reciclar. Muita coisa, desnecessária, pode ser
descartada pelo cidadão no ato do consumo. A sacolinha plástica
representa um bom começo. Na padaria, na farmácia, recuse-a. No
supermercado, leve sua sacola ecológica. Presentes com caixas enormes,
embalagens cheias de inútil rococó, grandiosos convites de casamento,
quanta energia se gasta para depois virar lixo. Economia do desperdício.
Campo
Limpo. Esse é o nome da fábrica inaugurada em Taubaté em 23 de junho
passado, véspera de São João. A agricultura sustentável colocou mais um
tijolo em seu bonito edifício. Pioneira no mundo, a empresa passará a
produzir embalagens de agrotóxicos a partir da reciclagem de embalagens
usadas, de agrotóxicos. Está fechado o ciclo reverso.
Fim da porcaria.
*Xico Graziano é secretário de Meio ambiente do Estado de São Paulo.
(Texto disponível no site www.xicograziano.com.br)