Legitimidade democrática

*Denis Lerrer Rosenfield

O Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul tomou uma corajosa decisão em defesa do Estado de Direito e das instituições democráticas. Indo na contracorrente do que vem acontecendo no País, onde impera uma extrema leniência em relação ao MST, que não hesita em ampliar os mais diferentes tipos de invasões, com uso de violência, os promotores impetraram ação civil pública visando a reordenar institucionalmente o Estado, em nome da paz pública e da preservação das liberdades. A ação civil foi acolhida em caráter liminar pelo juiz da Comarca de Carazinho (RS), começando pela desocupação de dois acampamentos que cercavam literalmente a Fazenda Coqueiros. A Polícia Militar cumpriu imediatamente a ordem judicial.

No dizer dos promotores, trata-se de "investigar os integrantes de acampamentos e a direção do MST pela prática de crime organizado, pois ficou constatado que o movimento e seus militantes têm prática de atos criminosos, como a invasão e depredação de propriedades privadas e de prédios públicos, como táticas regulares de atuação"; trata-se de "investigar os integrantes de acampamentos e a direção do MST no que toca ao uso de verbas públicas e de subvenções oficiais, tanto no plano criminal quanto na esfera da improbidade administrativa. Não se pode aceitar que o Estado brasileiro, com tantas tarefas a cumprir em um país subdesenvolvido, possa despender enormes quantias na subvenção de um movimento que recusa a legitimidade das instituições democráticas".

A Fazenda Coqueiros, objeto primeiro da ação do Ministério Público (MP), foi vítima, em 50 meses, de 12 grandes invasões, com mais de 135 boletins de ocorrência, 11 casas e 2 caminhões incendiados, 1 trator explodido com dinamite, 200 bois abatidos, 100 desaparecidos, uma área de 30 hectares com danos ambientais e incêndios, mutilação de animais, além de ameaças a funcionários. Os acampamentos instalados ao seu redor eram verdadeiras bases operacionais das ações emessetistas. Seja dito de passagem que a referida propriedade já tinha sido considerada altamente produtiva tanto pelo ministro do Desenvolvimento Agrário quanto pelo próprio ouvidor agrário nacional. No entanto, coerente com suas posições políticas - e não sociais -, o MST continuou a perpetrar uma série de atos violentos, visando a amedrontar o proprietário da fazenda, desestimulando-o de prosseguir em suas atividades. Diante disso, o MP votou pela desativação desses "acampamentos situados nas proximidades da Fazenda Coqueiros, onde a possibilidade de conflitos é mais evidente, bem como de todos os acampamentos que estejam sendo utilizados como ?base de operações? para invasão de propriedades. O fundamento é o uso nocivo da propriedade, vedado pela ordem jurídica brasileira".

O MST, seus intelectuais e ONGs de plantão reagiram com fingida indignação, pois sabem perfeitamente o que estão fazendo. Procuram suscitar na opinião pública uma posição favorável a eles, colocando-se como vítimas de uma ação "injusta". Exercem o seu jus esperneandi, pois não esperavam uma tomada de posição firme de um grupo de promotores que, depois de investigação extremamente cuidadosa, fundamentada em provas, exibiram a verdadeira face desse "movimento", que é, na realidade, uma organização política. Calculadamente, procuram, num procedimento totalitário, fazer passar suas mentiras como representando a boa causa, considerando os cidadãos tolos capazes de ingerir qualquer versão deles. De tão acostumados a isso, esqueceram o compromisso essencial com a verdade. Só clamam pela democracia porque a entendem como totalitária. 

Ao justificar a sua ação, o MP ressaltou a sua missão constitucional, em tudo adequada para agir contra uma organização que tem por objetivo a destruição da ordem democrática e de seus pilares, como o direito de propriedade. "A legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento da presente ação decorre expressamente do texto constitucional. Com efeito, o legislador constituinte estabeleceu como incumbência desta instituição a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como definiu como suas funções, dentre outras, as de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia, assim como a da promoção do inquérito civil e da ação civil pública, para a proteção do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos." Ao agir assim, o MP, no dizer do dr. Paulo Brossard, em artigo publicado no jornal gaúcho Zero Hora, "despertou e retomou o exercício de seus deveres constitucionais".

Os argumentos de uma suposta "criminalização dos movimentos sociais" nada mais é do que uma encenação midiática. Seu objetivo consiste em fazer com que o MST e suas organizações de fachada - como a Via Campesina, o Movimento dos Atingidos pelas Barragens, o Movimento das Mulheres Campesinas e o Movimento dos Trabalhadores da Mineração - possam agir impunemente, como se a lei a eles não se aplicasse. Procuram situar-se acima da lei, como se eles a encarnassem. O que temem é o exercício efetivo do Estado de Direito, que supõe tratá-los como grupos e indivíduos que, como quaisquer outros, estão obrigados a agir segundo o ordenamento constitucional. A "criminalização" em questão é a que o MST se dá a si mesmo, ao escolher crimes e ilícitos como meios de ação. Essa organização se escolhe pela "criminalização" por suas invasões, pelo esbulho possessório, pela posse de armas, pelo cárcere privado, pelo desrespeito a decisões judiciais.

No dizer de Kant, uma pessoa, quando rouba, se rouba, sendo ela responsável pelo que faz, escolhendo-se desta maneira. O MST se criminalizou, devendo, portanto, responder por suas ações.

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.  

(Texto Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, de 7 de julho de 2008)

      
Boletim Informativo nº 1013, semana de 14 a 20 de julho de 2008
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná
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