N outro dia, entrevistado no programa Canal Livre, da Band, o líder do MST, João Pedro Stédile, constrangeu seu interlocutor ao afirmar, contrapondo-o agressivamente, que os produtos transgênicos entopem a agricultura de agrotóxicos. O jornalista, surpreendido com a arrogância do economista, recolheu seu argumento. Mas ele estava correto. Inúmeras pesquisas de campo, realizadas por entidades públicas, indicam que, efetivamente, ocorre redução dos pesticidas nas lavouras transgênicas. No Brasil e na Argentina, a soja configura o caso mais estudado. Na China, Índia e Austrália, o algodão se destaca nos estudos agronômicos. Basta consultar a Embrapa. Lá se encontra conhecimento técnico, não grito ideológico.
Existem no mercado dois tipos básicos de transgenias. Uma delas recebe a sigla Bt, iniciais da bactéria Bacilus thuringensis, fonte de bioinseticida utilizado há tempos na agricultura orgânica. Ingerida, a toxina bacteriológica contamina o aparelho digestivo de lagartas, liquidando-as. Pois bem. A engenharia genética conseguiu a proeza de introduzir no genoma das plantas o gene selecionado da bactéria. Resultado: quando a praga morde as folhas do algodão Bt, por exemplo, ela se intoxica naturalmente, sem precisar de inseticida que as mate. No Mato Grosso, lavouras convencionais de algodão recebem, em média, 15 pulverizações de inseticidas. Nas roças transgênicas, caem para 5 aplicações.
A segunda transgenia, mais discutida, incorpora nas plantas comerciais o gene RR, abreviatura de Roundap Ready. Trata-se, este, de um herbicida, cujo princípio ativo se chama "glifosate". Sua molécula destrói a clorofila dos vegetais em geral, aniquilando-os. O deletério efeito, todavia, não funciona nas culturas que recebem, através da engenharia genética, o famoso gene.
Em conseqüência, nas variedades modificadas de soja, algodão ou milho, apenas uma aplicação desse herbicida, realizada após a emergência das sementes, acaba com o mato, sem prejudicar as plantinhas da lavoura. O campo fica limpo de ervas, restando verde apenas aquelas linhas onde germina a safra. O efeito é notável.
Os
plantios convencionais recebem várias aplicações de herbicidas,
dependendo do grau de infestação da área cultivada. E, normalmente,
tais agrotóxicos, seletivos ou de "préemergência", são mais
contaminantes que o glifosate, utilizado nas lavouras transgênicas.
Todos, por serem tóxicos, exigem o cuidado da receita agronômica.
Existe
um complicômetro, alardeado pelos críticos. A tecnologia RR pertence à
Monsanto, grande multinacional norte-americana, mesma empresa que
fabrica o fungicida Roundap Ready. Óbvio está o risco de se criar
danosa dependência do agricultor à garra monopolista do Tio Sam. Pode
ser, mas há um senão.
A patente mundial do glifosate expirou em 2000, caindo para domínio público. À semelhança da medicina, vira produto genérico. Apenas no Brasil, atualmente, 18 empresas, nacionais e estrangeiras, fabricam 20 marcas comerciais do herbicida, todos com a mesma base química. Há, portanto, forte concorrência no mercado. A mentira ideológica omite a relevante informação.
A biotecnologia, incontestavelmente, trabalha a favor da redução dos pesticidas agrícolas. O fato, objetivo, recebeu o primeiro atestado oficial quando, em 2003, no processo de votação da Medida Provisória 131, o núcleo agrário do PT solicitou um relatório sobre a matéria. Visita em campo, relatada na Comissão de Agricultura, confirmava as vantagens agronômicas da nova tecnologia. Por isso os pequenos agricultores gaúchos a adotavam, contrabandeando-a da Argentina.
Foram,
na época, arrolados 12 aspectos positivos. Incluíam a redução no uso de
herbicidas, aumento na praticidade da lavoura, economia de combustível,
redução de perdas e maior liberdade do trabalho rural. Anotava ainda o
reaparecimento de pequenos mamíferos, aves e peixes nas redondezas dos
campos de produção. "Um banho de realidade", conforme se expressou a
agrônoma Maria Thereza Pedroso, responsável pelo relatório
petista.
Nem tudo está resolvido no mundo dos
transgênicos. A Embrapa aponta que o manejo inadequado da soja RR pode
favorecer a manifestação da resistência de plantas daninhas ao
glifosate, especialmente azevém e amendoim bravo. Para enfrentar o
problema, bastante conhecido na agronomia , se recomenda a rotação de
culturas. Essa mesma técnica serve para cultivos Bt, nos quais se
observa ressurgência de algumas pragas, antes pouco relevantes. Com ou
sem transgênicos, nada é definitivo na dinâmica da natureza.
Neste mês, o Conselho Nacional de Biosegurança ratificou decisão liberando o plantio comercial de nova variedade transgênica de milho, o Bt11. Mais importante, decidiu que a análise científica, no âmbito da CTNBio, será doravante definitiva, salvo casos de interesse nacional. Precaução sempre, obscurantismo nunca.
A engenharia genética causa compreensível receio na sociedade. Afinal, trata-se de manipulação da vida. Há limite ético a ser considerado, bem como posição religiosa a respeitar. Acima de tudo, exige-se segurança na saúde e no meio ambiente. A verborragia, contudo, nada garantirá. Somente a crença no conhecimento científico será capaz de vencer os desafios da produção e da tecnologia.
Um conselho.
Desconfie dos que defendem os transgênicos qual panacéia, invocando a
solução da fome no mundo. Eles representam o poder econômico. E fuja
rápido daqueles que vociferam contra a biotecnologia. Estes adoram
manipular, politicamente, a opinião pública. Ambos falseiam a
verdade.
A virtude segue o caminho do meio.
Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo
Texto disponível no site www.xicograziano.com.br