No
início da década, a Comissão Européia e o Parlamento Europeu aprovaram
a estratégia do bloco para as ciências da vida e a biotecnologia, em
que afirmaram que este segmento seria a nova onda da economia baseada
no conhecimento. Indiscutível que está ocorrendo uma revolução, que tem
amplitude mundial, no âmbito das ciências da vida e da biotecnologia.
Ocorrendo
em velocidade sem precedentes na transformação de conhecimentos
científicos em biotecnologias de ponta, a biotecnologia moderna é um
território repleto de potencialidades para a geração de riquezas e
empregos especializados. Não seria exagero afirmar que já está
delineado e em processo de consolidação um novo segmento econômico: a
bioeconomia.
A biotecnologia moderna, com as plantas
transgênicas, tem contribuído para reduzir o custo da produção dos
alimentos e, com a redução do uso de defensivos agrícolas nas
plantações, os impactos negativos para o meio ambiente e a saúde.
Possibilita, ainda, a produção de proteínas para aplicação terapêutica,
por meio de plantas e animais geneticamente modificados, e a produção
de biocombustíveis a partir da biomassa pelo processo de fermentação
utilizando microrganismos transgênicos.
Para estar na ponta,
contudo, é preciso acompanhar o ritmo mundial. Transmudar velhas
indústrias, incentivar a criação empresas e pólos de biotecnologia,
preparar pessoas para empregos qualificados, ter uma política bem
definida e prática, garantir acesso ao financiamento, defender a
propriedade intelectual e eliminar falhas no processo de intercâmbio de
informações e colaboração entre os setores de pesquisa e a indústria.
Diante
das considerações formuladas e analisando o funcionamento da Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), especialmente a
administração da comissão, constata-se que o Brasil, efetivamente, não
poderia estar em outro lugar no ranking dos competidores, ou seja, bem
distante daqueles que ocupam posições dianteiras.
A CTNBio,
que contava com 36 membros até 2005 e passou a contar, em 2006, com 54
membros, foi sufocada com um mísero orçamento de R$ 1 milhão por ano.
Para este ano a previsão orçamentária é de R$ 2 milhões, valor ainda
insignificante diante das necessidades e obrigações do órgão. Com esse
orçamento a comissão precisa pagar as despesas com a locomoção dos
membros para as reuniões e realização de visitas técnicas, fazer
diversas publicações no Diário Oficial da União, contratar cientista
para emissão de pareceres ad hoc, construir e manter um Sistema de
Informações em Biossegurança e se relacionar com uma ampla rede de
Comissões Internas de Biossegurança (CIBios) espalhada pelo Brasil.
Todavia
a CTNBio, que é responsável pela análise da biossegurança das pesquisas
e dos produtos no campo da engenharia genética, agoniza não apenas
devido aos parcos recursos que recebe. Inexiste uma articulação
política sistemática com os Ministérios que, com a CTNBio, as CIBios e
o Conselho Nacional de Biossegurança, compõem o Sistema Nacional de
Biossegurança. O que impera na comissão é uma forte desarticulação dos
Ministérios que nela representam o governo. Até em pequenos detalhes é
possível constatar a pobreza administrativa que acomete o órgão. O
ambiente de realização das reuniões mensais da CTNBio é um auditório
feito para a elaboração de eventos políticos, e não para abrigar
reuniões científicas. Os membros são acomodados em cadeiras/carteiras
que não oferecem nenhum conforto nem espaço para o manuseio adequado
dos equipamentos e materiais necessários. É comum ver materiais
depositados no piso do auditório, aos pés dos membros, e o malabarismo
dos auxiliares para fazer chegar o microfone àqueles que querem falar.
De
forma muito pomposa, a artigo 41 da Portaria nº 146/2006 - Regimento
Interno da CTNBio - dispõe que a participação na CTNBio não será
remunerada, cabendo aos órgãos e instituições nela representados
prestar ao seu representante todo o apoio técnico e administrativo
necessário ao seu trabalho na comissão. Pergunta-se: o que foi
efetivamente feito para compensar e motivar os órgãos e instituições de
origem dos membros para a observância desse artigo 41? O que foi feito
para motivar os membros? Os pareceres emitidos na CTNBio somam pontos
no currículo dos pesquisadores? Os representantes de Ministérios na
CTNBio têm dedicação exclusiva ao tema biossegurança de organismos
geneticamente modificados ou simplesmente acumularam mais uma função?
O
reflexo desse descompasso entre o ideal e o que é prática no Brasil
está estampado nas páginas da pauta da reunião da comissão, onde os
processos de liberação comercial apresentados em 2003, 2004, 2005 e
2006 estão aguardando avaliação - e boa parte desses processos é de
produtos biotecnologicamente defasados se comparados aos que estão
sendo lançados em países desenvolvidos. Está estampado também em
instrumentos normativos que compõem o arcabouço legal aplicado à
biotecnologia moderna, como é o caso do Decreto nº 4.680/03, pelo qual
o presidente da República, considerando relevante, exige rotulagem
especial para informar que este presunto ou aquela lingüiça foram
produzidos a partir de animais alimentados com ração que continha
ingrediente transgênico. Como deverá ser o rótulo da lingüiça quando um
frango for alimentado na primeira quinzena de vida com ração contendo
milho geneticamente modificado e no restante de seu ciclo de vida com
ração contendo milho convencional? Será necessário informar ao
consumidor que aquela lingüiça foi produzida com frango que foi
parcialmente alimentado com ração que continha ingrediente transgênico?
Decididamente, o Poder Executivo muito está contribuindo para semear as sementes do atraso no terreno fértil e promissor de uma biotecnologia que é moderna.
Reginaldo Minaré, advogado, é diretor jurídico da
Associação Nacional de Biossegurança (ANBio)
Publicado no jornal O Estado de S.Paulo, 24 de junho de 2008