Biotecnologia moderna ou em atraso?

Reginaldo Minaré*

No início da década, a Comissão Européia e o Parlamento Europeu aprovaram a estratégia do bloco para as ciências da vida e a biotecnologia, em que afirmaram que este segmento seria a nova onda da economia baseada no conhecimento. Indiscutível que está ocorrendo uma revolução, que tem amplitude mundial, no âmbito das ciências da vida e da biotecnologia.
 

Ocorrendo em velocidade sem precedentes na transformação de conhecimentos científicos em biotecnologias de ponta, a biotecnologia moderna é um território repleto de potencialidades para a geração de riquezas e empregos especializados. Não seria exagero afirmar que já está delineado e em processo de consolidação um novo segmento econômico: a bioeconomia. 

A biotecnologia moderna, com as plantas transgênicas, tem contribuído para reduzir o custo da produção dos alimentos e, com a redução do uso de defensivos agrícolas nas plantações, os impactos negativos para o meio ambiente e a saúde. Possibilita, ainda, a produção de proteínas para aplicação terapêutica, por meio de plantas e animais geneticamente modificados, e a produção de biocombustíveis a partir da biomassa pelo processo de fermentação utilizando microrganismos transgênicos.

Para estar na ponta, contudo, é preciso acompanhar o ritmo mundial. Transmudar velhas indústrias, incentivar a criação empresas e pólos de biotecnologia, preparar pessoas para empregos qualificados, ter uma política bem definida e prática, garantir acesso ao financiamento, defender a propriedade intelectual e eliminar falhas no processo de intercâmbio de informações e colaboração entre os setores de pesquisa e a indústria.
 

Diante das considerações formuladas e analisando o funcionamento da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), especialmente a administração da comissão, constata-se que o Brasil, efetivamente, não poderia estar em outro lugar no ranking dos competidores, ou seja, bem distante daqueles que ocupam posições dianteiras.

A CTNBio, que contava com 36 membros até 2005 e passou a contar, em 2006, com 54 membros, foi sufocada com um mísero orçamento de R$ 1 milhão por ano. Para este ano a previsão orçamentária é de R$ 2 milhões, valor ainda insignificante diante das necessidades e obrigações do órgão. Com esse orçamento a comissão precisa pagar as despesas com a locomoção dos membros para as reuniões e realização de visitas técnicas, fazer diversas publicações no Diário Oficial da União, contratar cientista para emissão de pareceres ad hoc, construir e manter um Sistema de Informações em Biossegurança e se relacionar com uma ampla rede de Comissões Internas de Biossegurança (CIBios) espalhada pelo Brasil.
 

Todavia a CTNBio, que é responsável pela análise da biossegurança das pesquisas e dos produtos no campo da engenharia genética, agoniza não apenas devido aos parcos recursos que recebe. Inexiste uma articulação política sistemática com os Ministérios que, com a CTNBio, as CIBios e o Conselho Nacional de Biossegurança, compõem o Sistema Nacional de Biossegurança. O que impera na comissão é uma forte desarticulação dos Ministérios que nela representam o governo. Até em pequenos detalhes é possível constatar a pobreza administrativa que acomete o órgão. O ambiente de realização das reuniões mensais da CTNBio é um auditório feito para a elaboração de eventos políticos, e não para abrigar reuniões científicas. Os membros são acomodados em cadeiras/carteiras que não oferecem nenhum conforto nem espaço para o manuseio adequado dos equipamentos e materiais necessários. É comum ver materiais depositados no piso do auditório, aos pés dos membros, e o malabarismo dos auxiliares para fazer chegar o microfone àqueles que querem falar.

De forma muito pomposa, a artigo 41 da Portaria nº 146/2006 - Regimento Interno da CTNBio - dispõe que a participação na CTNBio não será remunerada, cabendo aos órgãos e instituições nela representados prestar ao seu representante todo o apoio técnico e administrativo necessário ao seu trabalho na comissão. Pergunta-se: o que foi efetivamente feito para compensar e motivar os órgãos e instituições de origem dos membros para a observância desse artigo 41? O que foi feito para motivar os membros? Os pareceres emitidos na CTNBio somam pontos no currículo dos pesquisadores? Os representantes de Ministérios na CTNBio têm dedicação exclusiva ao tema biossegurança de organismos geneticamente modificados ou simplesmente acumularam mais uma função?

O reflexo desse descompasso entre o ideal e o que é prática no Brasil está estampado nas páginas da pauta da reunião da comissão, onde os processos de liberação comercial apresentados em 2003, 2004, 2005 e 2006 estão aguardando avaliação - e boa parte desses processos é de produtos biotecnologicamente defasados se comparados aos que estão sendo lançados em países desenvolvidos. Está estampado também em instrumentos normativos que compõem o arcabouço legal aplicado à biotecnologia moderna, como é o caso do Decreto nº 4.680/03, pelo qual o presidente da República, considerando relevante, exige rotulagem especial para informar que este presunto ou aquela lingüiça foram produzidos a partir de animais alimentados com ração que continha ingrediente transgênico. Como deverá ser o rótulo da lingüiça quando um frango for alimentado na primeira quinzena de vida com ração contendo milho geneticamente modificado e no restante de seu ciclo de vida com ração contendo milho convencional? Será necessário informar ao consumidor que aquela lingüiça foi produzida com frango que foi parcialmente alimentado com ração que continha ingrediente transgênico?

Decididamente, o Poder Executivo muito está contribuindo para semear as sementes do atraso no terreno fértil e promissor de uma biotecnologia que é moderna. 

Reginaldo Minaré, advogado, é diretor jurídico da 

Associação Nacional de Biossegurança (ANBio) 

Publicado no jornal O Estado de S.Paulo, 24 de junho de 2008
      

Boletim Informativo nº 1012, semana de 7 a 13 de julho de 2008
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná
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