Caminho virtuoso

Xico Graziano

Agricultura sustentável. Assim se denomina a filha do casamento entre o ruralismo e o ambientalismo. Seu bonito nome, futurista, carrega enorme desafio: compatibilizar a produção rural com o meio ambiente. Será possível?

O assunto começa controverso. Acontece que, historicamente, o avanço da agricultura sempre exigiu o aniquilamento de áreas naturais, surrupiadas para servir à produção humana. Não havia, nem se conhecia, outra forma de expansão. Assim, o progresso da humanidade somente pôde ocorrer com o domínio do território virgem, transformando-o por meio do cultivo da terra. O desmatamento, portanto, pertence à antropologia.

Há 10 mil anos se processa a domesticação do mundo selvagem, livrando a espécie humana do nomadismo. Inicialmente, o efeito deletério para a natureza se resume à supressão de vegetação. O fogo ajuda na coivara, pântanos são drenados. Milênios se passam, a população explode. Até chegar à moderna civilização.

Descobre-se, então, novo e perverso fenômeno ecológico: a perda da biodiversidade. Aí se complica a produção rural. Ocorre que os agroecossistemas, ao serem implantados, simplificam o ambiente, rompendo as cadeias produtivas da natureza. E cada perda de complexidade significa tendência à maior instabilidade. Por isso, em decorrência da alteração causada pela força do homem, surgem pragas e doenças. Tal problema inexiste, salvo ocasionalmente, nos ecossistemas originais. Quem garante são os predadores naturais, que controlam a população das espécies. Chama-se homeostase tal clímax.

Como se percebe, o problema ecológico da agropecuária reside, exatamente, em seu próprio berço. Primeiro, pela necessária supressão da vegetação nativa. Segundo, porque a implantação de sistemas produtivos tende a elevar, permanentemente, a instabilidade do processo. Vencer esse endêmico obstáculo é o papel fundamental da agronomia, a ciência da terra. Como? Por meio da tecnologia.

Vejam as pragas e doenças. Num primeiro momento, venenos terríveis se utilizam no combate a elas. Funcionam, entretanto, por breve tempo. Novas espécies de dano surgem, resistentes aos agrotóxicos. Mais tarde, utilizando-se nova geração de defensivos agrícolas, avista-se o controle integrado de pragas. Neste se alterna o controle químico com práticas culturais. A inovadora idéia, viabilizada com o avanço no conhecimento, minimiza os impactos ambientais da agropecuária.

Pensando assim, nasceu, muito antes, a agricultura orgânica. Vinculada aos movimentos religiosos ou naturalistas, no Japão e na Alemanha especialmente, grupos de agricultores alternativos se propuseram a desenvolver sistemas de produção rural pouco agressivos à natureza. Embora menos produtivos, avançaram e conquistaram sucesso. Foram rotulados de ''agricultura alternativa''.

Empurrados pelo mercado, recentemente se aproximam a agricultura comercial e a produção orgânica. Aquela, buscando qualidade; esta, ganhando eficiência. Ambas experimentam movimentos renovadores e, certamente, a nova fronteira despertada pela biotecnologia irá sedimentar sua integração. Espera-se que a engenharia genética, ao criar plantas resistentes, dispense o uso de agroquímicos e favoreça a agricultura ''natural''. Ironia da história.

Tiro no pé. Com a evolução tecnológica, o desmatamento, especialmente nas regiões tropicais, passou a ser visto como empecilho ao desenvolvimento rural. Chega o conceito da sustentabilidade, exigindo visão de futuro. O corte raso, ou o correntão, aquele que tudo destrói, acabou condenado. Após anos surrupiando a beirada do rio, com medo da malária, surge a recuperação da mata ciliar. Começa a proteção dos mananciais.

Ao contrário de antigamente, defender agora o desmatamento soa atrasado. A grande vantagem está na tecnologia, que permite elevar a produção na mesma área. Ou sem área alguma, como na hidroponia. Na pecuária, a produtividade cresce de forma sensacional, liberando antigas pastagens. Resultado: o Brasil não precisa mais derrubar nenhuma árvore para aumentar sua produção agropecuária.

Em 5 de junho se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente. A agenda é complexa, do combate à poluição à proteção das florestas. Mesmo difícil, avança o tema do desenvolvimento sustentável. A cada ano aumenta a consciência coletiva sobre a necessidade de conciliar o crescimento econômico com a preservação. Pudera, no aquecimento global se vislumbra a tragédia.

A agricultura, se enfrentar a peleja, ajuda na solução. Florestas se plantam facilmente. Árvores seqüestram carbono da atmosfera para respirar na fotossíntese. Sua energia se renova no alimento que gera. Falta acertar o passo na história, rever o passado, construir um futuro de maior sintonia com a natureza. Produzir conservando, conservar produzindo.

A chave do caminho virtuoso está na educação ambiental. Os produtores rurais passam por um duro aprendizado. Suas tradições, recolhidas na recente história familiar, os ensinaram a abrir florestas e campos, ocupando várzeas e veredas, pois a expansão da cidade exigia comida farta e barata. Em duas gerações, de heróis do desenvolvimento os desbravadores viraram vilões do desmatamento.

Não será longa, nem difícil, a transição produtiva na agropecuária se aos homens do campo for dado o direito ao conhecimento, para que entendam corretamente o apelo ecológico da sociedade atual. E consigam descobrir, pela tecnologia, como vencer o desafio inato do usufruto da terra. Proativo, participante, respeitado, o agricultor poderá ser o ambientalista do amanhã. E o ecologista agradecerá ao ruralista pelo alimento saudável na mesa.

Tomara.

Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

Texto disponível no site www.xicograziano.com.br

Boletim Informativo nº 1008, semana de 9 a 15 de junho de 2008
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná
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