A agricultura em tempo 
de decisões 

Antônio Márcio Buainain e
José Maria da Silveira*

O choque dos preços dos alimentos chama a atenção para a importância da agricultura. Preços altos alimentam a inflação e têm impactos distributivos negativos; preços baixos beneficiam os mais pobres e ajudam a conter a inflação. No passado, as crises de abastecimento e elevação de preços de alimentos refletiam a falta de capacidade de resposta aos incentivos de mercado. Hoje o diagnóstico se inverteu e se aceita quase como natural que os preços agrícolas devem ser baixos e que o problema estaria na má distribuição de renda. A sustentabilidade dos preços baixos se apoiou tanto na impressionante elevação de produtividade como no uso inadequado dos recursos naturais. Para além da explosão da demanda mundial ou do etanol americano, a crise atual revela certo esgotamento do padrão anterior.

A agricultura é um segmento politizado, seja em nome da segurança ou da ajuda alimentar, da preservação da paisagem rural, da cultura local e do meio ambiente. Hoje o componente político se manifesta na decisão de produzir etanol de milho ou de proibir exportações de trigo, arroz e fertilizantes. Os sinais de mercado nem sempre são guias adequados para saídas de crises: o Brasil foi campeão, ao longo das décadas passadas, de políticas de curto prazo que comprometeram o desenvolvimento da agricultura. No entanto, parte dos acertos estratégicos que nos levaram à vanguarda da produção agrícola mundial se deveu a decisões que não se conformavam à solução de mercado. A criação da Embrapa (em 1971) foi a mais importante, mas não a única. A reorganização das cooperativas e a crescente participação privada no setor de insumos - não sem problemas - consolidaram o padrão tecnológico que sustenta a competitividade do agronegócio brasileiro.

Pode-se dizer que em certa medida o Brasil se antecipou à presente crise, aumentando a participação das fontes renováveis de energia. No campo tecnológico, deu-se ênfase a um conjunto de tecnologias de menor impacto ambiental. O trabalho de pesquisa (da Embrapa e demais instituições em geral esquecidas) permitiu a expansão da soja sem uso do fertilizante químico nitrogenado. O cultivo mínimo reduziu o consumo de diesel e o impacto ambiental da mecanização.  

Vive-se um novo momento de decisão, e o cenário e as soluções são bem mais complexos. A agricultura, a tecnologia e os arranjos institucionais, que permitiram a excepcional expansão da produção com base na elevação da produtividade total dos fatores e que relegaram o dilema dos preços ao quase esquecimento, são hoje sujeitos a maiores e justificáveis restrições ambientais, sociais e sanitárias. Algumas, no entanto, são produtos da inevitável disputa ideológica, que confunde etanol de cana com crise de alimento, ataca a agricultura em larga escala como um mal, associa a soja brasileira com queima de árvores na Amazônia e os transgênicos como sementes do mal. Há uma radicalização que dificulta as soluções, tanto na esfera da tecnologia como na das instituições. A agricultura preconizada por defensores de um mundo novo, a orgânica, contribui para um patamar elevado de preços da alimentação, compatível apenas com a situação de países de elevada renda per capita. As políticas agrícolas protecionistas da Europa desestimulam o uso da tecnologia em favor da "proteção do território" e jogam os ganhos de produtividade na agricultura no mundo para os níveis mais baixos dos últimos 20 anos. A pesquisa como bem público perdeu capacidade de promover uma nova Revolução Verde.

O Brasil tem muito a ganhar com a crise e mais ainda a contribuir. O essencial é fortalecer a opção estratégica de privilegiar aqueles eixos da pesquisa para responder à preocupação de melhorar o uso dos recursos disponíveis com o menor impacto sobre o meio ambiente e sobre o aquecimento global. A Embrapa é o principal elo com o futuro, mas sua relevância depende da capacidade de resistir, hoje, à tentação de ser solução para tudo e de fazer de tudo um pouco. Aplaude-se a decisão do governo atual de continuar prestigiando a pesquisa agrícola, mas vale chamar a atenção para a necessidade de uma clara definição dos objetivos estratégicos. É preciso provar na prática, diariamente, que existe coerência em preconizar o aumento da produção agrícola e atender às novas demandas de energia e ambientais. Momento de decisão e de responsabilidade para todos os envolvidos no agronegócio brasileiro, do governo à iniciativa privada.

*Antônio Márcio Buainain (buainain@eco.unicamp.br) e José Maria da Silveira

(jmsilv@eco.unicamp.br) são professores do Instituto de Economia da Unicamp  

(Publicado no jornal O Estado de S. Paulo de 20 de maio de 2008)

Boletim Informativo nº 1004, semana de 26 de maio a 1 de junho de 2008
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná
  • voltar