A regra contida na Carta Política estipula competência da União para desapropriar por interesse social, no objetivo de reforma agrária. Determina que a gleba rural não cumpridora da sua função social pode submeter-se ao procedimento, respeitados os ditames. Assegura também a prévia indenização em títulos da dívida agrária. Consta ainda, que tais títulos deverão conter cláusula de preservação do valor real, cujo resgate dar-se-á no prazo de até vinte anos, contando-se a partir do segundo ano de sua emissão. Estabelece a ressalva de que as benfeitorias úteis e necessárias devam ser indenizadas em dinheiro. Em verdade, permanece ao largo da expropriação a pequena e média propriedade rural, desde que o proprietário não possua outra. Igualmente não poderá ser atingida a propriedade produtiva.
Assim, o imóvel que não estiver cumprindo sua função social poderá ser atingido pelo decreto de desapropriação. Passará a integrar o estoque imobiliário para assentamentos. A questão fica centrada no conceito fático e jurídico da função social. A própria Carta alude os elementos próprios desse instituto. Preceitua que a função social é "cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores." O conceito da função social fundiária, ao que se vê, nasce do entendimento constitucional. A legislação ordinária, hierarquicamente inferior, não poderá inovar perante o entendimento superior. Deverá postar-se em consonância.
Por seu turno, a gama de requisitos fáticos dependentes de exame, vistoria e laudo, mostram-se visíveis, pois deles decorrerá a demonstração do descumprimento da função social. Sem essa constatação exercida pelo Executivo Federal não surge base para o decreto presidencial. Decorre daí o procedimento administrativo que se inicia pela notificação do proprietário. O titular do direito dominial acompanhará os trabalhos de levantamento de dados e informações pertinentes à gleba. Forma-se verdadeiro contraditório administrativo, em que o dono da coisa poderá ser acompanhado nos exames e vistorias por auxiliares técnicos de sua confiança. Poderá exibir documentos e apontar fatos excludentes e afins, tudo no interesse de sua defesa, no viso de demonstrar que o imóvel cumpre a apregoada função social. A notificação do proprietário, determinada na legislação, não contém apenas formalidade, mas sim, abertura e perspectiva da ampla defesa constitucional, além da incidência do princípio do contraditório, embora o procedimento seja meramente administrativo. A impugnação como peça essencial à defesa administrativa é de rigor. Por isso tudo a necessidade de que o dono do imóvel seja cientificado dos trabalhos e dos resultados destes mediante laudo circunstanciado. Trata-se da obediência ao devido processo legal, de natureza constitucional. A ausência de notificação regular e comprovada para o início dos trabalhos de campo nulifica o procedimento administrativo. Nessa hipótese estará cerceada a defesa.
Djalma Sigwalt é advogado, professor e consultor da
Federação da Agricultura do Paraná - FAEP - djalma.sigwalt@uol.com.br